Esta é a história (verdadeira) de uma Condessa que se banhava no sangue de jovens raparigas. (...) Nos tempos actuais não é possível ver o retrato, escurecido pela passagem dos séculos, que eternizou o olhar severo da muito bela Erzsébet Báthory. O castelo de Csejthe está em ruínas desde há duzentos anos, lá no alto dos esporões espetados dos Pequenos Cárpatos, perto da Eslováquia. Quanto a vampiros e fantasmas, esses, nunca deixaram de habitá-lo, bem como certo pote de barro, a um canto numa das caves, usado para verter o sangue sobre os ombros da Condessa.O fantasma do Monstro de Csejthe, a Condessa Sanguinária, uiva ainda lancinantemente durante a noite nessas salas cujas janelas e portas foram muradas e assim ficaram para todo o sempre.Que ela terá sido um Gilles de Rais no feminino, tudo o indica; até o próprio processo, do qual, por respeito ao seu nome, ilustre desde os primórdios da Hungria, e aos serviços prestados pela sua família aos Habsburgos, muita coisa foi suprimida. De resto, nem sequer se julgou conveniente interrogar a própria acusada(...)
Esta é a edição portuguesa, que recordo como fabulosa, publicada pela Afrodite, editora que publicava livros giríssimos - a par de La Sorcière, tinham também o Livro de S. Cipriano, por exemplo, mas com um prefácio à maneira, tudo bem contextualizado, além de, graficamente, terem o cuidado de produzir edições muito interessantes - encontrei, aliás, um blog, aqui, sobre as mesmas edições, de onde retirei a fotografia acima. Continuando, "A Condessa Sanguinária" fez-me lembrar La Sorcière porque, nesta última obra, Michelet explica como aquelas mulheres que iam parar à fogueira por bruxaria eram, na sua maioria, camponesas desprotegidas (sobre as quais recaía, por vezes, a inveja da mulher do senhor das terras) e, em segundo lugar, eram mulheres pobres a quem o estudo e o conhecimento académico era vedado, mas que não deixavam de ser profundamente inteligentes, o que as tornava atentas à natureza; sabiam fazer mezinhas, utilizar plantas medicinais, curar algumas maleitas, enfim, conseguiam conhecer o mundo autonomamente, passando a ocupar o papel de médico da aldeia e a ocupar também uma posição perigosamente poderosa e proeminente nas suas comunidades, rivalizando com a nobreza. É claro que Erzsebet não estaria nesta posição, uma vez que era uma aristocrata rica e latifundiária, mas há aqui um certo paralelismo - a bruxaria, o desvio dos costumes e da convenção (no caso de Erzsebet, este desvio é levado ao extremo e resulta na perversão e no crime), a marginalidade acabam por conferir uma certa liberdade a uma classe que, quer na sua variante depauperada, quer na sua versão opulenta, era, efectivamente, oprimida e/ou minimizada - as mulheres.
Gostei muito de ler "A Condessa Sanguinária", adorei o facto de me ter lembrado Michelet (nota para dizer que, na mesma esplanada onde me deram "Head and Shoulders", deram-me igualmente a Literatura e o Mal, de Bataille, que, para grande júbilo meu, tem um capítulo dedicado a Michelet, que ainda não li por não ter chegado lá, mas que hei-de ler); contudo, convém relevar, ressalvar e sublinhar que nunca por nunca poderei alguma vez admirar esta Bathory maluca que matava gente, nem o meu propósito neste post foi, de algum modo, apresentá-la como mulher emancipada avant la lettre. Convém que isto fique claro, porque para mim o terror só funciona nos filmes, mesmo. Mas reiterar que vale muito a pena ler este "Condessa Sanguinária" de Valentine Penrose, escritora que ainda por cima vem da escola do Surrealismo, acho eu, de modo que a sua escrita é estranha, quase poética e bizarra, predicados que funcionam bem, quanto a mim.
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