Estou a esforçar-me como nunca antes me esforcei para gostar mesmo a sério de Portugal. Que me lembre, nunca na vida tive saudades de Portugal, por mais longe que estivesse. E estive muito longe, muitas vezes. Agora, tenho tantas saudades destes sítios longínquos, saudades como nunca tive de Portugal, que me sinto uma má cidadã.
Mas este sentimento está errado e eu quero modificá-lo. Quero gostar muito de Portugal. Quero sentir muitas saudades de Portugal. Releio as poesias do Trovador e do Novo Trovador do século XIX, escritas, muitas delas, por miguelistas exilados depois do advento do Liberalismo, e aqueles poemas, alguns tão pirosos, estão cheios de imagens douradas da pátria, de recordações mimosas e perfeitas, de saudades a rebentar a escala. Aquela gente, exilada, a viver no estrangeiro, só queria poder voltar para aqui, para este país, e eu, apesar de saber que é estúpido, tenho tanta inveja deles, tanta inveja desse amor que eles revelam por Portugal, porque eu também queria esse carinho lamechas pela terra, eu também queria ter a capacidade de sentir as saudades que eles sentiam - "E quero descantar na lira d'oiro/O meu berço natal; quero imprimir-lhe/Num ósculo d'amor minha saudade", de J. Freire de Serpa, um dos poetas da revista Trovador, que não deixou grande memória, mas que eu invejo, porque queria que o meu coração sentisse o mesmo entusiasmo amoroso e nostálgico para escrever uma coisa assim.
A verdade é que há algo encantador quando sabemos que somos os "estrangeiros" num país estranho. Contamos apenas connosco, vivemos apenas connosco, confrontamo-nos verdadeiramente com quem somos. Em Portugal, não dá para se ser estrangeira. Quer queiramos quer não, a nacionalidade impõe-nos uma vida em comunidade, um acervo inescapável de memórias e valores que não são apenas nossos, são comuns. E, se por um lado estas memórias e valores são enternecedores e nos ajudam a construir uma certa identidade e vivência social, por outro lado são também amarras, coisas exteriores ao Eu que acabam por o sufocar. Ou talvez isto se passe apenas comigo, que não tenho grande apetência para a "comunidade", para os direitos e deveres a que temos de aderir em conjunto, para as afinidades culturais que nos foram impostas quando nascemos. Gosto mais da individualidade irredutível, que é o que nos resta quando saímos daqui, quando ninguém fala a nossa língua, quando não há família para nos ajudar, e quando os amigos, se existem, nem sempre estão disponíveis. É um grande desafio, um desafio impossível de vencer quando vivemos no nosso pequeno país, em que, com mais ou menos percalços, conhecemos os cantos à casa, sabemos aquilo com que podemos contar.
Quanto a mim, o meu desafio para 2009 será, de facto, fortalecer os laços com este país. Sou como uma pessoa à beira do divórcio, mas que quer fazer um último esforço para ver se as coisas resultam, e todos os dias diz de si para si, "vai resultar, vai resultar, vou voltar a gostar dele, vou voltar a gostar dele, vai ser tudo como dantes". Não me quero divorciar do meu país. Quero apaixonar-me por ele (pelos camões, pelos aviões e pelos gago coutinhos, coitadinhos), com muita convicção.
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