sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

F. Scott, já te tenho dito que não é bonito andar a invejar

Numa bonita esplanada parisiense, há 50 anos atrás, deram-me a ler "Head and Shoulders", um grande conto de F. Scott Fitzgerald que vale muito a pena ler e que se pode encontrar aqui.

Há muito mais a discutir no conto do que aquilo que vou aqui, apenas brevemente, mencionar, mas não deixa de ser interessante que "Head and Shoulders" verse sobre um pequeno génio, uma criança sobredotada, que cresce e acaba por casar com uma corista - ele, o génio, seria a cabeça daquela união, e ela, a corista que o sustenta, os ombros (que, precisamente, sustentam a cabeça). Acontece que, por reviravoltas do destino, é a corista que acaba por publicar um romance, elogiado pelo seu estilo vernáculo, à "Huckleberry Finn", próximo do povo, ao passo que o marido, o génio intelectual, é descrito como um trapezista inconsequente. Isto causa uma certa inveja ao marido.

Não pude deixar de me lembrar do próprio Fitzgerald, casado com a bela Zelda Fitzgerald (este nome arrebata-me), uma rapariga próxima das heroínas oitocentistas, branca como a neve, dissipadora, alcoólica, e convenientemente doida, de tal forma que F. Scott a encerrou num hospital psiquiátrico - acção que, aliás, lhe saiu do esforçado corpo e da ainda mais esforçada mente, que ele bem teve de escrever e vender histórias para pagar as contas do dito hospital. Consta que Zelda escrevia belíssimamente (nunca li nada dela). Consta também que F. Scott se terá sentido um tanto ou quanto invejoso, e que por isso a relação se deteriorou.

A inveja é a coisa mais azeda do mundo. Destrói as pessoas e, normalmente, brota sem qualquer espécie de justificação ou suporte racional, parece apenas nascer do nada, como uma erva daninha. Que razões teria Fitzgerald, um enorme, gigantesco escritor por direito próprio, para invejar a mulher? Por seu lado, que razões teria Zelda, que tudo indica ser igualmente uma inteligente e dotada escritora, para invejar Fitzgerald? A insegurança destes génios é aflitiva.
Pens'que (a la Cristiano Ronaldo) a inveja, por acaso, não é coisa que me aflija muito. Tenho, e posso até confirmar isto através de assinatura autenticada pelo notário se preciso for, uma lista absolutamente interminável de defeitos, é que tenho mesmo, admito, mea culpa, estou a tentar melhorar, mas felizmente a inveja não tem encontrado terreno fértil na minha pessoa. Ao menos isso.

Não era bem isto que eu queria dizer acerca de "Head and Shoulders", que adorei. Fitzgerald continua, definitivamente, a ser cada vez mais importante nas minhas leituras e na minha vida, e isto sim, queria escrever aqui, além de outras coisas muitíssimo inteligentes e interessantes relativamente a "Head and Shoulders", mas esta noite é ingrata, não vai dar.

1 comentário:

Anónimo disse...

Comme je suis content que ‘Heads and Shoulders’ t’a fait plaisir à lire.
Je t’embrasse,
Claude
Montparnasse, Paris, 1959