sexta-feira, 14 de junho de 2013

Domingos de sol

Detestei Domingos durante anos. Domingos de sol, esses, eram terríveis. Quando está de chuva tem-se a desculpa de poder ficar em casa porque não nos queremos molhar, mas o sol relembra-nos constantemente de que temos de sair, temos de aproveitar, é o último dia sem fazer nada, amanhã é segunda-feira, daqui a bocadinho são sete  da tarde e a angústia aperta ainda mais, e etc. e etc.
E depois a pessoa tenta sair mas está tudo cheio por todo o lado, toda a gente teve a mesma ideia de "aproveitar", os cafés cheios, a praia cheia, os restaurantes cheios, se tentarmos ir ao campo também não há forma de encontrar um recanto onde não haja alguém a tentar fazer um piqueniquezito, tudo com ar muito aborrecido, um cão por ali a correr, que é o único que se deve estar a divertir, e pronto, não há hipótese. O único refrigério (bonita palavra) que fui encontrando foi mesmo ir a um museu, quando dava. Nem sempre dava.
Eu queixava-me de não valer a pena tentar sair aos Domingos, porque o mundo lá fora estava cheio de pessoas, mas esquecia-me de que eu própria era uma pessoa, e que da mesma forma que elas me incomodavam, eu incomodava-as também. Nada a fazer, o homem é lobo do homem e tal, como disse o Hobbes. 
Ora acontece que hoje em dia finalmente percebi que não vale muito a pena a pessoa pensar tanto "no que concerne" aos Domingos. Quer dizer, não vale a pensa pensar tanto em  geral. A pessoa pensa, pensa e normalmente chega a conclusões parvas.
De modo que agora saio aos Domingos, sem pensar muito. E pronto. 

quinta-feira, 13 de junho de 2013

Poderzinho

A par da Clarice Lispector, de quem acabei de falar, estou também a reler a Rebecca, obra retumbante, super telenovelística, muitíssimo bem escrita, e adorável de ler. 
Eu gosto de reler livros. Muitas vezes desiludo-me na releitura, mas não faz mal. Também se aprende com a desilusão (relativamente a livros, quero eu dizer). Bom. Quando comecei a reler Rebecca, pensei, "bem, lá tenho eu que gramar com a parte inicial em que eles se conhecem em Monte Carlo, antes de irem viver para Manderley. E se eu saltasse logo para a parte de Manderley?". Mas não o fiz, por respeito ao livro (ou é para ler ou não é, e se é lê-se do princípio ao fim), e ainda bem, porque descubro agora, nessa parte inicial em que a "2nd Mrs de Winter" ainda não casou com o futuro marido, observações bem interessantes e acutilantes relativamente ao estatuto de uma certa classe de serviçal, que era o caso da personagem principal. Relata-se, de forma relativamente fria, como a dama de companhia da insuportável Mrs Van Hopper (a tal "2nd Mrs de Winter, a protagonista de quem nunca sabemos o nome próprio) era sujeita ao tratamento de indiferença, ou quase desprezo, por parte dos seus pares - o empregado de mesa que lhe servia o pior pedaço de carne, já rejeitado por alguém, a criada de quarto que nunca respondia às suas chamadas e recusava tratar-lhe da roupa ou dos sapatos, tarefas normalmente incluídas na sua rotina laboral, a modista que a quer gratificar com 100 francos porque a patroa lhe tinha encomendado vestidos. Quando a oferta é recusada, a modista encolhe os ombros e com maus modos diz que, se quiser, lhe paga em vestidos novos. E a pobre Mrs de Winter, sem perceber bem em que mundo está, é permanentemente vítima da fome de poder dos outros, principalmente daqueles que não têm poder nenhum.
É engraçado, ou por outra, tristemente engraçado, que isto aconteça. "Não sirvas a quem serviu", diz o ditado, porque normalmente quem serviu, em vez de sentir a solidariedade que seria normal para quem está em situação pior, regozija-se num exercício de poder um bocadinho insano. O poderzinho é o pior. Por acaso, a personagem que eu achei mais interessante no Django Libertado, que vi há muito pouco tempo, foi a de Stevens, o escravo negro que passou tantos anos em contacto com a tirania dos patrões brancos que se comporta de forma ainda mais cruel do que eles, contra os seus próprios pares, ainda por cima. 
O poderzinho. Aquele que toda a gente já teve de contornar, de uma forma ou de outra, nas Finanças, no trabalho e em sítios parecidos. É perigoso e, para uma coisa tão pequena, tão insignificante, estranhamente destrutivo. 

Não haver deuses

Estou a ler "Uma Aprendizagem ou O Livro dos Prazeres", de Clarice Lispector. Adoro o nome - Clarice Lispector. Acho que foi este nome enrolado e elegante que me fez ter vontade de a ler. Estou a gostar relativamente. É indubitavelmente um livro bem escrito, e elegante como o nome da autora. O estilo sentencioso não ofende, e de alguma forma faz lembrar a Agustina (a mim, faz, pelo menos), porque a meio do texto deparamo-nos com uma daquelas verdades bem urdidas, bem explanadas, bem escritas, para não conseguirmos duvidar delas. Boa técnica, sim senhora.
Mas não é exactamente sobre o estilo (que o tem) de Clarice Lispector que quero falar. Ontem à noite, foi esta frase que me deteve: 'De Ulisses ela aprendera a coragem de ter fé - muita coragem, fé em quê? Na própria fé, que a fé pode ser um grande susto, pode significar cair no abismo'.
Esta questão da "coragem de ter fé" deu-me (dá-me) muito em que pensar. De facto, parece-me que é preciso coragem para ter fé. Eu nunca tive grande fé em nada, continuo a não ter, e sempre atribuí isto a um certo temperamento (certas pessoas não são propensas à vontade de acreditar, não têm essa vontade) e, por outro lado, a uma certa cobardiazeca. Custa ter fé, porque é preciso dedicação, confiança ilimitada naquilo em que se tem fé, vontade de abandonar o racional e conseguir abraçar esse mundo de escuridão irracional de onde vem a fé. E lembro-me das eternas explicações que me davam em criança - ter fé é acreditar e pronto. É sentir que é assim.
Eu nunca fui capaz de sentir que nada é assim ou assado, e nunca fiz disto uma questão de dúvida metódica, um exercício intelectual, ou uma demanda de uma racionalidade na fé. Simplesmente sou incapaz de ter fé, porque essa vontade de acreditar é sempre combatida e deitada abaixo por um pessimismo crónico, que duvida de tudo, que evita a desilusão. Quem tem fé e depois descobre que está errado arrisca-se a desilusões fortíssimas, existenciais, cai no abismo, como diz a Clarice, e eu não quero, nem nunca quis, passar por isso, não tenho uma força espiritual deste tipo. De modo que rejeito instintivamente a fé de uma forma errada - não se deve rejeitar nada porque não queremos arriscar a perda e a desilusão. Daí eu perceber a Clarice quando fala na "coragem de ter fé". Eu não tenho essa coragem e, tristemente, penso que não a quero ter.
E porém. Há alturas em que não ter fé me consola, principalmente quando me confronto com aquilo em que os outros acreditam e em que eu não acredito, tipo Fátima ou isso. Não gostaria de acreditar no milagre de Fátima, da mesma forma que as pessoas que acreditam provavelmente gostam de o fazer. Neste caso, o não ter fé é para mim uma consolação, num mecanismo de facto muito semelhante ao das pessoas que têm efectivamente fé. Giro. O Fernando Pessoa não dizia que "não haver deuses é um deus também?". Pois é. Pois é, pois é.
Obrigada pela atençãozinha e boa continuação.

quarta-feira, 12 de junho de 2013

Estudos científicos mostram que

Eu gosto de "estudos", principalmente porque o argumento mais vazio, e curiosamente mais eficaz, que se pode brandir numa discussão é o famigerado "há  estudos que dizem que". E normalmente o oponente fica sempre um bocado vacilante, quase a derrocar, de boca aberta, "ai, há estudos? Quais estudos?", "estudos científicos", é a resposta pronta. E assim se ganha uma discussãozinha. 
Eu própria cedo a este argumento dos estudos - "mas tu não sabes que há imensos estudos que dizem que pôr isso no microondas provoca cancro?!". Não, não sei. "Está provado que sim". E sob este argumento da "prova" (provado por quem, e como?, poderia eu pensar para mim própria, mas nestas alturas nunca penso) cede toda a minha certeza. Ah, realmente é melhor não pôr no microondas e aquecer no fogão muito menos tecnológico (que, por acaso, até é a chamada "placa". Nunca ninguém se queixa desta placa, curiosamente, nem ninguém se preocupa em saber se emite ou não misteriosas ondas cancerígenas/alienígenas e quejandas ondas terminadas em "ígenas"). 
E vem isto a propósito de dois estudos engraçados sobre os quais li recentemente. Um giríssimo que diz que a reforma faz mal ao cérebro - a pessoa fica sem fazer nada e muito propensa a depressões. Super chato. O problema da reforma é de facto fazer muito mal ao cérebro, nem é o facto de os futuros reformados da Europa poderem contar com, provavelmente, um euro de reforma por mês ou coisa que o valha. Sob este prisma, até é bom não haver reforma para ninguém e toda a gente permanecer nos seus saudáveis postos de emprego, ou na sua salutar luta constante por um emprego, até à hora da morte. Sim, parece-me bem.
Outro estudo também giro é aquele que diz que as mães trabalhadoras podem trabalhar à vontade, pois não há qualquer prejuízo para os seus filhos, isto é, para crianças pequenas tanto faz as mães trabalharem como não trabalharem. Ainda bem que este estudo foi feito, porque até agora as mães que trabalham não sabiam disto. Agora, em vez de se sentirem culpadas por irem trabalhar (o artigo diz que as mães sentem muita culpa), podem sentir-se culpadas por ficarem em casa. A culpa é assim, quando a queremos encontrar com muita, muita vontade, ela emerge triunfalmente.
O que, porém, considero mesmo, mesmo giro nestes estudos é a forma como o "trabalho", e o valor que lhe damos, é tão facilmente manipulado para ilustrar o que quer que seja que nos dê jeito. A mim, por exemplo, dá-me jeito culpar o trabalho pelas minhas eternas insónias, má-disposições, enfim, pelo "spleen" em geral, para manter a minha (in)estabilidade mental com um certo nível. Um certo chique. Como exemplarmente cantam os GNR, faz-me impressão o trabalho. 
E, por mais que me esforce, não consigo encontrar conclusão de jeito. Há muito tempo que não escrevo. Para a única pessoa que vai ler isto: tire "você" a conclusão, e perdoe a deselegância.

terça-feira, 4 de junho de 2013

Melhor Blogger Hipotético: the 2nd Mrs De Winter (spoilers)

April 1938

Today Mrs Danvers looked at me and told me I was ugly and got a whip and proceeded to whip me with it and it was positively and truly ghastly. I cried and cried. I shan't get out of bed ever again, I am so devastated. Chuif, chuif.
To make things worse, Maxim does not love me. He does not. He thinks of his superb dead wife all the time. Oh, why can't I be more like Rebecca? Chuif, chuif.

May 1938

Maxim doesn't love me. Chuif, chuif. Ooooooh. Has every living soul quite such a ghastly existence like mine? I am so ugly. Nobody loves me. Maxim does not love me. I am so young, I know nothing of the world. That is why today Mrs Danvers pull my knickers down and spanked me like the bad, bad girl I am. Chuif, chuif. She is so mean to me. And I deserve it. Chuif, chuif.
Why can't I be more like Rebecca? Chuif, chuif.

June 1938

I wish I were older. Older and wiser. And beautiful. A woman of the world, like Rebecca, who knew how to dress and eat and charmed everyone around her. If only I were older and wiser, Maxim would love me and come to my bedroom every night. But no, not my handsome husband. He just sits there looking upset. I know I am the one who makes him upset, all clumsy and ugly. He should kill me and feed me to the dogs! Chuif, chuif. 
Nobody loves me. Why can't I be more like Rebecca? She was so beautiful and intelligent and gorgeous and beautiful. I am not and Mrs Danvers hates me and she should hate me. Everybody should hate me. I hate myself. Chuif, chuif.

July 1938

Oh! Maxim does love me! He loves me so! I am so happy! I am beautiful and interesting after all!
As it turns out, the reason why he always looked so gloomy and positively tired was not because he was married to me, it was merely because he killed Rebecca in a fit of rage because he couldn't stand the sight of her anymore and because he thought she was pregnant with another man's child! I am so happy right now, I am not married to someone who doesn't love me, I am merely married to a cold-hearted murderer who shot his pregnant wife! Oh, bliss!!!!

July 1938

Well, she wasn't pregnant in the end, so it's not that bad. In fact, it's not bad at all. I love him so!

August 1938

Today I told Mrs Danvers to get the F***** OUT OF MY SIGHT! TO P**** WELL OFF! And she did! Ah, ah, ah! She burnt the whole house down in the process, but who cares, right.
Aaaaaah, Maxim loves me. I feel pretty, oh so pretty. Rebecca can f'**** off. Need a bleedin' cigarrette now...