quarta-feira, 25 de maio de 2011

O tempo é uma bi-atch!

Só para dizer que houve um membro do júri do Man Booker que se despediu porque o prémio foi para o Philip Roth.
Este membro do júri era uma senhora e explica a decisão dela aqui. 
Resta saber se a tal senhora terá razão ou não, isto é, se Roth resistirá ao tempo, tornando-se imortal, como a maior parte dos homens que eu conheço acha, ou se é efémero, como a Carmen Callil pensa que ele é.
O Roth irrita um bocado as pessoas. Há escritores e artistas assim, que atraem atenções a torto e a direito, tem graça. Entre eles, há aqueles que são irritantes, exibicionistas, e mesmo assim imensamente talentosos, de modo que permanecem no tempo (ie Truman Capote - só um exemplozito, porque todos sabemos que o Truman gostava do espalhafato, e ainda bem); e há os irritantes, exibicionistas e absolutamente medíocres, que atraem as atenções dos media durante 15 minutos e depois desvanecem-se no esquecimento. É o caso de artistas como Damien Hirst, por exemplo (isto na minha opinião, claro) ou de escritores como Michael Cunningham (quem? Já nem me lembro quem é este). E talvez seja, até, o caso de Jonathan Franzen, de quem eu gosto muitíssimo e que tem, indubitavelmente, talento - mas, não sei porquê, não sei se Franzen é material para o cânone. Não sei, tenho uma incómoda sensação sobre ele, às vezes.
Bom. Era só isto. Uma boa noite e boa sorte.

terça-feira, 24 de maio de 2011

Combinação que não compreendo: chocolate com laranja

Devo começar por esclarecer imediatamente que, para mim, a vida sem chocolate não faz sentido nem nunca fez. Desde que me lembro de ser gente, como se costuma dizer, que a importância do chocolate na minha vida foi sempre fundamental - o leitinho com chocolate pela manhã alegrava-me o pequeno almoço; o caramelo do Mars dava todo um renovado entusiasmo aos fins-de-semana, em que ainda por cima o Duarte e Companhia passava na televisão. Mais tarde, fui crescendo e descobrindo as maravilhas sedosas de um Guylian ou Côte d'Or, embora não Godiva, não acho muita piada a este último; porém, considero que, por exemplo, a opção Milka é perfeitamente aceitável e sai muito em conta. E o que dizer de um quadrado negro 84% cacau a derreter na boca, a acompanhar o café ou o chá? Não é preciso mais nada na vida.
Bom. Como o chocolate é parte integrante do meu ser, é natural que eu seja uma pessoa aberta às várias combinações que o chocolate permite, mormente chocolate com chantilly, chocolate com frutos secos, chocolate com fruta. Com fruta? Com certa  fruta. Sim, porque estou em crer que quem aprecia verdadeiramente chocolate sabe que esta ambrósia quase divina não se presta a qualquer tipo de fruta, aliás, não se presta a quase nenhuma fruta. O chocolate, como muitas pessoas que por aí andam, é esquisito e comichoso (belo vocábulo). Sendo comichoso, gosta de uma fambroesa ou de uma bananinha, por exemplo, e até admito que goste de um morango, agora - de laranja? Duvido muito. 
Não sei quem é que se lembrou desta combinação, mas, para minha grande surpresa, o que não falta por aí é chocolate com laranja. Até as marcas "gourmet" fazem alarde do excelente chocolate com a excelente laranja, e eu fico pasma, perplexa, sem compreender. Quando eu era pequena, não me deixavam comer laranja com chocolate em cima porque fazia mal, e eu desde cedo comecei a desconfiar dos perigos do chocolate com fruta, suspeita que se agravou depois de, à sucapa, ter comido uma tablete de chocolate branco depois do kiwi à sobremesa. Escusado será dizer, para não entrar em pormenores desagradáveis, que graças a esta fatal combinação descobri todas as potencialidades do sistema digestivo do corpo humano. 
De modo que chocolate e laranja, quanto a mim, não combinam. À partida, até pode ser uma boa ideia, mas à chegada não é, de todo. O chocolate pede amêndoa, caramelo, avelã (hmmmm, maravilha...), baunilha, ou coisas mais exóticas como especiarias, chás orientais. Agora fruta, é ter muito cuidado. Laranja, não me convence. É uma manobra só para vender e que não respeita a essência do chocolate.
Há combinações que são assim, em teoria parecem bem, mas na realidade são um desastre. E, se a pessoa não é esperta e não as topa à distância (às combinações, quero eu dizer), fica com a vida e com o intestino estragado, e depois as coisas muito dificilmente voltam ao que eram antes. Ah, pois. 

Quem anda à chuva molha-se, mesmo se usar chapéu

Em Inglaterra, o equivalente ao Ministro da Justiça disse, de forma eminente e sábia, que o crime de violação pode variar em grau, sendo que há violações "menos sérias" do que outras e que, como tal, podem beneficiar de um descontozito se, por exemplo, o criminoso se der como culpado desde início. Sábio, de facto. Para esclarecer ainda mais, caso tal fosse necessário, este adorável raciocínio, especialmente provindo do Ministério de Justiça do UK, um deputado do Partido Conservador veio dizer que sim senhora, há diferença pois claro, já que se uma mulher for para a cama com o namorado e, depois do fogo atiçado, quiser deitar água na fogueira, a culpa não é bem, bem do namorado em pólvora se o tal fogo não se apagar assim sem mais nem menos. Tudo dito aqui. 
Eu concordo com esta posição. É evidente que há diferença, é evidente que sim, como qualquer vítima de violação poderá facilmente atestar. Aliás, de certeza que, se perguntarmos a estas vítimas, que contam com conhecimento por experiência própria, o que será preferível - ser violada no meio de um parque a meio da noite ou na cama com o namorado? - de certeza que elas nos dirão que, sem sombra de dúvida, a última opção é sempre a melhor, aliás, nem se tratará exactamente de um crime. É um azar, pronto, daquelas coisas que acontecem. Quem anda à chuva molha-se, não é o que se costuma dizer?
É terrível e triste e ofensivo constatar que este tipo de afirmações é ainda proferido de forma descarada, sem vergonha na cara - são afirmações terríveis, tristes e ofensivas porque claramente lhes subjaz aquele pensamento insidioso a que poucos de nós escapamos e que, no fundo, no fundo, considera que, em "certas" violações, a vítima estava a pedi-las. Que este pensamento esteja ainda tão entranhado na sociedade ocidental ao ponto de transparecer naqueles que foram eleitos para se encarregarem da justiça de um país é verdadeiramente assustador.
E não acredito que a mentalidade seja muito diferente em Portugal. Cada dia que passa em que uma mulher ouve um piropo nojento de um homem e sente que tem de se calar, porque não vale a pena dizer nada, confirma-o. Infelizmente. 
Ainda há muito caminho a percorrer para as mulheres e para os homens. Mas, pelo menos, que este triste caso em Inglaterra sirva para nos indignarmos.

terça-feira, 17 de maio de 2011

Começos, parte II

Ainda a propósito de começos de livros, e concordando com todos os começos bonitos deixados na caixa de comentários (especialmente o começo dos Lusíadas, claro!), falhou-me, porém, dois começos fundamentais:
o imprescindível Ano da Morte de Ricardo Reis, também ele extraído dos Lusíadas -  Aqui o mar acaba e a terra principia.
Aqui o mar acaba e a terra principia.
E o outro começo, lindo, cantado - "Menina e moça me levaram da casa de meus pais. Que causa foi essa da minha levada, era ainda muito nova, não o soube". Só o Bernardim aos molhos para escrever isto, com esta música toda.

"Não vi o livro mas li o filme"`*

Há coisas que só funcionam de determinada maneira e ninguém sabe bem porquê. Hoje, por exemplo, estava a lavar a louça e a pensar, "este detergente é bom, não seca a pele e não descasca o verniz", e deste pensamento espúrio passei, também muito espuriamente, para livros e filmes e bons livros que dão bons filmes e vice-versa (isto é, livros maus que dão bons filmes. Era o que eu queria dizer).
Há livros magníficos que só funcionam mesmo como prosa e que, por qualquer razão que eu não consigo inteiramente compreender, falham redondamente quando transformados em filme. Lembrei-me disto ao pensar no Freedom, do Jonathan Franzen, que me agradou muitíssimo e que, quando saiu, foi bombardeado por uma onda imensa do chamado "hype", Obama et.al. embrenhados na leitura do livrinho. Eu estava precisamente a pensar que um best-seller que agradou a tanta gente tem tudo para dar um bom filme. Mas, curiosamente, acho que Freedom resultaria num péssimo filme, independentemente dos actores, do realizador e do argumentista. Acho que não seria melhor do que um dramalhão pretensioso, falsamente inteligente e com aspirações a profundidade intelectual e psicológica à semelhança do Closer, aquele filme com a Julia Roberts e o Jude Law, que é dos piores filmes que já vi. Não sei porque é que tenho esta ideia do Freedom como um completo fiasco no cinema, mas tenho.
Costuma dizer-se que raramente há filmes tão bons como os livros que lhes dão origem. Eu tendo a concordar. Lembro-me apenas de um único exemplo em que, para mim, o filme é tão bom como o livro, e mesmo assim tenho a certeza de que muitas vozes discordarão - Lolita versão Kubrick. Mas é um caso único.
Também há casos em que um mau livro dá origem a um filme bom ou, pelo menos, um filme razoavelzito - não sou grande fã das Horas, por exemplo, mas acho convictamente de que o filmito é superior à bodega do livro. 
É interessante pensar em como certos "media" não se transferem facilmente para outros "suportes" (brrr, esta converseta com estes termos modernos não é agradável) - um bom livro não dá necessariamente um bom filme, uma peça de teatro não dá necessariamente um bom filme (raramente dá, a julgar pelos exemplos de que me consigo lembrar), e os livros cinematográficos que normalmente vendem às catadupas, já formatados para resultar em filme (ie Código Da Vinci) são normalmente perdas de tempo, paupérrimos, paupérrimos. 
De modo que, em geral, acho que se deve tomar cada coisa como cada qual - o livro é o livro e o filme é o filme, um absolutamente independente do outro. 
E isto para dizer o quê? Não sei bem, a minha ideia inicial, quando estava a lavar a loiça, era um bocadinho mais interessante. 

* não fui eu que inventei esta frase, li não sei onde. Acho que é o título de um livro que vi não sei onde, não sei quando.

sábado, 7 de maio de 2011

Começos

A casa que os Maias vieram habitar em Lisboa, no Outono de 1875, era conhecida na vizinhança da Rua de S. Francisco de Paula, e em todo o bairro das Janelas Verdes, pela casa do Ramalhete, ou simplesmente, o Ramalhete. 

Ouvi tantas vezes que "o começo dos Maias é uma seca, e por isso é que eu nunca consegui ler o livro. Não passo das primeiras páginas". Isto é a maior treta que eu alguma vez ouvi. O começo dos Maias é o mais elegante que conheço, e o que se segue é mestria absoluta - Apesar deste fresco nome de vivenda campestre, o Ramalhete, sombrio casarão de paredes severas, com um renque de estreitas varandas de ferro no primeiro andar, e por cima uma tímida fila de janelinhas abrigadas à beira do telhado, tinha o aspecto tristonho de residência eclesiástica que competia a uma edificação do reinado da senhora D. Maria I: com uma sineta e com uma cruz no topo, assemelhar-se-ia a um colégio de Jesuítas.

E pronto. Esta longa e irrepreensível sintaxe é uma pincelada autêntica. Um quadro. Este Eça era o maior. 
Mas eu sou parcial. Os Maias é o meu livro de sempre, o meu livro absolutamente essencial e preferido. Talvez alguém conheça começos de romance melhor do que este dos Maias - excepto o começo do Pride and Prejudice, que toda a gente gosta de citar e que é uma grande seca, uma coisa do estilo "it is a truth universally acknowledged that a single man is in need of a wife", uma coisa assim. Não vou ver ao google, não quero saber. Não acho o Pride and Prejudice assim tão bom, apenas bonzinho.
Um outro grande, imbatível começo é o do The Go-Between, de tal modo que se tornou já um lugar-comum: The past is a foreign country. They do things differently there. Tem de se fazer uma pausa para absorver a verdade destas frases. Pensar bem nelas.
Também gosto muito do começo calmo, pausado, de Heart of Darkness, que prepara para a tensão contida do enredo que se seguirá. É uma prosa bonita, as palavras soam bem, mais do que o seu significado - The Nellie, a cruising yawl, swung to her anchor without a flutter of the sails, and was at rest. Acho isto bonito, não sei. Flutter of the sails.Faz-me lembrar aquela letra do Chico Buarque - "a saudade é como um barco que aos poucos descreve um arco e evitar atracar no cais". As palavras do Chico são ainda mais bonitas.
O começo de In Cold Blood é outro dos meus preferidos, perfeito como quase tudo o que li de Capote - the village of Holcomb stands on the high wheat plains of Western Kansas, a lonesome area that other Kansans call 'out there'. Assustador, este "out there".
Começos melhores do que estes? Como todos os começos, serão difíceis de encontrar. Mas força.