Espero não estar a infringir nenhum direito de autor ao transcrever parte da entrevista a Herman José incluída no DVD do Tal Canal:
Entretanto, estava longe a perspectiva de poder vir a fazer um programa, e a administração que estava na altura na RTP não morria de amores comigo […] aquela zona política do PSD para a direita viu-me sempre com algum desconforto. Eu representava uma certa indisciplina que não era cordial. Democracia sim, mas com um certo músculo. Foi de resto essa lógica, muito arrumada e muito social-democrata, que fez com que o Humor de Perdição fosse tirado do ar, uma vez que estava a incomodar a Igreja e alguns sectores que achavam que, apesar de tudo, a democracia tem de ter os seus limites – que continua a ter, em Portugal, limites extraordinários, noutros poderes onde Abril ainda não chegou, portanto as coisas são feitas de uma certa maneira. A liberdade tem de ser decente. E é um advento de um certo PS, linha José Niza, que ganha as eleições na altura, que faz com que, até com uma certa loucura, me seja proposta a feitura do programa. O José Niza era um fã, um soixante-huitard romântico, faz parte daquela geração, do alegre Abril, meu cravo, minha liberdade… abençoada geração. E então ele, à maluca, encomendou-me o programa.
Esta entrevista é muito elucidativa, como se vê por este excerto, e, de facto, não posso senão olhar para o Herman com uma admiração renovada. Já gostava dele antes, agora ainda gosto mais. Este homem, além de ser um inovador, o rosto do grande humor em Portugal, tem esta inteligência, esta lucidez extrema, que não se coíbe de desmascarar a pequenez deste país. Pensar no Portugal dos anos 80 é, infelizmente, um susto. Pensar em Portugal em 2009 também é, mas temos de acreditar que nos anos 80 era pior. Mas o que me faz reflectir, ao ouvir o Herman dizer coisas semelhantes às que aqui transcrevi, é saber que, infelizmente, as coisas não parecem ter mudado assim tanto. O “certo PS” de que Herman fala já não existe, e não há nada que se assemelhe a uma alternativa válida. A “abençoada geração” do cravo e da liberdade também já se parece ter esgotado. O que é que restou? As mesmas peias, os mesmos entraves, as mesmas terríveis ideologias de “democracia sim, mas com músculo”, “a liberdade tem de ser decente”, a mesma alergia à crítica, a mesma demagogia de que o bom governo é aquele que se faz com mão pesada, com autoridade, para pôr o povo na ordem, num país onde a indisciplina, curiosamente, cresce como cogumelos, como fungos mal cheirosos por todo o lado, onde todos aqueles bafejados pelo chico-espertismo se conseguem escapulir com pouco mais do que um ralhete bem disposto. Ao pensar nisto tudo, até me surpreende que um programa tão visionário com o Tal Canal tenha sido feito. Pelos vistos, não fosse um soixante-huitard de visão, e nunca teria acontecido. Tal como não acontece hoje, no Portugal de hoje, ainda o mesmo que, infelizmente, proibiu o Herman de ir para o ar porque apresentar a Florbela Espanca como uma flausina com tendência para o deboche, de facto, não se faz. Liberdade sim, mas decente.
É ao ouvir coisas como estas, que o Herman vai dizendo, e ainda bem que o faz, que me apercebo que, de facto, a nossa democracia está ainda em botão. Ainda nos falta comer muita sopa, como se diz, e isso entristece-me, principalmente porque é a minha geração, aqueles que nasceram já depois do 25 de Abril, que mais é atingida por este desnorte do país. Alguma coisa falhou nisto tudo. Foram eles, os velhos, que deixaram que, afinal, ganhasse o reaccionarismo, que as muralhas das velhas instituições, nunca renovadas, ainda nos emparedassem, como dizia Cesário Verde no grande Sentimento de Um Ocidental? Ou fomos nós, a grande esperança portuguesa, a primeira geração nascida em plena democracia, que deixámos o país ficar mal?
Não sei responder, e, aliás, nem sei porque é que escrevi isto, quando a minha intenção era voltar a escrever sobre o Herman.
Não gosto de escrever sobre isto.
Entretanto, estava longe a perspectiva de poder vir a fazer um programa, e a administração que estava na altura na RTP não morria de amores comigo […] aquela zona política do PSD para a direita viu-me sempre com algum desconforto. Eu representava uma certa indisciplina que não era cordial. Democracia sim, mas com um certo músculo. Foi de resto essa lógica, muito arrumada e muito social-democrata, que fez com que o Humor de Perdição fosse tirado do ar, uma vez que estava a incomodar a Igreja e alguns sectores que achavam que, apesar de tudo, a democracia tem de ter os seus limites – que continua a ter, em Portugal, limites extraordinários, noutros poderes onde Abril ainda não chegou, portanto as coisas são feitas de uma certa maneira. A liberdade tem de ser decente. E é um advento de um certo PS, linha José Niza, que ganha as eleições na altura, que faz com que, até com uma certa loucura, me seja proposta a feitura do programa. O José Niza era um fã, um soixante-huitard romântico, faz parte daquela geração, do alegre Abril, meu cravo, minha liberdade… abençoada geração. E então ele, à maluca, encomendou-me o programa.
Esta entrevista é muito elucidativa, como se vê por este excerto, e, de facto, não posso senão olhar para o Herman com uma admiração renovada. Já gostava dele antes, agora ainda gosto mais. Este homem, além de ser um inovador, o rosto do grande humor em Portugal, tem esta inteligência, esta lucidez extrema, que não se coíbe de desmascarar a pequenez deste país. Pensar no Portugal dos anos 80 é, infelizmente, um susto. Pensar em Portugal em 2009 também é, mas temos de acreditar que nos anos 80 era pior. Mas o que me faz reflectir, ao ouvir o Herman dizer coisas semelhantes às que aqui transcrevi, é saber que, infelizmente, as coisas não parecem ter mudado assim tanto. O “certo PS” de que Herman fala já não existe, e não há nada que se assemelhe a uma alternativa válida. A “abençoada geração” do cravo e da liberdade também já se parece ter esgotado. O que é que restou? As mesmas peias, os mesmos entraves, as mesmas terríveis ideologias de “democracia sim, mas com músculo”, “a liberdade tem de ser decente”, a mesma alergia à crítica, a mesma demagogia de que o bom governo é aquele que se faz com mão pesada, com autoridade, para pôr o povo na ordem, num país onde a indisciplina, curiosamente, cresce como cogumelos, como fungos mal cheirosos por todo o lado, onde todos aqueles bafejados pelo chico-espertismo se conseguem escapulir com pouco mais do que um ralhete bem disposto. Ao pensar nisto tudo, até me surpreende que um programa tão visionário com o Tal Canal tenha sido feito. Pelos vistos, não fosse um soixante-huitard de visão, e nunca teria acontecido. Tal como não acontece hoje, no Portugal de hoje, ainda o mesmo que, infelizmente, proibiu o Herman de ir para o ar porque apresentar a Florbela Espanca como uma flausina com tendência para o deboche, de facto, não se faz. Liberdade sim, mas decente.
É ao ouvir coisas como estas, que o Herman vai dizendo, e ainda bem que o faz, que me apercebo que, de facto, a nossa democracia está ainda em botão. Ainda nos falta comer muita sopa, como se diz, e isso entristece-me, principalmente porque é a minha geração, aqueles que nasceram já depois do 25 de Abril, que mais é atingida por este desnorte do país. Alguma coisa falhou nisto tudo. Foram eles, os velhos, que deixaram que, afinal, ganhasse o reaccionarismo, que as muralhas das velhas instituições, nunca renovadas, ainda nos emparedassem, como dizia Cesário Verde no grande Sentimento de Um Ocidental? Ou fomos nós, a grande esperança portuguesa, a primeira geração nascida em plena democracia, que deixámos o país ficar mal?
Não sei responder, e, aliás, nem sei porque é que escrevi isto, quando a minha intenção era voltar a escrever sobre o Herman.
Não gosto de escrever sobre isto.
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