domingo, 31 de maio de 2009

Álbum das Glórias


Parece que a música dos Xutos, Sr. Engenheiro, não passa nas rádios portuguesas. Os argumentos são vários - a música não tem suporte em vídeo, o papel das rádios não é intervenção, muito menos intervenção política (este argumento, dado pela Mega, irrita-me um bocadinho, devo confessar). Mais triste, ou interessante, dependendo do ponto de vista, é alguém como Pedro Abrunhosa, que teve uma entrada fulgurante na música portuguesa por, precisamente, e nas suas próprias palavras, "intervir com a música", não ter nada a dizer. Lembro-me agora de que a última vez que ouvi Pedro Abrunhosa a cantar deve ter sido no anúncio, já algo longínquo, do BCP. Mudam-se os tempos e, de facto, também as vontades, sem dúvida alguma.

Mas enfim. Houve censura à música dos Xutos? Não sei. Mas sei que os representantes das rádios mencionados pelo Expresso me pareceram demasiadamente evasivos sobre um assunto que deveriam levar muito a peito. E tudo isto me fez pensar noutras coisas. Lembro-me, por exemplo, do Álbum das Glórias, de Rafael Bordalo Pinheiro, e da sátira demolidora e hilariante à sociedade e à política portuguesas da altura (século XIX, recorde-se). De Sua Alteza, o Infante Augusto Fernando Miguel Luís Tiago Rafael de Gonzaga e Bragança e Albuquerque de Fonseca e Vasconcellos Boto Mello (estou a inventar os nomes, é claro), Rafael Bordalo Pinheiro indica o nome e depois diz apenas que nasceu. É este o único acontecimento digno de nota na vida de S. Alteza.

Gosto de pensar, em alturas como esta, como seria recebido o Álbum das Glórias no Portugal de 2009. Se seria tolerado, se as pessoas o leriam para se rirem com ele, ou se saberíamos da existência do Álbum apenas por uma breve notícia no Expresso: "livrarias não põem à venda Álbum das Glórias, de Rafael Bordalo Pinheiro. Bordalo Pinheiro diz que parece um complô, livreiros não comentam, escritores não comentam, leitores não comentam, ninguém comenta".

Afasto rapidamente este pensamento da minha mente, primeiro porque os Contemporâneos estão a começar, segundo porque Bordalo Pinheiro censurado em Portugal, em 2009, é assim orwelliano demais. Nunca aconteceria. Acho mesmo que não.

sexta-feira, 29 de maio de 2009

O meu moinho


Hoje tenho muito para fazer, embora não pareça, pois estou aqui a escrever. A verdade, porém, é que estou efectivamente muitíssimo ocupada. No entanto, decidi fazer uma pausa não com Kit-Kat, mas antes com a memória de um livro que li imensas vezes quando era mais pequena, Cartas do Meu Moinho, de Alphonse Daudet. É uma colecção de histórias, ou cartas, sobre as personagens e a vida rural francesa que o narrador envia aos seus amigos da cidade, depois de ter decidido mudar-se para um moinho desabitado. A maior parte das histórias, pelo menos aquelas que eu me lembro, são melancólicas e tristes, ainda que, como diria Herman José a imitar Carlos do Carmo, tenham alguns "apontamentos de humor". Alguns destes contos permanecem ainda muito vívidos na minha memória, mormente (adoro este advérbio) A Cabrinha do Senhor Seguin e O Moinho do Tio Corneille (não sei se é exactamente assim que se chama este último conto, mas partamos do princípio que sim).
Vou deixar a história da cabrinha para outro dia e concentrar-me apenas no Tio Corneille, que é mais relevante para dias de trabalho como o de hoje. O Tio Corneille era um moleiro simpático que vê a sua actividade desprezada e os seus colegas transformados em peças de motor após a proliferação de fábricas e máquinhas que moem cereais mais eficazmente e fazem farinha mais branca. Todos os moinhos da região fecham, desmoronam-se em ruínas ou são invadidos por ratos e bicharada, mas o do Tio Corneille não. Todos os dias, os habitantes da região viam as velas do seu moinho enfunadas, a enfrentar vitoriosamente o vento, a rodar, a rodar, enfim, a moer grãos e a trabalhar. Ninguém sabia onde ia o Tio Corneille buscar clientes e trabalho, mas a verdade é que, dia após dia, lá se afadigava ele no seu moinho, sob as grandes velas sempre em orgulhosa circulação.
Até que um dia a neta do velhote, que saíra de casa já não sei porquê, volta para que o avô conheça o seu noivo, com quem tem casamento marcado para breve. Quando os jovens chegam ao moinho, não encontram o Tio Corneille, e decidem entrar. O que vêem é a mó em movimento, não triturando alegres grãozinhos de cereais, mas antes a moer, pobre e esforçadamente, pedra e cascalho. À falta de trabalho, mas recusando condenar o seu moinho à morte e à inutilidade, era assim, com pedra e lixo, que o Tio Corneille salvava a dignidade das suas velas enfunadas. Não me lembro como acaba - acho que o Tio Corneille regressa, vê o seu segredo desvelado, e chora muito e zanga-se. Penso que há algum final feliz para esta história, mas o que é certo é que não me lembro, só me lembro disto, do Tio Corneille deseperadamente salvando a glória do seu moinho e do seu trabalho.
O que adoro nesta história é o facto de o Tio Corneille gostar tanto do seu moinho e do seu trabalho. Do pouco que percebo de Hegel e Marx, o que me parece é que a questão da dialéctica senhor/escravo está muito bem vista - quando transformamos o mundo com o nosso trabalho, somos livres; quando deixamos que alguém o faça por nós, dependemos do trabalho alheio e somos nós os verdadeiros escravos. O Tio Corneille não queria ser escravo, e por isso sabia que o seu querido moinho era a sua salvação.
Acontece que hoje tenho pilhas de trabalho, mas nenhum deste trabalho serve para salvar o meu moinho. Não tenho nenhum moinho para salvar, com alguma pena minha. E por isso gosto tanto do Tio Corneille, apesar de a sua história me entristecer. Mas enfim, como me disse o meu pai quando lhe contei que as Cartas do Meu Moinho me davam para a melancolia, "pões-te a ler literatura, ainda por cima francesa, ainda por cima romântica, e é no que dá".

quinta-feira, 28 de maio de 2009

But you don't really care for music, do you?

Este post não dirá nada de novo, mas mesmo assim tenho de o escrever.
Ouvi recentemente uma versão absurda, pavorosa, feia, feia, feia, de Aleluia (a canção de Leonard Cohen -prometo que vou deixar de falar dele depois de 30 de Julho, em que finalmente o vou ver e ouvir ao vivo e a cores; até lá, o Leonard será presença um bocadinho constante neste blog, porque também estará muito constante nos meus pensamentos). Adiante. Ouvi uma versão horripilante do Aleluia por uma cidadã que vim a descobrir ser uma tal Alexandra Burke; esta Alexandra é uma nacional-cançonetista que resulta de um cruzamento de Rhiannas, Cristinas Aguileras, Mariahs Careys e outras que tais. Decidiu a Alexandra, então, cantar alegremente o Aleluia de Leonard Cohen numas entoações de pop de plástico, meio R&B, meio foleirada, com muitos gritinhos e suspiros e arrebatamentos vocais para compor a canção. Deve ter achado que o Aleluia era uma composição um bocadinho simples, um bocadinho básica, e que as trezentas mil versões que já se fizeram da mesma música eram também um bocadinho simples, um bocadinho básicas, com poucos devaneios estridentes, ainda que afinados.
Resumindo: foi a coisa mais horrível que eu já ouvi, porque, além de ser uma versão feia, é uma versão que entristece e perturba. Uma Alexandra Burke a cantar Leonard Cohen? Além do L, não estou a ver o que mais têm em comum.
No entanto, o que realmente me fez reflectir não foi exactamente que alguém como a Alexandra cante alguém como o Leonard, mas antes o facto de alguém, quem quer que seja, se dar ao trabalho de entoar uma versão de uma canção que já conta com inúmeras versões prévias. Só de cabeça, sem sequer ir pesquisar ao Google, lembro-me de três artistas que cantaram Aleluia - Jeff Buckely, Rufus Wainwright e KD Lang. Assim só de cabeça. De certeza que haverá mais, e que não houvesse, estes já chegam e sobejam (gosto de dizer "sobejar" ao invés de "sobrar"). Qual é a piada, para um artista, ainda por cima recente e jovem, de ir bater outra vez no ceguinho e perder toda a réstia de originalidade ao escolher Aleluia, ou o Yesterday dos Beatles, ou o Downtown Train do Tom Waits, numa tentativa vã de afirmar que é uma pessoa com algum gosto?
Sei que no Facebook há um grupo que se chama qualquer coisa como "If I'm going to listen to anyone singing Aleluia, it'll be Leonard Cohen". Tem muita razão de ser. Aquilo que, quanto a mim, se procura numa banda nova, ou num artista novo, é precisamente isso, a novidade, uma forma nova e inaudita de dizer, ou cantar, qualquer coisa. Fazer uma versão de uma canção magnífica é ser perdedor logo à partida, porque o original nunca será superado. Mais vale fazer o que os Travis fizeram - uma versão boa de uma música má (Hit me baby one more time, da Britney Spears - eu gosto imenso desta versão, tanto mais que me faz sempre rir imenso). Ou então, puxar pela cabeça e investir num som novo, bonito, uma coisa que dê vontade de ouvir.
Mas a Alexandra é, com certeza, superior a todas estas pequenas considerações.


Baby One More Time - Travis

Este blog é para velhos


Tenho pensado na velhice, e deve-se este facto não à minha idade (apesar desta começar já a ser para o avançada), mas à constatação de que a juventude nunca me atraiu muito. Não tenho saudades nenhumas da adolescência, por exemplo, que para mim não passa da saída atordoada de um desconfortável casulo. É bem melhor viver livre e estender longas asas de borboleta fora do tal casulo (estou poética, hoje); também tenho pouquíssimas saudades dos vinte e picos anos, prolongamento da adolescência, em que ainda se vive com incertezas em relação a tudo e todos. É preciso chegar a uma certa idade para mandar a incerteza passear, acho eu, e é por isso que a velhice tem um carisma interessante. Quanto mais velho se é, mais coisas e mais pessoas podemos mandar passear, o que me parece extremamente conveniente e até atraente.
A juventude tal como é personificada em fáceis e rebeldes personagens do cinema, aka James Dean, não deixa de ter os seus aspectos sedutores. James Dean e seus sucedâneos são bonitos, não têm rugas, e encarnam uma certa liberdade incontida que talvez possa ser também designada por rebeldia. Gosto muito de rebeldes, com ou sem causa, mas prefiro, sem dúvida, o rebelde velho ao novo. O rebelde velho teve tempo para amadurecer a rebeldia no Fiat Punto; o rebelde novo estampa-se num Porsche prateado. A diferença é essa.
Esteticamente, a velhice também bate a juventude aos pontos porque, sejamos francos, rostos imberbes de sorriso perfeito como o Leonardo DiCaprio, que não consegue perder o ar de rapazinho de calções por mais papéis de polícia que faça, já deram o que tinham a dar. São chatos, entediantes, todos iguais, como os quadros do Andy Warhol. O mesmo não se poderá dizer de gente mais velha, com mais marcas e rugas na pele, sorrisos mais pesados, um olhar mais cheio. São mais feios, mas mais interessantes, como o Leonard Cohen, com quem eu casava já hoje se ele me pedisse.
O Sylvain Chomet, que fez Les Triplettes de Belleville, um filme de que gosto muitíssimo, explicou numa entrevista que tinha decidido que a sua protagonista fosse velha porque, como desenhador, lhe interessava muito mais o desafio das rugas, das manchas, dos cabelos brancos, do andar, enfim, das características físicas da velhice, do que a perfeição limpa da juventude. Gostei muitíssimo deste comentário.
Quem é jovem, que aproveite; a força e a criatividade da juventude são inegáveis. A velhice, porém, traz consigo uma determinada pinta, uma determinada coolness que é de apreciar (os exemplos óbvios de George Clooney, Cary Grant, Fanny Ardant, L. Cohen - nunca é demais reiterar o Leonard- e outros de que não me lembro, mostram bem isto). Inegavelmente.

A angústia da incompetência

Bem, quando uma pessoa se põe a "esquadrinhar" (isto existe?) o que já escreveu, a única coisa que sobressai é erro atrás de erro. Nos últimos dois minutos da minha vida, li dois textos deste blog e encontrei inúmeros erros, não ortográficos, felizmente, mas de concordância e preposições e quejandos.
Que pavor. Sinto com grande intensidade pavor semelhante quando leio a Tese, esse ente que paira na minha vida e que funciona como constante "lembrete" (outro belíssimo vocábulo) das minhas intransponíveis limitações. Não percebo por que é que as pessoas se lembram de escrever Teses. São baluartes permanentes de incompetência. Servem para as lermos passado um ror de anos e rir da nossa ingenuidade e ignorância.
A angústia, angústia.

terça-feira, 19 de maio de 2009

A menina sem qualidades e sem tempo

A mulher (prefiro "a menina) acorda, estremunhada.
São seis e meia da manhã. O Kafka disse que não há nada de mais degradante do que acordar cedo, e tem razão, aliás, até já escrevi isto no blog, pensa a mulher (prefiro "a menina").
Duche, a correr, cabelo, a correr, carinha, que se quer laroca na medida do possível, a correr, carro, a correr, portagens, a correr, trabalho, a correr, angústia enquanto o tempo se escoa e as coisas cada vez menos feitas, a correr, sentimento de frustração e de incompetência porque o tempo se escoa e as coisas cada vez menos feitas, a correr, carro, a correr, portagens, a correr, casa, a correr, iogurte e sandes de atum, a correr, novamente trabalho, a correr.
Blog, a correr.
Vida, a correr.
Pedir desculpa, a correr, quando tiver mais tempo e mais qualidades a mulher (prefiro "a menina") voltará, esperançosamente, à postagem diária, por enquanto, a correr, a postagem é episódica, o que não se quer de um blog, mas, a correr, é o melhor que a menina tem conseguido fazer embora sempre, a correr, com um grande gosto que isto de escrever, ainda que a correr, ainda que inconsequentemente, é, a correr, muitíssimo giro.
Esta altura do ano é sempre, sempre a correr, é o mundo todo a desabar nas costas da menina.
Chuif, chuif.

segunda-feira, 18 de maio de 2009

Deixai vir a mim as criancinhas, mas a cantar é que não





Motivada, talvez, pelos Contemporâneos de hoje, que gozaram com aquele programa inenarrável e tenebroso da TVI em que as criancinhas aparecem a cantar, decidi escrever sobre uma certa perspectiva que tenho sobre as ditas criancinhas, e que é: a culpa não é das ditas criancinhas, mas vê-las na televisão ou em filmes a fazer papel de queridinhas e engraçadinhas é das coisas mais terríveis que existe, e que dispensa os amorosos "inhos" que normalmente gostamos de usar quando falamos de crianças.



Elas, de facto, coitaditas, não têm culpa. Não têm culpa de ter pais e um país inteiro que acha que elas estão bem não a dormir e a descansar porque no outro dia têm escola, mas antes a fazer papel de macacos amestrados na televisão. Não têm culpa de que as pessoas achem muita gracinha à sua mãozinha na anca, a bambolearem-se ao som sofrível de músicas sofríveis, não têm culpa de que as pessoas gostem de as ver com o cabelo empastado em gel de poupa ridícula, não têm culpa que as pessoas se emocionem ao vê-las rebentar a garganta quando cantam bem, sendo que se considera que as crianças cantam tanto melhor quanto a sua voz se aproxima do timbre de um adulto, e que são um portento sempre que, artificialmente, o seu comportamento imita o dos adultos. É terrível e embaraçoso, ver este tipo de espectáculo, e por isso eu normalmente não vejo - não vejo Sequins d'Ouros, talvez o programa que mais abomino e me faz bocejar de pavor e tédio, não vejo a porcaria do programa dos miúdos a cantar na TVI, não vejo filmes com criancinhas queridinhas, em que se lhes exige bochechas coradas e bem areadas como cobre, olhos esbulhados e de preferência azuis, ou então um toque exótico e enternecedor, como o miúdo da Austrália (o filme), não ouço música cantada por criancinhas, nomeadamente aqueles da Kelly Family, que, a culpa com certeza também não era deles, mas eram assim um bocado para o mutante, cada um uma versão ligeiríssimamente diferente do outro, tipo o lábio descaído e a narigueta dos Habsburgo ou isso, primos a casar com primos, sei lá o que era aquilo. Até os próprios Von Trapp me estão a parecer, neste momento, muito tenebrosos. Mas enfim, para os Von Trapp terei de abrir uma excepção, porque se há filme que eu adoro desde pequena é o Música no Coração, e contra isso nada a fazer, ou pelo menos nada que eu queira fazer.



Enfim. Ver crianças exploradas desta maneira faz-me uma espécie avassaladora. Noutro dia, no café, estava a ler uma revista muitíssimo interessante e formativa que o café lá tinha. Esta revista tinha uma mini-entrevista com um pai de um desses miúdos da TVI. O pai reconhecia que o filho, ou a filha, ia ter de faltar à escola e às aulas em geral, mas ele contava com a compreensão dos professores. Claro que sim, é claro que qualquer professor compreenderá esta compreensível situação - entre estar na escola a tentar aprender, ou pelo menos a tentar passar de ano, e ir fazer de macaquinho à gala da TVI, todos sabemos o que é verdadeiramente importante para a criança. A criança não sabe o que é o melhor para a sua vida, não é? Tem de confiar nos pais, não é? E os pais dizem que não há nada de mal em deixar o miúdo divertir-se um bocado, ali com as câmaras e as luzes, e os fatos espampanantes e revistas e tudo a desfazer-se em lágrimas que o menino canta um fado que é uma coisa formidável. Perante isto, os professores compreendem, pois claro, que a escola fica reduzida a um pequeno grão de areia. Assim como assim, maior parte dos desempregados deste país são licenciados, escola para quê, não é? De certeza que os pais destas crianças têm isto em mente. De certeza que não são os 15 minutos de fama que eles querem para os filhos. De certeza que os expõem desta forma tão descarada porque estão a pensar no seu futuro, têm uma estratégia pensada, é a educação e a formação da criancinha que está em causa, com certeza que sim.




Ai, ai. Crianças deste país, não se deixem assim vestir. Ou que haja alguém (pelos vistos, e infelizmente, não os vossos pais) que tenha algum bom senso.

Considerações inúteis

Realmente, quanto menos se escreve, menos se tem para escrever. Os escritores dizem que a escrita é um trabalho como qualquer outro - é preciso prática e disciplina, que isso da musa inspiradora é fogo fátuo que rapidamente se desvanece e quase nunca se materializa, de modo que o melhor é não se contar com isso, e é também muito importante "não perder a mão". Com grande pena minha, não sou escritora, mas percebo o que os escritores querem dizer com isto, com a importância de não perder a mão.
Igualmente com grande pena minha, cheguei a um ponto em que nem tempo tenho para me coçar, como se costuma dizer, o que raramente me acontece. Costumo ter imenso tempo para fazer tudo, inclusivamente coçar-me quando assim é necessário, embora o faça às escondidas por considerar ser um gesto deselegante. Mas constato que tenho andado numa vida impossível de evitar, e numa azáfama que me faz perder tempo e disponibilidade mental, de modo que passo a maior parte dos dias entupida de coisas inúteis que preciso, porém, de resolver e que me impedem de vir aqui divertir-me e escrever.
De modo que me sinto uma tristeza, sempre com a cabeça a doer e embrenhada na azáfama.
Tenho ido pouco ao cinema, e noutro dia fui ao Corte Ingles e fiz outra constatação, que foi a de que não me apetecia verdadeiramente ver nenhum filme. Quer dizer, por razões estéticas, talvez o Wolverine, mas não consegui (e isto apesar da enormíssima tentação, que os bíceps do Wolverine e o sobrolho franzido e ar de mau funcionam como o cheiro a pão quente, quanto a mim), não consegui, dizia, dar dinheiro para ir ver o Wolverine. Não consegui. Talvez tenha preconceitos a mais, mas a verdade é esta. Fiquei surpresa por o Let the Right One In não estar nas salas (espero que não se tenha dado o caso de já ter até saído de sala sem eu sequer reparar), fiquei igualmente desapontada, e como também não posso dar dinheiro para ver o Anjos e Demónios e quejandos, fui-me embora. Mas como é que é possível não haver nenhum filme para eu ver?! O Corte Inglês não é uma má sala, até costumam ter uma selecção muito razoável.
Ai. De modo que este post confirma que, quanto menos se escreve, menos se tem para escrever.
Peço desculpa, isto ficou, como diriam os Gato Fedorento, mesmo fraquinho.

segunda-feira, 11 de maio de 2009

À espera de Godot?

Uma vez, fui ver esta peça no CCB. Saí de lá muito deprimida. Pensei que a vida, de facto, era um absurdo sem fundo, e que, tal como os outros dois indivíduos especados no palco à espera, eu própria me encontrava a aguardar pelo tal Godot, que, ficara a saber, nunca por nunca chegaria. E que percebia, de facto, porque é que À Espera de Godot podia ser entendida como uma tragédia. Eu, que sempre pensei que a vida era uma espécie de início de festa à qual acabámos de chegar, e em que aguardamos ansiosamente pelo momento em que nos vamos começar a divertir, apenas para acabar tudo e ficarmos a olhar para os copos vazios e perceber que esse momento nunca chegou, eu, dizia, identifiquei-me um bocado com os dois indíviduos à espera de Godot.
Voltei a pensar no tal Godot esta manhã. Chovia, conseguia ouvir o barulho da chuva, e ao contrário do que as pessoas me dizem, não acho o som do matraquear da chuva nada reconfortante quando se está deitado, especialmente se se está em Maio e se vive em Portugal (qualquer dia, nem o clima é justificação de jeito para viver aqui). Fazia vento, também, e ouvia o vento uivante, como diriam as irmãs Brontë, e pensei que a última coisa que queria era levantar-me, a última coisa que queria era ir trabalhar, e também pensei que, se ao menos eu me levantasse e tivesse a garantia de que encontraria o Godot, ainda vá que não vá, mas levantar-me e ficar na mesma, sem encontrar o tal Godot, qual o sentido, porquê, para quê, porquê?!
De modo que estava um bocado deprimida. Talvez por ser segunda-feira, que, a par das terríveis terças-feiras, é dia que me provoca alergia. Mas enfim.
Depois, falei com uma alma amiga que discordou inteiramente da minha opinião depressiva sobre À Espera de Godot. Achou muito estranho eu ter ficado tão angustiada com a peça. "Não percebes que a peça é sobre o optimismo?" Não, realmente não percebo. "Sim, a peça é um aviso para tu levantares o rabo e ires à tua vida como entenderes, em vez de ficares feita parva à espera do Godot. O Godot é um idiota, e os outros ainda mais idiotas são por terem ficado à espera. Como é que não percebeste isso?!"
Realmente. Como é que eu não percebi. A verdade é que nunca tinha percebido, que o meu apego ao pessimismo impede-me de lobrigar certas evidências.
E, assim, talvez À Espera de Godot seja uma peça alegre, e, de cada vez que me lembro dela, deverei, quiçá, mandar o Godot, alegre e optimisticamente, à merda, que eu tenho mais do que fazer do que ficar à espera.
Mas e se qualquer dia chega o Godot e não me encontra, depois como é que é?

sexta-feira, 8 de maio de 2009

The Bonfire of the Vanities



Este livro é fabulosamente bom. Estou "maravilhada", como dizia o outro.


Passa-se na Nova Iorque dos anos 80, numa cidade que já não existe. Para já, o World Trade Center, ainda na glória das torres gémeas, a fervilhar de genuínos yuppies, na flor da idade e já a fazer milhões ao ano, a comprar apartamentos de 300 assoalhadas em Park Avenue; Nova Iorque é ainda uma cidade suja, oleosa, perigosa e insegura, onde tudo fora de Manhattan é um mar de crime e ilegalidade. Não conheço Nova Iorque, mas sei que já não é completamente assim - tornou-se numa das cidades mais seguras do mundo; zonas anteriormente marginais e sujas como Brooklyn e o Bronx tornam-se, cada vez mais, áreas "da moda", onde as rendas aumentam de ano para ano; até TriBeCa, que agora é uma zona toda in, é descrita neste livro como deprimente e esquálida. Enfim, qualquer um percebe bem que as coisas mudaram bastante desde os anos 80, e por isso podia afirmar-se que este Fogueira das Vaidades é um livro datado.


Mas não é. Arrepia ler o retrato incrivelmente bem escrito de uma ganância sem limites, de uma verdadeira máquina destinada pura e simplesmente a fazer dinheiro, onde o infeliz Sherman McCoy, uma das personagens mais importantes do livro, descobre com sofrimento, após uma década de glória como investment banker, não ser mais do que uma dispensável peça. Ele que pensava ser o dono do Universo... ooooh.


Nenhuma das personagens deste livro, nem o impecável Sherman McCoy de Park Avenue, nem o judeu complexado e procurador público Kramer, nem o pusilânime e bêbedo jornalista Peter Fallow, é boa pessoa. Nenhum ser ou entidade que povoa o mundo nova-iorquino apresenta qualquer réstia de moral, bons princípios ou o que quer que se pareça com altruísmo.


O que estou verdadeiramente a gostar é a forma como o narrador é tão duro com as personagens, como as desmascara sem piedade, até cruelmente, mas sem nunca perder o sentido de humor. As personagens são julgadas e castigadas porque o narrador goza literalmente com elas e desmascara o seu ridículo - é cruel, mas muitíssimo engraçado.


Vale muito a pena, este livrinho. Talvez escreva mais sobre ele quando acabar de ler. Quem já tiver visto o filme e pensar que o livro não presta por o filme ser execrável, saibam que não é verdade. Eu vi o filme há anos e detestei, e à partida não queria ler o livro, mas houve uma alma caridosa que me disse que, se não lesse, era parva. E ainda bem que mudei de ideias, pois este Bonfire of the Vanities é mesmo do melhor. Principalmente agora, nestes tempos de crise e de derrocada de bancos, seguradoras e quejandos guardiões do nosso capital, vale mesmo muito a pena ler este livro e perceber que não está assim tão datado.

O gosto dos outros


Como dizia John Cusack no filme Alta Fidelidade (gosto muito deste filmito), "what really matters is what you like, not what you are like". De certa forma, esta afirmação é muito verdadeira - quem conseguir casar com alguém que ouve Britney Spears, ponha o dedo no ar. Ninguém põe, não é? Pois é...
Bom, partindo, então, do princípio (superficial, fútil, eu sei...) que esta afirmação de John Cusack é certa, os gostos das pessoas dizem muito daquilo que elas são. Acho que todos, de uma forma ou de outra, sentimos sempre a pressão para gostar das coisas certas e evitar que o mundo descubra os nossos terríveis "guilty pleasures", como, precisamente, gostar da Britney Spears (devo confessar que gosto muito da versão acústica que os Travis fizeram de "Hit me baby one more time"; gosto mesmo). Temos muita vergonha de admitir que o nosso filme preferido não é propriamente a Laranja Mecânica, é mais o Desafio Total.

Gosto das pessoas que não têm este tipo de vergonhas. Por exemplo, há uma querida, querida amiga minha que tanto gosta de Lady Gaga como de Alicia Keys, como de Tom Waits e de Ute Lemper. Lê o Arthur Miller e muda para o Código Da Vinci sem problema nenhum, sabendo muito bem distinguir uma coisa da outra, e sem quaisquer preconceitos intelectuais. Gosto desta atitude, porque me parece livre daquela arrogância constrangedora de quem, talvez por insegurança, tem medo de fazer figura de estúpido só por, de vez em quando, chafurdar na cultura pop.
Mas enfim, cada um é que sabe de si, como se costuma dizer; no entanto, há pessoas que, não sendo muito elevadas nem muito popularuchas, se tornam extremamente chatas e aborrecidas ao querer convictamente convencer os outros da sua grande inteligência, e que têm a mania de que são espertas e requintadas por, em vez de Britney Spears, ouvirem, talvez, uma Nora Jones. São as pessoas-Tom-Hanks, e era aqui que eu queria chegar (finalmente, depois de tanta conversa inútil, consegui). Gostar de Tom Hanks é a mesma coisa que tentar saborear um pão sem sal. O Tom Hanks é aquele tipo de actor que é pau para toda a obra. Faz tudo relativamente bem, ou até muito bem, sempre com uma competênciazinha certinha, limpinha, deslavadinha, sem nunca chegar ao arrebatador. É aquele actor de que as pessoas que estão no meio, que ouvem Nora Jones apenas porque ouvir Britney Spears dá mau aspecto, gostam, porque tudo o que seja insípido e inofensivo, elas acham automaticamente que é muito bom.

Há uma diferença entre a competênciazinha e o ser bom. E essa diferença não está no Tom Hanks. De modo que, quando conhecemos alguém que diz que tem por actor preferido o Tom Hanks, aquilo que a mesma pessoa nos transmite é, inevitavelmente, um imenso tédio. O melhor que se consegue arranjar, com toda a panóplia de actores e actrizes que andam por aí, é o limpinho Tom Hanks? Não é grande esforço. Há que ir mais ao cinema.

E aqui concluo os meus 15 minutos de intensa explanação dos meus respeitáveis preconceitos sobre o gosto dos outros.

quarta-feira, 6 de maio de 2009

These are a few of my favourite things

Estes são dois dos meus vídeos preferidos do YouTube.
Gosto muito do trailer do Lost, que já é antigo mas tem um estilo incontornável e inegável, e uma impecabilíssima canção dos Portishead (é que é mesmo irrepreensível, adoro a canção, é a minha preferida). Além disso, também gosto muito do Lost. Dentro do Lost, o que eu prefiro é o Sahid. Disseram-me que ela já saiu da série, ou vai sair. Quando o Sahid sair, eu deixo de ver.
Gosto muito do Rei, também, e acho que ele está o máximo aqui no clip - kitsch a valer, como diria Dâmaso Salsede dos grandes Maias, que é o meu livro preferido.




Não acho bem


Há uma coisa que eu faço bem na vida, e que é: empatar tempo. Por exemplo, neste preciso momento, a Tese grita por mim, e eu respondo-lhe, "agora espera, que eu estou no blog". No outro dia, estava também a Tese a gritar desalmadamente por mim, e eu gritei-lhe de volta "agora espera, que eu estou a ver televisão". E de facto estava. Acontece que o programa a que eu assistia (foi só uma vez, e mesmo assim é uma grande vergonha) era sobre um gordo chamado Jim, e era daquelas sit-com americanas sem salvação possível e, pior, sem graça absolutamente nenhuma. Nesta série, este Jim é casado com uma loura toda gira e bimba (a mesma do Melrose Place - sim, eu tenho boa memória, e uma gravíssima tendência para má televisão americana), que passa a vida em casa, enquanto ele vai trabalhar. No episódio que eu vi, a loura acusava-o de não lhe prestar atenção nenhuma, de não a conhecer suficientemente bem, etc. E que exemplo é que ela arranja para ilustrar o facto de o marido não querer saber dela? Decide perguntar-lhe se ele sabe qual é a sua banda preferida. Ele diz que não, ou então dá uma resposta qualquer errada. Ela amua e diz, "são os Beatles, vês, tu não sabes!".

Acontece que este tipo de incidentes é um tanto ou quanto ofensivo para as pessoas que gostam e ouvem os Beatles. Por um lado, sabe-se que os Beatles são universais, e à partida toda a gente gosta deles. Isto é saudável e positivo. Por outro lado, ver o nome dos Beatles assim achincalhado como o tipo de banda que se presta a ser mencionada numa sit-com fraquinha e pobre de espírito, custa um bocadinho. Os Beatles tornaram-se tão universais que, sempre que alguém quer dar um exemplo de uma banda qualquer, escolhe-os a eles, não por serem bons, mas, provavelmente, por serem conhecidos e "clássicos" - quase banais, quando a discografia dos Beatles mostra claramente que banais é coisa que nunca foram.

Disseram-me noutro dia que os Portishead, no auge da sua popularidade, se chegaram a queixar devido ao facto de toda a gente ouvir a sua música, que se assemelhava, por se ter tornado de tal forma "moda", a música de elevador. Não sei se é verdade e se os Portishead se queixaram de facto, mas, assumindo que sim, por um lado acho que é uma atitude de terrível estupidez (querem vender discos ou não?), por outro até percebo. Se o artista que é bom artista se esforça por fazer um trabalho com dignidade, é natural que não o queira ver devassado. Talvez os Portishead estivessem a reagir a isso, ao facto de não verem o seu trabalho respeitado, não sei. De qualquer forma, a questão é semelhante ao caso dos Beatles. É bom serem tão universais e saber que o mundo reconhece o seu génio. Mas banalizá-los por dá cá aquela palha e porem uma pobre de espírito na televisão a dizer que os Beatles são a sua banda favorita (como quem diz Abba, por exemplo), é uma coisa que uma pessoa como eu, que claramente não tem mais nada em que pensar e que se ocupa destes preciosismo, acha mal.

Respeito pelos Fab Four, é só isso que eu peço.

segunda-feira, 4 de maio de 2009

Cunhado

Um breve post para indagar, e também para me interrogar, sobre a condição de "cunhado". Não sei porquê, mas a mim um "cunhado" faz-me sempre lembrar alguém da máfia, do estilo "eu e o meu cunhado temos aí um negociozito de lavagem de dinheiro que está a correr muito bem; vamos expandir para offshore e isso". Não consigo imaginar um outro membro da "família" que não seja o cunhado para se ter um honesto e lucrativo negócio de lavandaria.

Um outro facto que constato é que os cunhados são um tanto ou quanto omnipresentes. As pessoas dizem muito "estava a falar com o meu cunhado e ele disse-me que isso é mentira", ou "tenho um cunhado que foi de férias a Cuba e não gostou nada daquilo, que ele é do PP", ou ainda "nesta fotografia estou eu, os meus filhos, a minha irmã e o meu cunhado, que trabalha no stand da Seat".

Para mim, os cunhados são personagens perfeitas ou dos Sopranos (o cunhado que vem de Itália para ajudar o Tony nos seus afazeres diários, chantagens, lavandarias, espancamentos e quejandos) ou das crónicas do Lobo Antunes (o cunhado a comer frango assado, de fato de treino no centro comercial e a mostrar fotografias de férias a Cuba, ou República Dominicana, ou sul de Espanha). Talvez isto se deva ao papel ambíguo e vago dos cunhados, que servem para dar paternidade aos nossos sobrinhos, e depois pairam sobre a família, vindos sabe-se lá de onde. A complicada patronímia de parentescos na língua portuguesa também não ajuda - sogra, sogro, genro, nora e finalmente cunhado, como seria de esperar.
Realmente, "cunhado". Quem é que teve ideia de inventar "cunhados"? Esta questão intriga-me. Quando tiver resposta, escrevo aqui no blog. Até lá, remeto-me ao silêncio, porque, seguindo Salvatore Rosa que está no post ali em baixo "fala melhor do que o silêncio, ou então cala-te".