quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Ataque fácil

Não diferindo grandemente das pessoas que gostam de criticar livros que já se sabe que são maus, vou aproveitar e lançar a minha facadinha inconsequente não ao livro 50 Shades of Grey, que não li nem vou ler, mas antes à sua autora, EL James. O Guardian compilou uma lista de vários escritores que apresentam os seus livros preferidos de 2012 e, sem qualquer supresa, é evidente que a mesma EL James começa logo por se desculpar - It's been a whirlwind year for me so finding time to read has been difficult
 Muito mau. Muito mau, mesmo. Um "escritor" que diz que não teve tempo para ler, que começa a justificação das suas leituras com esta desculpa desleixadíssima? Mesmo que eu fosse uma pessoa melhor, que não sou, isto presta-se tanto ao enxovalho que não sou capaz de resistir ao dito enxovalho, e daí passar imediatamente para a afirmação seguinte, que é a que duvido muito que a EL James seja verdadeiramente uma escritora. Ora compare-se a sua horrível desculpa com o que diz a grande Sue Townsend: Have you ever seen Mr Magoo standing on the end of a girder, arms outstretched over the void? Well, I'm Mrs Magoo. I've not been able to read a book without a magnifier since I turned into her 10 years ago. But I didn't stop buying books...
A Sue Townsend tem tido problemas de saúde graves, e comoveu-me o amor que revela por livros e pela leitura, tão diferente da leviandade da outra James. 
Livros escritos por quem não gosta verdadeiramente de ler, por quem consegue viver sem ler, não podem ser bons, e este é um excelente argumento, se outros não existissem, para não perder tempo com o tal 50 Shades. E porém, tenho de ser absolutamente honesta e dizer que eu bem posso estar para aqui a criticar a EL James, que se presta a ataques fáceis, mas a verdade é que ela conseguiu publicar um livro que muita gente tem interesse em ler, e eu não; que ela pode confortavelmente viver da sua escrita, e eu não. De modo que ela ganhou, e eu não. Não muda em nada a crítica que lhe dirijo, mas enfim, certas coisas têm de se admitir.

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

A minha Joan, sempre "aquela" diva

O cinema não teme, o cinema não deve

Este artigo do Público, ao qual cheguei via facebook, é interessante porque fala daquilo "que o cinema deve à literatura". Não sei se concordo inteiramente com esta ideia de que o cinema deve algo ao que quer que seja, porque me parece minimizar o cinema como arte, mas a verdade é que se ouve sempre falar de grandes filmes baseados em grandes livros, sendo que o inverso raramente acontece; também é frequente o filme ser francamente pior do que o livro, o que nos pode fazer chegar à conclusão de que a literatura é a arte maior e o cinema uma arte irredutivelmente, inevitavelmente menor.
E porém, todos sabemos que não é assim, de modo que o que eu gostava de descobrir são os casos em que o filme é francamente melhor do que o livro, ou tão bom quanto o livro. Penso que já escrevi que, na minha opinião, Lolita  do Kubrick é tão bom como o original de Nabokov; apesar de nunca ter lido a Última Hora (25th Hour no original), de David Benioff, aposto, e aposto mesmo, que este livro será claramente inferior ao filme maravilhoso de Spike Lee com o mesmo nome. O conto que deu origem a Brokeback Mountain, apesar de ser muitíssimo diferente do filme,  é tão bom como o filme, mas não o ultrapassa (mais uma vez, apenas na minha opinião); nunca li o Padrinho, de Mario Puzo, mas estou igualmente disposta a apostar que ou é pior do que o filme ou tão bom como, mas não melhor; E Tudo o Vento Levou, que me dei ao trabalho de ler por gostar muito do filme, é bastante inferior ao magnificente e arrebatador pastelão melodramático e lindo que é o próprio filme. E o que dizer da dupla 120 Dias de Sodoma, Marquês de Sade/República de Saló, Pasolini? O que dizer? Alguém que responda a isto, por favor, já que eu não li o livro nem vi o filme, por falta de engenho, arte e estômago; no entanto, gostaria de poder opiniar sobre os mesmos (idem aspas para a saga Twilight; por acaso, tenho uma amiga que disseca os livros e os filmes e farta-se de protestar contra aquilo e acha que é tudo uma manobra nojenta e manipuladora dos Republicanos mais extremos lá dos States e etc. e tal, e ou ela tem razão ou leu a converseta toda nalgum lado, mas de qualquer forma, o que ela diz parece fazer sentido; eu vi o filme em que a Bella tem o bebé e meu Deus, se há visão mais castigadora da sexualidade adolescente e da emancipação feminina, não estou a ver, nem quero ver).
Continuando. Só me consigo lembrar destes exemplos. No fundo, apenas queria dizer que a arte, quando nasce, é para todos, e que o cinema é arte a par da literatura, sendo ambos, até, relativamente semelhantes. Assim, o que há a fazer é complementá-los, isto é, há que ler bons livros e ver bons filmes e exigir sempre bons filmes e bons livros para nos salvar a vida. Sem isso, a gente não vive. 

terça-feira, 27 de novembro de 2012

The Plot Against America, Philip Roth (SPOILERS!)

Breve nota (adoro esta expressão: "breve nota") para comentar o livro que recentemente acabei de ler, The Plot Against America, de Philip Roth. 
Foi o primeiro livro a sério de Roth que li. Há anos li "The Dying Animal" e não gostei muito. É daqueles livros que nos deixa um bocadinho indiferentes, nem bom nem mau, nem carne nem peixe, acho eu. No entanto, este Plot.. é bem giro, bem construído, e em geral bastante catita. Tem, contudo, uma falha grande que não consigo ultrapassar, que é aquele fim absolutamente desajeitado. Ora pensem comigo (outra expressão parva que adoro): Lindbergh é presidente, a América é varrida por uma grave onda anti-semita, a sombra ameaçadora da Alemanha nazi paira sobre a soberania dos Estados Unidos; de repente, Lindbergh tem um acidente de avião, desaparece, especulação para aqui e para ali para saber o que lhe aconteceu, a Primeira-Dama é raptada da Casa Branca e a presidência é ocupada por um facínora ainda pior que o Lindbergh, que permite que violentíssimos motins e rixas produzam uma noite em tudo semelhante à Noite de Cristal e que morram centenas de judeus, isto na terra da liberdade que deveriam ser os Estados Unidos; de repente, a Primeira-Dama, viúva de Lindbergh, escapa do colete de forças em que a haviam aprisionado, regressa à Casa Branca, diz que isto assim não pode ser, que se Lindbergh desapareceu tem de haver eleições outra vez, vai-se a eleições, felizmente ganha o Roosevelt e não o outro tal facínora, e depois de sofrimento e muita angústia e de anos a viver em efectiva ditadura, a vida volta mais ou menos ao normal, sendo que a lição a retirar é que a democracia facilmente se desmorona e se transforma em totalitarismo quando as pessoas não têm os olhos bem abertos e não defendem acerrimamente os seus direitos, liberdades e garantias. 
Esta é, sem dúvida, uma boa lição, mas o livrinho deixou-me assim um tanto ou quanto insatisfeita. Não sei, acho que falta ali uma personagem maior, mais desenvolta; por exemplo, a figura do pai Roth, que é uma figura tão interessante, fica sempre dependurada sem nunca obter o justo papel no romance que deveria ter, e o fim pareceu-me muito à pressa. As pessoas babam-se pelo Roth mas se calhar ele não é assim tão bom (digo eu, do alto da minha imensa e conhecida autoridade que qualquer dia me vai valer um Nobel ou coisa que o valha).
Mas atenção, o livro está muito giro e vale a pena ler.
Se alguém tiver lido o Plot... e tiver uma visão diferente da minha, ou igual, porreiríssimo, é usar caixa de comentários e assim "encertar" uma piquena discussão. 
Até breve.

Deve haver certamente outras maneiras de uma pessoa se salvar, senão estou perdida...

Andava aqui a ler o blog da Luna e deparei-me com o post em que ela se queixa dos reviewers que lhe fazem comentários estúpidos aos artigos que escreve; pensei que ela tinha toda a razão, porque esta coisa do "peer-review" é um processo absolutamente espúrio, em que normalmente a pessoa tem de se sujeitar a tudo os que designados "reviewers" se lembrem de dizer, mesmo que estes não percebam exactamente aquilo que estão a comentar. A minha área é bastante diferente da Luna, e consequentemente a minha experiência também, mas aconteceu-me os tais "reviewers", que não sabiam ponta de português mas sim de espanhol, darem sugestões desajustadas relativamente à tradução para inglês de certos termos em português, desvirtuando assim a relevância dos exemplos que eu queria dar. Aquilo irritou-me tanto, mas tanto, que decidi que seria preferível não ver a porcaria do artigo publicado do que andar a alterar informação só para que esta se tornasse compatível com os caprichos autoritários impostos pelo "peer-review". É um joguinho de autoridade que me agrada pouco, sendo que quem ficou a perder fui eu, o "underdog" que não publicou o tal texto, e isto porque hoje em dia o que conta são os artiguinhos publicados em toda e qualquer espécie de periódicos, mesmo que não prestem, que sejam variações ad aeternum do mesmo artigo, mesmo que as fontes bibliográficas não passem do chamado "name dropping" para impressionar o indígena e etc. e etc. (atenção: muitos parabéns e justiça seja feita aos investigadores que de facto escrevem coisas que interessam e que as publicam. Precisamos deles, eu é que não faço parte desse grupo). Mas enfim, e sumariando, falta-me fortemente a pachorra. Digamos que não quero saber.
E por não querer saber, vejo-me na iminência de ter de dar uma volta à vida de 180 graus (de 360 já dei muitas vezes e nunca saí do mesmo sítio - ah, ah, ah! Piadola, queiram desculpar, bem haja).  Tem de haver forma de a pessoa viver a vida e poder dizer "eu, de facto, quero saber. Importo-me.". É disto que estou à procura; e porém, tenho sentido grande falta de orientação. Preciso de um pouquinho de orientação, como diz a Kika no final do filme do Almodovar. 
De modo que assim sendo, boa sorte para mim e para todos nós, porque no fundo, como canta o Sérgio, cá vamos andando com a cabeça entre as orelhas e se calhar mais não podemos pedir.

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

A bola de cotão

Há muitos anos, passei um Verão a viajar por todo o lado, tendo o périplo começado num comboio que ia de Santa Apolónia a Hendaia, sendo que aqui, no meio dos Pirinéus, a gente saía (era o "transbordo") e apanhava outro comboio que atravessava a França inteira e desembocava em Paris. Espectacular.
Bom, eu tinha decidido que o melhor era poupar todos os trocos que conseguisse e reservar um lugar normal no comboio, passando a noite a dormir no banco e não naqueles vagões-cama com beliches. Assim como assim, as minhas insónias não se iam deixar abater por beliche alheio, de modo que o banquinho normal estava perfeito, ao pé da janela e tudo, a ver as vistas. Tive sorte com os companheiros de viagem, porque ao pé de mim sentaram-se uns rapazes giros que iam não sei para onde (tenho a vaga ideia de que iam de comboio até à Grécia, mas não me lembro) e um senhor muito querido e simpático, este sim, também com destino a Paris. E o senhor, como é normal, começou a conversar e a contar coisas da vida dele - que toda a vida tinha trabalhado em França mas que agora, já mais velhote, vivia em Portugal para estar perto da filha e dos netos. No entanto, de vez em quando, dava-lhe jeito trabalhar em França, e apanhava o comboio para Paris, suportando assim, ciclicamente, aqueles dois dias de viagem. 
Lembro-me de termos chegado a Paris e de nos termos despedido calorosamente e de ele me ter tratado por "Ritinha", dizendo qualquer coisa como "adeus, Ritinha, corra tudo bem, tenha uma boa viagem a partir daqui". E lembro-me de o ver a afastar-se, de boné na cabeça, e a carregar uma mala pesada, daquelas antigas sem rodinhas, daquelas que a Linda de Souza designaria por "mala de cartão".
E lembro-me de ter pensado que, se fosse escritora, pegava naquele senhor e escrevia um livro inteiro a partir do episódio em que o conheci. Nunca consegui. 
E hoje em dia penso que, se calhar, nunca consegui porque não há mais nada para dizer. A vida, se calhar, é mesmo só isto, estes pequenos episódios em que conhecemos pessoas e elas, por alguma razão, deixam uma memória. Mas não dá para fazer mais nada com essa memória. Começou e acabou, pronto.
Os Saramagos, os Hemingways deste mundo estão, no fundo, a escrever sobre eles, sobre a tralha que eles carregam e que de alguma forma tem de sair cá para fora. Não escrevem verdadeiramente sobre os outros. 
Eu não tenho tralha suficiente para escrever, e isso entristece-me. Ou por outra, tenho, toda a gente tem, mas a minha está lá para o fundo, recusa-se a sair e é como ver uma bola de cotão debaixo da cama, a gente querer lá ir com o aspirador, e o tubo ser curto de mais e ficar a bola de cotão debaixo da cama para sempre, a crescer, cada vez com mais cotão, sem nada nem ninguém que a consiga limpar. Os Saramagos e os Hemingways deste mundo são pessoas higiénicas, ao passo que eu não sou. E isso custa um bocadinho. 
O senhor era mesmo querido. Espero que tudo lhe tenha corrido bem. Sinceramente.