quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Livros middleweight

Num filme de que gosto violentamente, Alta Fidelidade, John Cusack diz, a propósito de uma ex-namorada brilhantíssima e giríssima, não ser homem para ela por ser apenas "middleweight", isto é, "in between", isto é, nem carne nem peixe. Não é o homem mais bonito do mundo, mas também não é o mais feio; não é o homem mais esperto do mundo, mas também não é o mais burro, e por aí fora, de onde se conclui que, nas relações amorosas como no boxe, "you've got to punch your weight".

Bom, não querendo entrar por esta linha argumentativa, cito aqui Cusack nesse filme engraçadíssimo que é High Fidelity apenas para dizer que a problemática de se ser "middleweight" poderá não se aplicar necessariamente às pessoas, mas aplica-se seguramente, quanto a mim, aos livros. Há, de facto, livros que, não sendo grande literatura, também não são Paulo Coelho nem Nicholas Sparks nem restante lixo. Estão no meio. Reparo que há muita gente que acha estes livros "middleweight" encantadores, e confunde-os com literatura da boa. Não penso que sejam, e gostaria de ilustrar esta afirmação com um "case in point", o livro aqui da fotografiazinha, "The Curious Incident of the Dog in the Night-Time" (não sei se está traduzido para português; sei que em Inglaterra teve bastante "hype" quanto saiu, como, normalmente, estes livros middleweight têm). Narra a história de um menino autista, que vive com o pai, e que um dia sai de casa à procura da mãe. Tem partes particularmente bem conseguidas, quanto a mim, como por exemplo a cena em que o menino está numa estação de metro em Londres e é incapaz de sair de lá ou sequer de pensar como chegará ao seu destino. Mas, em geral, este livro não é um grande livro. Tem, sem dúvida, uma agenda que, além de absolutamente respeitável, é igualmente muitíssimo louvável, porque esclarece como é ser jovem e viver com o autismo (e as consequências para a família e amigos), mas a "agenda", por mais nobre que seja, não chega para fazer de um livro grande literatura. Não quer dizer que a grande literatura não tenha agenda - poderá ter, e pessoalmente até acho que deve ter; quero apenas dizer que a nobreza das intenções não chegam para tornar os livros em monumentos literários. Este "The Curious Incident" é simpático, não está mal escrito, mas também não acredito que mude fundamentalmente a vida de ninguém. É uma simpatia, apenas isso, sem personalidade ou carisma suficientemente fortes que o tornem memorável. Tal como, imagino eu, sejam muitos dos livros que por aí andam e que às vezes até dão filmes, como o "Kite Runner", por exemplo, que, mais uma vez, acredito que seja muitíssimo respeitável. Não li e não me parece que vá ler (e desde já peço desculpa se estou a ser injusta para com este livro -ele se calhar não merece), porque suspeito que seja mais um destes "middleweights", novamente rodeado de um grande "hype", que eu compreendo e até acho bem. É bom que as pessoas saibam destas realidades (o autismo, o Afeganistão, nos casos citados).

Eu e o meu pai discutimos este assunto algumas vezes por termos, aqui, opiniões algo distintas. O meu pai tem alguma (eufemismo - tem até mesmo muita) alergia a estes "middleweights", mas até os desculpa se neles vislumbrar um propósito social ou político que considere louvável. Eu, porém, não desculpo nada e não quero saber. Se a literatura puder ter, efectivamente, o tal propósito social e político louvável, melhor. Sou absolutamente a favor, e só me faz gostar ainda mais do livro/escritor. Mas, se não tiver, não afecta o valor literário da obra. É aqui que, modestamente, concordo com Harold Bloom (que, como é sabido, nem sequer dormiria se soubesse que eu não concordo com ele), quando, no Cânone Ocidental, sublinha que é o valor estético da obra que perdura e que a torna um monumento, inesquecível e resistindo ainda e sempre ao invasor, que é o passar do tempo. O progenitor, por seu lado, fica um bocado irritado com este "lado conservador" de Bloom, mas eu não.

Os livros middleweight (que eu leio e gosto de ler, não vem mal nenhum ao mundo por isso) favorecem, fundamentalmente, o leitor preguiçoso, e é por isso que não os vejo com grande simpatia. Favorecem aquele leitor inteligente, que se aborrece com Paulo Coelho, por exemplo, mas que não tem pachorra para se aventurar no Guerra e Paz (ou, vá lá, no Idiota ou no grande, incomensurável Crime e Castigo), e então fica-se por coisinhas assim, "The Curious Incident...", arrisca um Bret Easton Ellis, que é um middleweight mais puxado (eu gosto do Bret, por acaso gosto), umas coisas bonitinhas e comoventes tipo Kite Runner (mais uma vez, se estiver a ser injusta, mea culpa), um Paul Austerzito, umas coisas assim.

Se não se passar disto, é verdadeiramente uma pena, porque é muito importante conseguirmos um termo de comparação e perceber que os middleweights são muito aceitáveis, mas nada nos poderá dar tanta felicidade, como leitores e como seres humanos, como ler um verdadeiro e absoluto monumento, daqueles que encerram uma verdade essencialíssima sem a qual, a partir do momento em que a descobrimos, não vamos conseguir viver.

E é isto, acho que não tenho mais nada a dizer.

5 comentários:

ecila disse...

Gosto de alguns middleweights, como lhes chamas (e bem). Adorei o The Curious Incident..., mas também por razoes profissionais. Leio muitos middleweights sem saber que o sao (a meio descubro) e, de vez em quando, lá me surpreendo com a qualidade de algum (afinal, nao é middleweight). Infelizmente, os de verdadeira qualidade sao mais os clássicos, há pouca literatura moderna que ultrapasse esse middleweight...

Que tal um post dedicado a literatura actual de qualidade? Só uma ideia. Aproveitava as dicas :-)

Rita F. disse...

Ecila, pois é, com os livros contemporâneos é sempre mais difícil saber se são middleweight, se não. Com os clássicos, temos o distanciamento temporal, que ajuda muito a perceber se o livro sobreviveu, se é datado ou não, se continua universalmente verdadeiro. Mas,na maior parte das vezes, não consigo decidir, não faço ideia. Por exemplo, há um escritor greco-americano de que gosto muito, o Jeffrey Eugenides, que escreveu (além das Virgens Suicidas, o seu livro mais high profile), um livro chamado Middlesex. Adorei este livro. Mas, sinceramente, não sei se é grande literatura. É um bom livro, de qualidade, sem dúvida, mas será um monumento? Não sei, é que não sei mesmo, por um lado acho que sim, por outro nem tanto, não sei, ai, esta indecisão...
Porém, acho que o que interessa verdadeiramente é, pelo menos, conseguirmos ir encontrando livros que nos interessam ler e de que gostemos, middleweights ou não.

Anónimo disse...

Olha, olha: li este por aqui o ano passado :)

E uma ida até Nantes, anytime? http://www.youtube.com/watch?v=jc3ZAs17uAg

Bjs! Saudades!
Inês

Anónimo disse...

PS. deixe-te um comentário no Post Tempestade - Chapitô: caso ainda n tenhas lido ;)

Bj
i.

ecila disse...

O Middlesex já estava na minha loooonga lista de livros para ler e gracas à tua dica passou logo para o lugar do "próximo a ler", obrigada :-)