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quinta-feira, 29 de março de 2012

Doidas, doidas, doidas andavam as galinhas

Eu conheci a C. há dez anos. Éramos duas galinhas malucas, sem mais nada que fazer do que calcorrear a pequena cidade onde vivíamos, falar do curso que estávamos a tirar e trocar canções, livros, cds, dvds, batons, pulseiras, roupa, ganchos para o cabelo, chapéu. Falávamos dos namorados que tínhamos, que queríamos ter, que havíamos tido, e de que como eram todos uns parvos e nós mais parvas ainda por gostarmos deles, e ríamos por causa disto. Falávamos de como era bom estar ali, naquela pequena cidade por onde percorríamos todas as ruas, de como era bom não ter mais nada que fazer se não estudar, eu queixava-me de ter de escrever os mini-trabalhos para Sintaxe, que detestava, e a C. ajudava-me, ela que era, e ainda é, um ás na Sintaxe, uma chomskyana irredutível e competentíssima. Em compensação, eu conseguia ser ligeiramente melhor a Fonologia, e tentava ajudar a C. por aí. E entendíamo-nos bem.
A C. fumava muito e eu pedia-lhe sempre para nunca deixar de fumar, porque ela fumava tão bem, parecia uma versão mais nova e morena das starlets dos anos 40. A C. ria-se e dizia que gostava muito da teatralidade do cigarro. Ao fim da tarde tomávamos café, ou íamos ao inenarrável "pub" e olhávamos para os caloiros entretidos no "pub crawl", perdidos de bêbedos, mas sempre muito educadinhos. Surpreendentemente. E ríamos e ríamos e falávamos do Pulp Fiction e atirávamos as falas uma à outra, eu imitava a vozinha irritante e doce da Maria de Medeiros, "whose motorcycle is this", depois a voz mais despachada do Bruce Willis, "it's a chopper, baby", "whose chopper is this", "Zed's dead, baby, Zed's dead", e esta era a minha fala, e a da C. era "I say god damn, god damn, god damn", e esfregava o nariz da forma elegante como a Uma Thurman o fazia depois de inspirar a cocaína. É claro que a C. não tinha nenhuma cocaína, aquilo era tudo a brincar.
E, nessa altura, quando éramos assim, tudo o que conhecíamos e queríamos resumia-se àquilo, a filmes de que gostávamos, a música, a tudo o que não tinha importância, e às vezes o Corto Maltese pegava na guitarra e começava a tocar, a C. cantava e eu ficava ali a olhar para eles, a aplaudir secretamente, encantada.
Era, portanto, como a música do Paulo de Carvalho, mas sem a parte da "Nini" - eles cantavam uma música só para mim e eu olhava, olhava.
E desde então é só recordar. A C. é respeitabilíssima, e esperançosamente eu também, e já não cantamos no meio da rua nem nada. A C. vai-se casar e tudo, e eu acredito no casamento, a sério que sim, quer dizer - é o pior dos estados à excepção de todos os outros e é quase inevitável. Não nascemos para estar sozinhos. Mas também é o fim de uma era. Não vale a pena pensar que ainda podemos fazer isto ou aquilo, porque não podemos. Acho que quando a vida se compõe e a pessoa se casa ou tem filhos ou, sei lá, de uma forma ou de outra se acalma, há muitas portas que se abrem e é um momento feliz. Mas fecha-se definitivamente a porta a tantas outras coisas, coisas que passam a ficar só, apenas e só, na nossa memória. E nada disto é mau - é assim, apenas. 
Bom. Hoje estou melancólica. Acontece.
I say god damn.

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Frágil

Às vezes fico tão farta de não saber as coisas. A pessoa esforça-se, esforça-se, esforça-se, e há sempre coisas que não sabe, que nunca vai saber, há sempre coisas incontroláveis que mudam tudo para pior (ou melhor, quem sabe), e entretanto estamos sempre na corda bamba, todos os dias, todas as horas. É tão cansativo, é exasperante, e enquanto se anda nisto há milhares de filmes que não vemos, milhares de livros que não lemos, dezenas pessoas que não conhecemos e que nunca vão cruzar o nosso caminho, dezenas de sítios a que nunca fomos e a que provavelmente nunca iremos, e um mundo inteiro fora do nosso alcance e onde se calhar as coisas são melhores, mais bonitas, enfim, não sabemos, mas também não vamos lá chegar.
E ponho-me a pensar amiúde que há dias em que vejo porcaria na televisão, e perco tempo na net sem fazer nada, sem me tornar melhor, mais sábia ou mais bonita, quanto muito fico mas é pior, e o tempo que perdi é irrecuperável e é terrível, é o preço a pagar por todos os pequenos, ínfimos erros de todos os dias, erros que podiam ser evitados e substituídos por mais livros, mais pessoas, mais sítios, livros que nunca leio, pessoas que nunca conheço, sítios a que nunca vou, e erros meus em minha perdição se conjuram, como cantava o Camões, erros tão pequeninos e que deviam ser insignificantes mas não são. Mas porque é que tudo na vida tem de ter uma consequência qualquer? É pouco justo.
E escrevo frases longas de mais, e cometo o mesmo erro ano após ano após ano. Entre outros. Errar é humano. Mas também é humano errar menos. Somos tão benevolentes para com a nossa própria pessoa, tão pouco exigentes. Ainda estou para conhecer quem não seja, e não digo isto por conhecer pouca gente. O ser humano é frágil, lá cantava o Jorge Palma.
De modo que hoje, o que eu precisava mesmo é que me pusessem o braço no ombro, eu preciso de alguém,  e embarco tanto em conversas banais, e sim, adorava mesmo estar in, mas não passo do out.
Que cousa, pá.

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Vira-casacas

Até quando é que uma pessoa se deve esforçar?
O que pergunto é se há uma idade aceitável a partir da qual a pessoa não tem de pensar no que diz e a quem diz, como se deve vestir, quem deve conhecer e quem deve ignorar, o que deve ou não comprar, como se deve comportar, que trabalho deve ter, que emprego não deve aceitar, quantos livros ler e que livros, quantos filmes ver e que filmes, etc.
John Cusack diz, em Alta Fidelidade, e com uma certa razão: "what matters is what you like, not what you are like". Até que ponto é que aquilo de que gostamos é diferente daquilo que somos? Se eu gostasse da Britney Spears, era menos pessoa por causa disso? Se calhar, era. Não, não era nada, que disparate.
Quem diz que não se deixa influenciar por estas coisas, que não quer saber, está a mentir. Nunca conheci ninguém que não quisesse saber, mas já conheci muita gente que pensa não querer saber. Não estamos só a falar de aparências - estamos a falar de um esforço constante que vamos adaptando à situação, ora aqui deixa-me esconder que sou de esquerda, ora aqui convém disfarçar que sou mais neoliberal de direita, e aqui não vou dizer que não gostei do Guerra e Paz, vou só dizer que tenho de ler outra vez, quando for mais velha, e aqui vou dizer que sim senhora, até ouço Sigur Ros, e mais tarde já digo que não, realmente Sigur Ros são uma seca (por acaso, acho que são mesmo, já escrevi sobre isso, blá blá blá).
Sei muito bem o que me vão dizer - ah, realmente, que vira-casacas. Nada disso, ou por outra - acho que o sou na exacta medida em que os outros também são. Adapto-me. É uma questão de sobrevivência, de uma diplomacia inata que nos permite ir manobrando a vida até esta se tornar suportável na dimensão de chatices que comporta.
Mas requer algum esforço. Uma coisa é vir para um blog, escrever o que apetece de forma quase anónima, outra bem diferente é todos os dias lidar com colegas, chefes, superiores ou inferiores, o que seja, e ter não necessariamente de agradar a toda a gente, mas manter uma máscara de civilização. Se alguém no trabalho me diz que acha muita graça a ir a concertos da Anastasia, a ouvir as anedotas do Fernando Rocha e ir à Madeira no Ano Novo porque o fogo-de-artifício é tãããããão giro, faço o quê, dou-lhes um estalo na cara?, ou opto por um meio sorriso, sim senhora, a Madeira e tal, por acaso nunca fui, gostava de ir, se calhar no Ano Novo é bom, disseram-me que a Anastasia é muito profisisonal ao vivo, dá grandes concertos, quanto a Fernando Rocha calo-me, e assim por diante.
E pronto, sinceramente, é tanto esforço que uma pessoa se cansa amiúde. Dizem-me que só quando eu for reformada é que isto passa, mas pelo andar da carruagem e pelas previsões dessa instituição que é, digamos que, espectacular, o FMI, nem sequer vou ter reforma nenhuma, portanto estou sem saída.
Como dizia o outro, e como já escrevi antes, não chora, colabora.

sexta-feira, 5 de março de 2010

Chuva


Hoje choveu tanto, tanto, tanto, que a chuva entrou pelos meus sapatos, olhos, vestidos, e inundou-me, e quase me afogou, e às tantas eu nem conseguia respirar, e então comecei a nadar.
Nadei, nadei, nadei, e à minha volta havia muita gente também a nadar, alguns até furiosamente, sempre acompanhados pelo martelar incessante, quase cruel, da chuva, as gotas na nossa cabeça, as gotas no nosso pescoço e arrepiavam, e tudo a nadar, até que perguntei a alguém, "mas estamos a nadar para onde?", e a pessoa respondeu, "não sei, mas não podemos parar, não é?", e eu perguntei, "porquê?", e a pessoa respondeu novamente, "porque se pararmos não vamos a lado nenhum. Se continuarmos a nadar, talvez cheguemos a qualquer lado, sei lá".
Eu nadei, nadei, nadei e a chuva nunca parou.
Agora já estou em casa e, lá fora, não se ouve barulho nenhum. A chuva silenciou tudo, e ela própria já se calou.

quarta-feira, 3 de março de 2010

Afinal, não


Não, afinal não. Afinal não tenho nada medo dos burgueses que comem frango assado e vão ao supermercado no Seat Ibiza. Eu própria quero ter um Seat Ibiza.
Afinal, as famílias que vão aos centros comerciais já não me parecem amorfas, mas sim felizes e alegres, a comprar coisas. Eu também quero comprar coisas. Eu também quero ir ao centro comercial e ser, digamos, feliz e alegre, e ter um cão ou um gato, e ir almoçar com os sogros aos Domingos, e ir à esplanada depois do escritório beber uma cerveja no Verão, e conseguir pagar prestações para ir à República Dominicana, e fazer e congelar sopas, e mudar fraldas de bebés, e comprar DVDs com a Cinderella, e sentir convictamente que algo é "fofinho", e escolher a escola dos filhos, e ir falar com educadoras de infância, e comprar taparuéres, e comprar mercearias ao mês, e adiantar jantares e almoços, e deixar de ter tempo para ter um blog e para pensar em Sopranos, Dartacões, Brunos Aleixos, Montys Pythons, youtubes, a canção do George Michael dos anos 80 em que ele aparece a dançar de costas e é tão gira, deixar de ter tempo para tudo, começar a ir ao ginásio, querer ser magra todos os dias, preocupar-me em não engordar, ficar presa no trânsito, chegar a casa tarde e com trabalho, passar roupa a ferro, ter uma vivenda, ir para o trabalho de comboio, autocarro, metro.
Afinal, eu quero estas coisas todas. Não é estranho?

terça-feira, 16 de junho de 2009

"Pre-Raphs"


Na vida das pessoas, os "pormenores" assumem uma grande importância.
Estava aqui a pensar nos Pré-Rafaelitas, e como gosto deste movimento, principalmente do impacto que teve na pintura; e depois lembrei-me das regras da atracção e de como, tantas vezes, há decisões importantes da vida que dependem muito de coisas aparentemente insignificantes. Ou talvez isso apenas se passe com pessoas superficiais como eu; mas o que é certo é que se passa.
E, por me ter lembrado dos Pré-Rafaelitas, da Ofélia desvanecida nas águas, na sofredora Lady of Shallot sem o seu Lancelot (rima), dos longos cabelos fulvos (como, penso eu, Mário de Cesariny se referia às mulheres pré-rafaelitas), lembrei-me também de, há muitos anos, em Inglaterra, ter tido uma conversa sobre, precisamente, Rossetti e sobretudo a sua irmã, Christina Rossetti, de quem gosto muito. E replica o meu interlocutor que também achava muita piada aos "Pre-Raphs" - não "Pre-Raphaelites", atenção - "Pre-Raphs", que tem muito mais estilo. É claro que foi encantamento à primeira palavra.
E pode pensar-se que esta futilidade de achar piada a alguém porque ele tem à-vontade para dizer Pre-Raphs em vez de Pre-Raphaelites é coisa episódica e rara, mas na verdade não é. Na verdade, há imensa gente que entra e sai da nossa vida devido a esta pré-selecção que assenta basicamente em pormenores. Sapatos com berloque determinam a saída; dizer que se gostou tanto do Tomb Raider que até se foi ver duas vezes ao cinema ("e eu nem sou pessoa para ver um filme duas vezes", dizia ele, para me convencer da qualidade do filme e sem perceber que só piorava, e muito, a situação) também determina, com altíssimo grau de probabilidade, a saída. Isto é um processo injusto e fútil, mas no entanto é um facto.
De modo que vamos seleccionando e seleccionando e seleccionando, e no meu caso estou bastante contente com este processo de apuramento, porque quanto menos pessoas conhecer, melhor as coisas me correm. O meu objectivo é mesmo esse, conhecer o menor número de pessoas possível, como acho que também já aqui escrevi. O ser humano só sabe dar chatices.
Acontece que, magicamente, quando há alguém que perfura a dura parede que este processo de selecção impôs, percebemos que temos um imenso problema. Porque quem passou a pré-selecção não é perfeito, aliás, vem cheio de defeitos, e nós mesmo assim não o chumbámos. E, horror dos horrores, aqueles pormenores que deveríamos imediatamente renegar passam a ser... queridos. Docinhos, mesmo. De repente, até usar meias brancas se torna aceitável. Não dá direito a saída nenhuma, é apenas uma fofa "idiossincrasia". Iic. É, de facto, um enorme problema.
E, portanto, as coisas mudam. Dizia-me uma amiga que está muito contente com o novo namorado. Há um pequeno problema, que é ele gostar tanto do Senhor dos Anéis. "É que é o livro preferido dele!", dizia ela, quando seria tão mais conveniente que a escolha recaísse, sei lá, numa coisa mais clássica, que a pessoa pudesse dizer à boca-cheia, um Beckettzito, ou talvez até um Bret Easton Ellis, acredito que a minha amiga pudesse aceitar isso. Mas o Senhor dos Anéis, livro, e ainda por cima a trilogia interminável de filmes, é que era pior. E qual foi a minha sapiente resposta? "Olha, pelo menos não é Paulo Coelho, portanto se ele for bom rapaz, não te queixes". E ela concordou.
O amor é mesmo uma estupidez.

terça-feira, 2 de junho de 2009

Crise existencial


Só li um livro de Charles Bukowski, chamado Mulheres. Detestei, não percebi qual era a ideia daquilo (quer dizer, percebi a ideia, mas achei-a entediante).
No entanto, agora acho que gosto mais de Bukowski. Li alguma poesia sua, e gostei, e tenho novamente vontade de ler os seus romances.
Ao ver as entrevistas de Bukowski no youtube, desenvolve-se uma certa aversão à vida de classe média, que é a minha vida, e a da esmagadora maioria das pessoas que conheço. Não que eu queira andar em bares à pancada, ou a achar que ou me embebedo todos os dias, ou suicido-me, porque é a única forma de aguentar um trabalho da treta que paga $1,5 à hora, mas ao mesmo tempo há um enorme enjoo, impossível de conter, em relação a um certo conforto material, à estabilidadezinha. Não sei bem explicar isto sem parecer hipócrita.
As hipóteses que vejo delineadas são duas: indigência, pouco dinheiro, mas mais arrojo; conforto, algum dinheiro, pança gorda e procriar.
Tem de haver, entre estas duas possibilidades, algum meio termo. Tem de haver. Estou há anos para perceber onde está o meio termo, mas tem de haver.
O LB, quando ainda escrevia n'O Nascer do Sol, captou bem este drama das opções neste post, em que a opção A é uma perfeita família loura de olhos azuis, com um qualquer monovolume na garagem (peço por tudo que nunca por nunca venha a ser o tipo de pessoa que conduz um "monovolume"), e a opção B é, precisamente, o esquálido e batido Bukowski, com uma desmazelada pelo braço, e o perturbado Faulkner de meias, no jardim, a apanhar sol (acho que era o Faulkner). Os meus instintos gritam "opção B". A minha mais racional mente age como uma mãe zangada, de dedo em riste, e grita, "opção B? Está maluca? Depois destes anos todos a estudar? A menina vai é para a opção A e não há mais conversa". E eu, entre instinto e racionalidade, fico sem saber o que escolher, ou o que fazer.
Mais uma vez me rendo às evidências dos filósofos, principalmente as do grande Kierkegaard, que quando falava do drama das opções, sabia bem do que falava.
E ontem, no supermercado, vi uma senhora a fazer compras com um vestido vermelho e uma mal preta brilhante. Os sapatos era também pretos de verniz, para condizer, pateticamente, com a mala. Não valia a pena o esforço. A senhora não era bonita nem estava bem vestida, e aquela tentativa triste de exibir sapatos a condizer com a mala era apenas um sinal flagrante de que nunca seria bonita, nem bem vestida. Mais valia desistir. Se formos ao supermercado e olharmos para as pessoas, constatamos que muitas delas fazem este esforço patético, de roupa a condizer, ou óculos de sol de marca, ou unhas arranjadas, ou um relógio mais espampanante, qualquer coisa que seja para demonstrar ao mundo de que eles se mantêm à superfície e que a vida não os derrotou. Mas o seu cansaço enquanto pagam comprar inúteis de quem tem de alimentar um regimento é já uma derrota. Como o Bukowski a dar pontapés à parva da namorada, que também se pode ver no youtube, é uma derrota. Talvez opção A e B sejam ambas uma derrota.
Realmente, não se pode ganhar à vida.
As terças-feiras são assim, deixam-me sempre num estado miserável.

terça-feira, 19 de maio de 2009

A menina sem qualidades e sem tempo

A mulher (prefiro "a menina) acorda, estremunhada.
São seis e meia da manhã. O Kafka disse que não há nada de mais degradante do que acordar cedo, e tem razão, aliás, até já escrevi isto no blog, pensa a mulher (prefiro "a menina").
Duche, a correr, cabelo, a correr, carinha, que se quer laroca na medida do possível, a correr, carro, a correr, portagens, a correr, trabalho, a correr, angústia enquanto o tempo se escoa e as coisas cada vez menos feitas, a correr, sentimento de frustração e de incompetência porque o tempo se escoa e as coisas cada vez menos feitas, a correr, carro, a correr, portagens, a correr, casa, a correr, iogurte e sandes de atum, a correr, novamente trabalho, a correr.
Blog, a correr.
Vida, a correr.
Pedir desculpa, a correr, quando tiver mais tempo e mais qualidades a mulher (prefiro "a menina") voltará, esperançosamente, à postagem diária, por enquanto, a correr, a postagem é episódica, o que não se quer de um blog, mas, a correr, é o melhor que a menina tem conseguido fazer embora sempre, a correr, com um grande gosto que isto de escrever, ainda que a correr, ainda que inconsequentemente, é, a correr, muitíssimo giro.
Esta altura do ano é sempre, sempre a correr, é o mundo todo a desabar nas costas da menina.
Chuif, chuif.

segunda-feira, 11 de maio de 2009

À espera de Godot?

Uma vez, fui ver esta peça no CCB. Saí de lá muito deprimida. Pensei que a vida, de facto, era um absurdo sem fundo, e que, tal como os outros dois indivíduos especados no palco à espera, eu própria me encontrava a aguardar pelo tal Godot, que, ficara a saber, nunca por nunca chegaria. E que percebia, de facto, porque é que À Espera de Godot podia ser entendida como uma tragédia. Eu, que sempre pensei que a vida era uma espécie de início de festa à qual acabámos de chegar, e em que aguardamos ansiosamente pelo momento em que nos vamos começar a divertir, apenas para acabar tudo e ficarmos a olhar para os copos vazios e perceber que esse momento nunca chegou, eu, dizia, identifiquei-me um bocado com os dois indíviduos à espera de Godot.
Voltei a pensar no tal Godot esta manhã. Chovia, conseguia ouvir o barulho da chuva, e ao contrário do que as pessoas me dizem, não acho o som do matraquear da chuva nada reconfortante quando se está deitado, especialmente se se está em Maio e se vive em Portugal (qualquer dia, nem o clima é justificação de jeito para viver aqui). Fazia vento, também, e ouvia o vento uivante, como diriam as irmãs Brontë, e pensei que a última coisa que queria era levantar-me, a última coisa que queria era ir trabalhar, e também pensei que, se ao menos eu me levantasse e tivesse a garantia de que encontraria o Godot, ainda vá que não vá, mas levantar-me e ficar na mesma, sem encontrar o tal Godot, qual o sentido, porquê, para quê, porquê?!
De modo que estava um bocado deprimida. Talvez por ser segunda-feira, que, a par das terríveis terças-feiras, é dia que me provoca alergia. Mas enfim.
Depois, falei com uma alma amiga que discordou inteiramente da minha opinião depressiva sobre À Espera de Godot. Achou muito estranho eu ter ficado tão angustiada com a peça. "Não percebes que a peça é sobre o optimismo?" Não, realmente não percebo. "Sim, a peça é um aviso para tu levantares o rabo e ires à tua vida como entenderes, em vez de ficares feita parva à espera do Godot. O Godot é um idiota, e os outros ainda mais idiotas são por terem ficado à espera. Como é que não percebeste isso?!"
Realmente. Como é que eu não percebi. A verdade é que nunca tinha percebido, que o meu apego ao pessimismo impede-me de lobrigar certas evidências.
E, assim, talvez À Espera de Godot seja uma peça alegre, e, de cada vez que me lembro dela, deverei, quiçá, mandar o Godot, alegre e optimisticamente, à merda, que eu tenho mais do que fazer do que ficar à espera.
Mas e se qualquer dia chega o Godot e não me encontra, depois como é que é?

segunda-feira, 6 de abril de 2009

I grow old. I shall wear the bottom of my trousers rolled. - parte II


Hoje é segunda-feira, não é?

É.

A Páscoa está quase aí, e eu começo a perder a noção do tempo, e mais, como dizia o querido T.S., I grow old. I shall wear the bottom of my trousers rolled.

E ter um jardim e um cão e quem sabe crianças, que vão bem com o jardim e com o cão.

Fazer papa Cerelac e guisados, e quem sabe começar a gostar de ensopado de borrego.

De certeza que o querido TS pensou nisto tudo, quando escreveu I grow old. I shall wear the bottom of my trousers rolled.

Nisto tudo e muito mais.

As segundas-feiras custam tanto a passar.

segunda-feira, 16 de março de 2009

Patinhas no chão, formiga ao trabalho

As pessoas que habitam o meu mundo estão convencidas de que eu não trabalho. No fundo, têm inveja. Têm inveja de eu ter tempo para ir tomar café e ver DVDs e ir ao cinema e ir jantar fora quando posso. Têm inveja. E depois dizem-me, para se vingarem, "mas tu pensas que eu tenho a tua vida?", "mas tu deves achar que eu tenho o teu tempo", e coisas assim.
Isto é profundamente injusto, porque eu sou uma pessoa que está sempre a trabalhar. Eu trabalho imenso e só penso em trabalhar. O meu sonho é ser a formiga que guardas as migalhas e depois ralha com a cigarra, que, por acaso, até canta um bocado mal. Eu quero ser esta formiga. Todos os meus dias são ocupados por este imenso desiderato, ser a formiga. Portanto, acho injusto que as pessoas se vinguem em mim quando eu sou a primeira a reconhecer que a vida delas é que está bem: trabalhar, ter responsabilidades, assumir compromissos, trabalhar, ter responsabilidades, assumir compromissos, trabalhar, ter responsabilidades, assumir compromissos, trabalhar, ter responsabilidades, assumir compromissos...Estas sãos as linhas-mestras da minha vida, o que prova que eu sou tão boa como as pessoas que deploram e desprezam o meu tempo livre, ou por outra, o tempo que elas acham que eu tenho livre, que na verdade não tenho.
Eu sou uma pessoa ocupadíssima e quero viver sempre assim, ocupadíssima, sobrecarregada de responsabilidades e, acima de tudo, sem nunca cometer esse pecado capital que é ter tempo livre. A formiga não tem tempo livre, e eu quero ser como a formiga, e não como a cigarra, como já disse.


Adriana Calcanhotto - Formiga Bossa Nova - Adriana Calcanhotto (não consegui encontrar a versão da Amália, mas a Adriana também canta bem)

terça-feira, 10 de março de 2009

Alien


Como as terças-feiras são os dias malditos da minha semana, trabalho demais e verifico que penso, também, demais. Nesta terça-feira em particular, pus-me a pensar que, muitas vezes, sou verdadeiramente um fantasma, a flutuar por aí, sem nenhuma verdadeira relação com o mundo. No entanto, tenho, na verdade, uma imensa relação com o mundo, pois basta ter de trabalhar para viver para fazer de mim uma peça nessa grande engrenagem que é a vida na sociedade ocidental, trabalhar, trabalhar, pagar contas, etc. Como dizia Marx, de facto tudo depende das condições materiais das pessoas, e não controlar os meios de produção é terrível porque ficamos alienados. E é isso que me acontece, passo os dias alienada porque tenho de vender os meus meios de produção, e ainda não descobri como é que posso viver de forma independente sem os vender e sem ter de me sujeitar ao preço que o mercado me dá pelas minhas capacidades.

Dantes, tinha uma âncora que me ligava à terra, a minha querida amiga D., que teve de se mudar e foi viver para longe (mas a culpa não foi minha; ela não se mudou por minha causa, não tive nada a ver com isso, mudou-se porque teve de ser). A D. é que me informava das coisas que se iam passando na nossa terra, porque já sabia que eu nunca sabia nada ("olha que a loja tal já não é ali, olha que agora para tratares do assunto y tens de ir ao sítio x", etc.). Aliás, a D. continua a informar-me de tudo, porque, não sei bem como é que ela faz, mas consegue estar sempre informadíssima acerca do que se passa, apesar de estar a quilómetros e quilómetros de distância. Eu, porém, continuo a viver no mesmo sítio e passa-me sempre tudo ao lado. Leio o jornal sempre atrasado, nunca apanho nada a tempo, ando sempre a perder coisas interessantíssimas. Se não tivesse alguns amigos que se compadecem da minha situação, perdia mesmo tudo. Nem sei o que me restava, restar-me-ia apenas tempo para pensar em parvoíces.

Eu tento não ser assim, mas a verdade é que não sei como é que se consegue ser daquelas pessoas activas, que sabem sempre tudo, que no princípio da semana já têm a vida organizada até sexta-feira e que no Domingo, como canta o Jorge Palma, sabem de cor o que vão dizer segunda-feira. Eu nem me importava de saber de cor o que vou dizer segunda-feira. Era melhor do que ter aquela música cruel do Simon & Garfunkel, "I touch no one and no one touches me", a matraquear na cabecinha. Não é nada agradável.

Talvez a coisa se resolva se eu deixar de ler o jornal atrasado e passar a lê-lo actualizado, se eu prestar mais atenção aos anúncios, se ler os folhetos que às vezes se distribuem na rua, se, se, se. Mas para quê?

terça-feira, 3 de março de 2009

Ai, Sade, a falta que tu fazes, a falta que tu fazes

Há pessoas que passam a vida a falar delas. É doloroso assistir a isto. Pessoas que nos interrompem para falar, única e exclusivamente, dos problemas delas. Pessoas que, nós bem vemos, não conseguem produzir um único tópico de conversa que não gire à sua volta. Pessoas que, nós bem reparamos, ficam completamente à nora e sem saber o que dizer quando conseguimos alterar o rumo da conversa e falar sobre nós. É vê-las de sorriso parvo, desconfortável e solitário no rosto, é ver a sua cabecinha a andar à roda a pensar, "oh, ela está a falar dela própria e não de mim! Mas... eu não sei o que dizer, pois se eu sou incapaz de ver um palmo diante do nariz que não sejam os meus próprios problemas! E agora, como fingir que estou minimamente interessado no que ela está a dizer?" É um espectáculo, como disse, doloroso, mas que não deixa de ser engraçado, porque estas pessoas ficam mesmo sem nada para dizer, absolutamente nada, quando não podem falar delas próprias. São como a cortina de ferro. A gente diz coisas e, se não o assunto não versar sobre a vida delas, aquilo faz ricochete e o que nos acerta é somente um desajeitado "pois...". Que angústia, Deus meu.
Não percebo como é que pessoas assim têm amigos, mas o que é certo é que têm, ou pelo menos elas dizem que têm. Imagino-as num jantar de confraternização, várias pessoas à mesa e cada uma a falar desconexamente, sem ouvir os outros, a gritar o mais alto possível os problemas que têm, auto-elogios mal disfarçados, falsa modéstia entristecedora, e pronto, depois vão para casa. Só assim é que compreendo que estas pessoas que carregam consigo o centro do mundo tenham amigos.
Lembrei-me disto ao reler a Filosofia da Alcova, do divino Marquês, como às vezes o Sade é chamado, falando através de Dolmancé: ...não te deixes enganar, minha encantadora amiga: a beneficência é mais um vício do orgulho do que uma verdadeira ostentação da alma; é por ostentação que se dão alívio aos semelhantes, nunca é com a pura intenção de praticar um acto bom".
Aqui está, sem tirar nem pôr (este Marquês é que sabia tudo; queria tanto conseguir escrever como ele, sem entraves de qualquer espécie, uma escrita demolidora, avassaladora, sem respeito nenhum e ainda por cima cheia de humor). Voltando ao tema principal do post, reparo, normalmente, que as pessoas que pensam ser o sol à volta do qual a Terra gira estão, também, muitíssimo convencidas de que são belíssimas pessoas, de coração puro e generoso, porque nada pode haver na Terra que não seja para lhes dar mais uma razão de existir. Se há coisas boas, é para as fazer felizes; se há coisas más, é para elas as poderem remediar e mostrar que são boazinhas. Isto é atroz. Como diz a minha amiga S., não há nada pior do que más pessoas que pensam ser boas pessoas, e eu concordo inteiramente.
E agora termino, é terça-feira, o meu dia maldito, o cansaço pesa, de modo que vim para aqui livrar-me da bílis, destilar o meu rancor, o que é muito mal feito, mas o blogue é meu, portanto fica assim e desculpem qualquer coisinha.

terça-feira, 20 de janeiro de 2009

Songs for Drella



Estou hoje a escrever não para me pronunciar sobre Obama e respectiva tomada de posse, mas antes para me pronunciar sobre este Songs for Drella, um dos meus álbums preferidos. Interessei-me por ele numa altura em que gostava mesmo muito de Andy Warhol, e sendo Songs for Drella (mistura de Dracula e Cinderella, alcunha de Warhol) uma "ficção" musicada sobre a vida do senhor pelos grandes Velvet Lou Reed e John Cale, ouvi-o do princípio ao fim. Agora, que o meu interesse por Warhol é já mais limitado, gosto deste álbum apenas e só pela música que, diga-se de passagem, não é exactamente uma "ficção" - desde o nome dos gatos de Warhol, até ter levado com um tiro da Valerie Solanis, passando pelas maleitas de que era acometido e onde vivia em Nova Iorque, está aqui tudo.

Há verdadeiras pérolas, neste álbum. A mais preciosa é, para mim, Open House, uma canção linda sobre a solidão (um privilégio e um tormento, ao mesmo tempo). Está disponível no Youtube, quem não conhecer e quiser conhecer pode ir procurar.


A segunda é este Small Town, vídeo infra, que narra a infância mediana do pequeno Warhol em Pittsburgh. Tem um verso de que sempre gostei - "When you're growing up in a small town, you say no one famous ever came from here. There's no Michelangelo living in Pittsburgh". Isto era, mais ou menos, o que eu pensava acerca de Portugal quando era pequena - "porque é que todas as pessoas conhecidas nunca são portuguesas?". Se calhar foi isso, inclusivamente, que me traumatizou, ser de um país relativamente ao qual o resto do mundo parecia ser indiferente. E ainda é, pelos vistos, com grande pena minha.

A canção é muito engraçada, tem também referências a Truman Capote (outro que veio da parvónia e se tornou "famoso", e que Warhol admirava), e algumas observações sensatas, como por exemplo "if they stare, let them stare at New York City", coisa com a qual eu concordo. No fundo, Small Town é uma reflexão sobre a fama, sobre querer que o mundo repare na nossa genialidade (o que, aliás, Obama deve perceber bem, para puxar um bocadinho o assunto do dia - a grande operação de marketing que montou e que o aproximou de uma rock star, com aquele Yes We Can, musicado por uma data de celebridades, não será inocente). O John Lennon disse, numa entrevista, ter sentido algo semelhante quando era pequeno. Ele sabia que era um génio enquanto criança; porque que é mais ninguém reparava? Felizmente, e no caso de John Lennon, as pessoas perceberam a tempo.
Há outras canções muito boas (gosto muito do Style It Takes, por exemplo), verdadeiras reflexões sobre a mistura entra a vida e a arte , mas estas duas são preciosas.

E é isto, hoje não tenho grande coisa a dizer, nem a escrever e nem a pensar. As terças-feiras matam-me.



terça-feira, 16 de dezembro de 2008

Birra

É terça-feira, feira da ladra
Acordei hoje de madrugada
Saí de casa, bem apressada
Antes do emprego já estava cansada


E cheguei lá por fim
Já bastante mal disposta
Mas há que produzir, é o que o patrão gosta


É terça-feira, das cinzas talvez
Amanhã que é quarta-feira há trabalho outra vez
Eu já sei que é preciso
E tento ter o juízo
De não me queixar, ai as contas p'ra pagar


É terça feira, feira da ladra
Trabalho muito, mas não em demasia
E por mais que eu queira, não há maneira
De sentir aquilo qu' o Sérgio dizia

Diz o Sérgio que a rapariga
Troca a tristeza pela alegria
Mas eu à terça-feira
Sinto-me sempre tão foleira

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Tuesday bloody Tuesday


Corre-me sempre tudo mal às terças-feiras.

Acordei de manhã, a uma hora absolutamente indecente de matutina que era, com o barulho interminável da chuva lá fora, o vento a uivar, fui a correr à varanda apanhar a roupa quase seca, eu confiante de que não choveria, eu a pensar que os escassos raios de sol do fim da tarde anterior tinham sido prenúncio de manhã soalheira, e afinal não, e vou a correr, levanto o estore apenas para o ver cair com um som retumbante, partido, eu sem poder abrir a janela, a roupa lá fora toda molhada, se calhar até a voar pelos ares (não pus molas em tudo, pois não?), comer qualquer coisa, faço-me à estrada, trânsito anormalmente congestionado, afinal houve acidente, mais uns minutos e chegava atrasada, sem tempo para tomar café até à hora de almoço, sopa juliana, montra da livraria cheia de decorações de Natal, que enjoo, continuar a trabalhar, faço-me à estrada outra vez, casa, esqueci-me de ir fazer compras, mas afinal o que é que eu tenho para comer?!, só iogurtes, como dois iogurtes, volto ao trabalho, volto para casa. Já não posso com tanto iogurte, o supermercado vende tanta coisa, porque é que eu sou compro é iogurtes?!, agora também não vou comer nada, estou cansada. Na livraria da montra enjoativa, comprei um livro. Chama-se "Pensamentos". O autor é: Marco Aurélio. Entre outras coisas, diz:

De manhã, quando te custa levantar, socorre-te deste pensamento: "Acordei para fazer trabalho de homem. E hei-de ficar de mau humor porque vou realizar aquilo para que fui criado e constitui o fim da minha vida ao mundo? Ou acaso fui feito para ficar deitado, sem bulir, no quentinho dos cobertores? Isso é que era bom!"

Este pensamento chega já um bocadinho tarde para me enobrecer a mim e para enobrecer as minhas terças-feiras, dias que me fazem sempre escrever para espantar os males que me causam, mas amanhã vou tentar acordar a pensar nisto, vou tentar com muita força, tentar com muita força. Se não estiver a chover, talvez consiga, entretanto a porcaria do estore ainda todo partido, a roupa, ai, mas afinal vou ficar de mau humor porque vou realizar aquilo para quw fui criada, trabalhar como um homem, etc...

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Formiga Bossa Nova


As terças feiras são o dia mais horrível da minha semana. Talvez apenas superado pelas segundas. Mas, como esta segunda foi feriado, o pódio foi ocupado pela terça-feira.

Não gosto das terças-feiras porque passo o dia a trabalhar, almoço a correr, volto a trabalhar, chego a casa, pouso a tralha no sofá e tenho o resto da noite para me sentir uma mercenária.

É fácil ser-se nova e desdenhar da "vida burguesa", da mentalidade do "ao trabalho", do dinheirinho ao fim do mês, da pança gorda, do supermercado em excesso, do carro com o colete berrante pendurado no banco, dos fatos de treino, das crianças pequenas aos berros, dos centros comerciais, das pipocas, do "vistes", do "quaisqueres", dos pontos de exclamação, do amarelo, da geleira e do vinho tinto na praia, da fila para estacionar no centro comercial, do Seat Ibiza, de envelhecer e engordar, de estar numa fila e começar a falar para o lado na esperança de que alguém nos dê alguma converseta, da unha do mindinho comprida no ouvido, do frango assado, do Marco Paulo. É fácil.

Torna-se mais difícil à medida que nos vamos tornando mais velhos. A luta torna-se ainda mais premente e mais árdua: o gordo burguês, no seu luzidio Seat Ibiza, quer à força dar-nos boleia no seu carro com ar condicionado, onde na rádio se pode ouvir o Enrique Iglésias ou a Dulce Pontes. O porta bagagens está recheado de víveres úteis como o imprescindível frango, papa Cerelac, cerveja, papel higiénico, aromatizadores de ar ou lá como se chamam, WC Pato, Sonasol.

O gordo quer que nós entremos no carro com ele. Nós temos de dizer que não porque o Seat Ibiza nos arrepia de pavor.

Eu digo sempre que não a esta boleia. Mas, às terças-feiras, parece mesmo que a estou a aceitar.

terça-feira, 18 de novembro de 2008


Tão cansada, tão cansada, tão cansada, as segundas-feiras são terríveis, as terças ainda pior, a coisa só melhora às quartas, tão cansada que...


A subtileza das sensações inúteis,

As paixões violentas por coisa nenhuma,

Os amores intensos por o suposto alguém.

Essas coisas todas -

Essas e o que faz falta nelas eternamente -;

Tudo isso faz um cansaço,

Este cansaço,

Cansaço.


Um supremíssimo cansaço.


Dá-lhe, Pessoa. Ensina qualquer coisa à vida, para ver se ela aprende a tratar-nos bem.