terça-feira, 27 de janeiro de 2009

Magníficas bizarrias da língua portuguesa, e: Uma Defesa do Uso de "Pá"

Há palavras na língua portuguesa que são um espanto (sinto-me na obrigação de avisar: este post é capaz de estar um tanto ou quanto chato...).

Estive hoje a ler sobre o século XVIII inglês, o chamado "Augustan period", e como se desenvolveu um enorme esforço de codificação do inglês e respectiva "elevação", isto é, dotar a língua de superioridade vocabular e gramática, o que normalmente correspondia, segundo uns, à maior clareza possível, e, segundo outros, à maior pompa e circunstância possível, produzindo-se, assim, textos bastante engraçados pois, nos dias de hoje, são de um inglês tão cerimonioso e floreado que se torna bizarro.

O que me fez lembrar que há palavras da língua portuguesa que também são assim, arrevesadas. Gosto tanto delas, por as considerar tão cómicas, que tento sempre utilizá-las na tese, para ver se consigo dar um toque, um apontamento, vá, de humor (subtil, espera-se) à coisa.

Assim, em vez de "sociedade contemporânea", escrevo "sociedade hodierna" (sem dúvida, uma das minhas preferidas).

Em vez de "o conceito de Humboldt é", recorro a "Humboldt hipostasia que" (!).

Em vez de "Jonathan Swift propõe", prefiro "Jonathan Swift preconiza/postula".

Em vez de "Lord Shaftesbury desejava", opto pelo infinitamente mais requintado "o desiderato de Lord Shaftesbury era" (este "desiderato", devo dizer, arrebata-me profundamente, com a sua imensa classe e "politesse" intrínsecas).

Digamos que, se tivéssemos de dividir o léxico da língua portuguesa em classes sociais, estes vocábulos que aqui referi seriam uma espécie de aristocracia. E por isso é que se tornam tão engraçados, são aves raras.

A par destas magníficas bizarrias lexicais da língua portuguesa, outra expressão que me agrada imensamente, mas que infelizmente não posso utilizar na tese para aguçar o humor, é o "pá" (também já escrevi sobre isto antes no Nascer do Sol). Devo dizer que me sinto na obrigação de escrever em defesa do "pá", que ouço algumas pessoas vilipendiar por ser informal, "popular", feio, "rufia", ou seja, relegam o "pá" para a ralé, para o esgoto. Eu, pessoalmente e em total oposição a estas opiniõezinhas, considero "pá" um grande exemplo de como dar comicidade, humor, versatilidade e expressividade às frases. Acho que "pá" pertence àquela classe média que tanto pode ter azar e tornar-se pobre como pode ter muita sorte e tornar-se rico, isto é, "pá" é aquele vocábulo que, estando em todo o lado e sendo pau para toda a obra, dá muito jeito e é muito expressivo, tanto para o rico, como para o pobre. É uma beleza linguística do nosso país muito menosprezada, o "pá".

Vejamos:

Sintacticamente, "pá" é muito versátil. Pode desempenhar funções de vocativo ("ó pá, tu põe-te a andar daqui para fora"); pode desempenhar funções de spot-filling, ocupando uma posição sintáctica que se destina apenas a encher frase, quando não sabemos o que havemos de dizer ("eh pá, tá bem, leva lá a bicicleta, pronto").

Pragmaticamente, isto é, ao nível do uso da língua propriamente dito, "pá" serve para tudo e mais alguma coisa. Serve para reforçar um pedido ("deixa lá, pá, deixa lá, ó pá, deixa lá"), serve como forma de tratamento (vide exemplo do vocativo acima), serve como interjeição, normalmente reforçada pelo igualmente muitíssimo português "ai" ("ai pá, o que tu foste fazer, ai, ai..."), serve para relevar laços de intimidade e carinho ("eh pá, dá cá um abraço, pá, tive tantas saudades tuas!").

Dependendo da nossa imaginação, podemos usar a partícula "pá" para dizer tudo quanto queremos. Só quem não tem imaginação é que acha que "pá" é feio. Eu acho que é bonito. É a minha opinião.

2 comentários:

Daniel disse...

Talvez, talvez. Mas eu, como já defendi antes, na frase «porreiro, pá», sou pela preservação do «porreiro» que me parece uma palavra excelente e um pouco abandonada («fixe», por exemplo, não lhe chega aos calcanhares).

Rita F. disse...

Concordo, concordo, concordo. "Fixe" nem se compara, de facto, é uma pálida sombra de "porreiro".