Mostrar mensagens com a etiqueta Grécia. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Grécia. Mostrar todas as mensagens

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Dor que não dói, ou as pessoas ao pé de quem nos sentamos no comboio

É evidente que nunca pensei ver imagens destas provindas da Grécia, um país europeu, um país tão perto de casa. Não falo sequer do facto de adorar a Grécia, de ter uma relação absolutamente afectiva com este país - estou a tentar abstrair-me deste pormenor. Estou, sim, a falar do facto de estarmos habituados a que estas cenas perturbadoras, bárbaras, se passem no mundo lá fora. A BD da Mafalda, de Quino, tem uma tira genial, em que a Susaninha está entretida a ler as coisas horríveis da actualidade, espreguiça-se e diz "ainda bem que o mundo fica lá tão longe". E é, de certa forma, isto que se sente quando ouvimos falar das desgraças de todos os dias. É errado, é hipócrita, não devia acontecer, mas é isto - ainda bem que o mundo fica lá tão longe, 
Excepto quando o mundo que fica lá tão longe se aproxima, e de repente é a Grécia. A Grécia! A Grécia. 
Já falei disto prolongadamente com o Corto Maltese, que tem família na Grécia e que conhece muito bem este país. Não está surpreendido. Até se mostrou levemente irritado. "As pessoas chocam-se com isto apenas porque têm medo que lhes aconteça o mesmo amanhã. É a mesma coisa do que veres uma pessoa doente no comboio e não te sentares ao pé dela. Tens medo que te pegue qualquer coisa, e é melhor não arriscar, mas não queres verdadeiramente saber da pessoa doente". Talvez seja isto que me choca tanto, sim. Se aconteceu aos Gregos, pode acontecer-me a mim. "O que se passou na Croácia há 20 anos chocou-te da mesma forma? Também era Europa. Também era perto. E toda a gente ignorou", continuou o Corto Maltese. "E a Síria? A Síria é perto da minha casa. Não se fala da Síria, não como se deveria falar."
E também não se fala do Sudão, a não ser quando o George Clooney lá vai, não se fala do Mali, não se fala da Libéria, fala-se dos diamantes de sangue de Angola e apanha-se com um processo em cima, e etc. e etc. Ad aeternum. 
Sei que há um poema sobre isto, e ando à procura dele há anos. Qualquer coisa como "cobarde, preferes refugiar-te numa dor que não dói" (se calhar o poema, "vai na volta", é do Fernando Pessoa ou assim e a minha ignorância é uma vergonha).  Mas a ideia é esta.
E há também um outro poema, de autoria discutidíssima (uns dizem que é de Brecht, mas parece que não é), que também se aplica aqui, que reza "primeiro levaram os judeus, mas eu não era judeu, depois levaram os comunistas, mas eu não era comunista. Depois levaram-me a mim, e não havia ninguém que restasse para falar por mim". Quer dizer, o poema não é nada assim, a ideia geral é que é. 
E nenhum destes poemas muda a minha cobardia e/ou hipocrisia. Até podia dizer que as imagens da Grécia me deram vontade de chorar, para rematar. Continua a ser a tal história da pessoa doente ao pé da qual ninguém se quer sentar no comboio, mas por quem todos sentem muita, muita pena, e querem muito, muito ajudar. 
Agora ainda me sinto pior. É tudo horrível. Mas quero tanto que a minha Grécia melhore. Boa noite, minha querida Grécia. Não serve de nada, mas penso muito em ti e o meu coração é teu.

quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

Não podemos ser normais

Indeed, the lack of any convictions in Greece over racist attacks has allowed migrants to be targeted with impunity, said Nikitas Kanakis, head of Doctors of the World in Greece.

Se fosse só a Troika a esventrar a Grécia, haveria ainda uma porta aberta. Mas a Grécia mata-se a si própria, numa onde de corrupção imparável, em que políticos perdem a vergonha na cara que provavelmente nunca tiveram e em que os cidadãos, como se vê pela notícia acima, embrenham-se na cobardia mais brutal que existe, aquela que impunemente lhes permite violentar estrangeiros, imigrantes, pobres e desprotegidos. 
A Aurora Dourada, na Grécia, reúne cerca de 10% dos votos, o que lhe confere mais ou menos 20 assentos parlamentares (figuras aproximadas, não sei os números certinhos). É uma enormidade para um partido que não deveria sequer existir, ou que se devia confinar a um grupo reduzido de lunáticos de quem as pessoas normais fazem troça. Mas estas "pessoas normais" são as mesmas que, nos dias de hoje, na Grécia, afirmam descontraidamente que há estrangeiros demais em Atenas - é tão cansativo... 
Por falar em Atenas, cidade em que já estive várias vezes, e que visitei novamente este Verão - nota-se que as coisas mudaram, e o que me fez notar que piores dias virão não foi propriamente lojas fechadas em catadupa, bombas de gasolina abandonadas onde sem-abrigos desamparados se refugiavam, mas sim um pequeno incidente que presenciei no eléctrico. Uma senhora polaca, com o filho pela mão, quer entrar no eléctrico com a bicicleta da criança, e o condutor impede-a, porque tem ordens estritas para não deixar entrar bicicletas aos Domingos. Não houve uma cena de gritos, nem o condutor foi particularmente mal-educado, mas a verdade é que se ficou ali algum tempo, a senhora a insistir, e o condutor a recusar a bicicleta. De repente, levanta-se um passageiro, que não tinha nada a ver com aquilo, e dirige-se directamente à senhora dizendo "a senhora é uma convidada na Grécia, não é daqui, portanto não pode desrespeitar as leis deste país que não é o seu". 
Há uma cena no magnífico filme de Bob Fosse, Cabaret, em que um camisola castanha vai, precisamente, ao cabaret, e é escorraçado dali para fora, elemento indesejado, escumalha com que ninguém quer conviver. Um dos artistas até troça de Hitler, fazendo a saudação nazi e colocando um dedo abaixo do nariz, na tentativa de imitar o bigodinho ridículo, e com isto conseguindo risada geral.
O mesmo filme acaba com um mar de gente num piquenique, ou numa espécie de "pub", não me lembro bem, a aplaudir um menino lourinho, da juventude hitleriana ou coisa parecida, em que todos se levantam e, de pé, fazem a saudação nazi. Tenebroso.
E lembro-me sempre desta cena quando me lembro da Grécia, a minha querida Grécia, que, como diria a nossa Sophia, parece agora um país que se mata lentamente. 
Não é normal que a Aurora Dourada tenha 20 lugares no Parlamento, não é normal que o padeiro grego tenha espancado o seu empregado egípcio quase até à morte e tenha contado com a complacência da polícia. E também não é normal que as pessoas normais, como nós, como todos os gregos, achem que isto é normal.

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Esta é a ditosa Grécia, minha amada

Pode não ser ditosa, mas ainda é a Grécia.
E pode parecer um exagero, mas para mim não é - a Grécia foi sempre o meu país de contos de fadas, era um país que eu pensava que era inventado, uma fantasia, e depois descobri que era verdadeiro, que existia mesmo um Olimpo, um Delfos, um Corinto, uma Trácida, uma Creta, e pareceu-me bom demais para ser verdade, e sempre que tive a sorte de visitar a Grécia e via aquele sol, as montanhas, o mar, os ciprestes  tudo me parecia bom demais e bonito demais para ser verdade, até Atenas eu adoro, e as pessoas estão sempre a dizer que Atenas é feia.
A Grécia é o meu país de fadas.
E por isso, e pode parecer um exagero, mas para mim não é, quando penso na Grécia para não pensar em Portugal, enredo-me num incompreensível masoquismo em que não evito a tristeza e apetece-me chorar e penso nisto:


¡Que no quiero verla!
Dile a la luna que venga,
que no quiero ver la sangre
de Ignacio sobre la arena.
¡Que no quiero verla!
La luna de par en par,
caballo de nubes quietas,
y la plaza gris del sueño
con sauces en las barreras
¡Que no quiero verla¡
Que mi recuerdo se quema.
¡Avisad a los jazmines
con su blancura pequeña!
¡Que no quiero verla!
La vaca del viejo mundo
pasaba su triste lengua
sobre un hocico de sangres
derramadas en la arena,
y los toros de Guisando,
casi muerte y casi piedra,
mugieron como dos siglos
hartos de pisar la tierra.
No.
¡Que no quiero verla!
Por las gradas sube Ignacio
con toda su muerte a cuestas.
Buscaba el amanecer,
y el amanecer no era.
Busca su perfil seguro,
y el sueño lo desorienta.
Buscaba su hermoso cuerpo
y encontró su sangre abierta.
¡No me digáis que la vea!
No quiero sentir el chorro
cada vez con menos fuerza;
ese chorro que ilumina
los tendidos y se vuelca
sobre la pana y el cuero
de muchedumbre sedienta.
¡Quién me grita que me asome!
¡No me digáis que la vea!
No se cerraron sus ojos
cuando vio los cuernos cerca,
pero las madres terribles
levantaron la cabeza.
Y a través de las ganaderías,
hubo un aire de voces secretas
que gritaban a toros celestes,
mayorales de pálida niebla.
No hubo príncipe en Sevilla
que comparársele pueda,
ni espada como su espada,
ni corazón tan de veras.
Como un rio de leones
su maravillosa fuerza,
y como un torso de mármol
su dibujada prudencia.
Aire de Roma andaluza
le doraba la cabeza
donde su risa era un nardo
de sal y de inteligencia.
¡Qué gran torero en la plaza!
¡Qué gran serrano en la sierra!
¡Qué blando con las espigas!
¡Qué duro con las espuelas!
¡Qué tierno con el rocío!
¡Qué deslumbrante en la feria!
¡Qué tremendo con las últimas
banderillas de tiniebla!
Pero ya duerme sin fin.
Ya los musgos y la hierba
abren con dedos seguros
la flor de su calavera.
Y su sangre ya viene cantando:
cantando por marismas y praderas,
resbalando por cuernos ateridos
vacilando sin alma por la niebla,
tropezando con miles de pezuñas
como una larga, oscura, triste lengua,
para formar un charco de agonía
junto al Guadalquivir de las estrellas.
¡Oh blanco muro de España!
¡Oh negro toro de pena!
¡Oh sangre dura de Ignacio!
¡Oh ruiseñor de sus venas!
No.
¡Que no quiero verla!
Que no hay cáliz que la contenga,
que no hay golondrinas que se la beban,
no hay escarcha de luz que la enfríe,
no hay canto ni diluvio de azucenas,
no hay cristal que la cubra de plata.
No.
¡¡Yo no quiero verla!!

sábado, 5 de junho de 2010

Fogueteiro

Portugal está repleto de sítios pavorosos. O que me faz impressão são aquelas terras de descampado, por onde pululam vivendas feias, de cor desbotada ou com azulejos de casa-de-banho por fora, e onde não há cafés nenhuns ou, se há, é um barracão com um anúncio a dizer "Café Camelo". Que é uma zurrapa.
Curiosamente, Portugal é um país bonito. O que acontece é que a costa estremenha, e até um pouco da nortenha, desconhece o significado de planeamento urbano e está devastada por subúrbios selvagens. É desconfortável.
Não estranho que os países onde vi das aldeias mais feias de sempre tenham sido Portugal e a Grécia. É claro que também têm aldeias bonitas, mas sofrem deste mal de muita fealdade urbana concentrada numa pequena área.
Se soubesse mais de arquitectura (não sei nada), estaria com certeza em condições de perceber o impacto da supra-mencionada fealdade na vida das pessoas. Não é, mais uma vez, de estranhar que o presidente da Câmara de Tirana (ou equivalente ao presidente), quando confrontado com a falta de verba para fazer obras numa cidade que precisa desesperadamente delas, tenha decidido gastar o dinheiro em pintar os edifícios de várias cores, para, pelo menos, alegrar o olhar de quem fazia o esforço de viver na capital da Albânia. Não resultou - a cidade tornou-se ainda mais feia, porque agora não era apenas feia, era também garridamente bizarra. Feria o olhar.
É fundamental gostarmos do sítio onde vivemos. Podemos viver num local objectivamente feio, mas para nós, nem que seja pela força do hábito, que tem, de facto, muita força, tem de nos parecer aprazível, relva, amigos à porta, cafés, passarinhos e abelhas, sei lá.
Quem o feio ama, bonito lhe parece. Uma vida feliz aplica isto não apenas às pessoas, mas também aos locais. E será, talvez, a única forma de vencer o feio.

quarta-feira, 8 de julho de 2009

Os frisos da ira




...consider this: the body of the goddess Iris is at present in London, while her head is in Athens. The front part of the torso of Poseidon is in London, and the rear part is in Athens. And so on. This is grotesque.


To that essentially aesthetic objection the British establishment has made three replies. The first is, or was, that return of the marbles might set a “precedent” that would empty the world’s museum collections. The second is that more people can see the marbles in London. The third is that the Greeks have nowhere to put or display them. The first is easily disposed of: The Greeks don’t want anything else returned to them and indeed hope to have more, rather than less, Greek sculpture displayed in other countries. And there is in existence no court or authority to which appeals on precedent can be made. (Anyway, who exactly would be making such an appeal? The Aztecs? The Babylonians? The Hittites? Greece’s case is a one-off—quite individual and unique.) As to the second: Melina Mercouri’s husband, the late movie director and screenwriter Jules Dassin, told a British parliamentary committee in 2000 that by the standard of mass viewership the sculptures should all be removed from Athens and London and exhibited in Beijing. (novamente retirado daqui).

Eu, sinceramente, não sei que opinião ter relativamente a este assunto. O meu coração, que gosta muito da Grécia, é de opinião que os frisos do Partenon devem ser devolvidos ao país de origem, já que Atenas tem agora um novo, e pelos vistos belíssimo, museu aos pés da Acrópole onde pode acolher e tratar da sua arqueologia; por outro lado, os frisos estão já há séculos em Inglaterra; é verdade que lá foram parar por grosserias históricas, mas aconteceu o mesmo a centenas de outras peças de arte. E o argumento do Museu Britânico (obras de arte da categoria dos frisos não são apenas da Grécia, mas sim de toda a Humanidade), não deixa de fazer sentido. Ao mesmo tempo, ninguém pode discordar dos Gregos quando estes reclamam as suas insuperáveis esculturas de volta, já que estas fazem parte da sua história, do seu património, e já que agora têm condições para as resguardar da poluição e para lhes dar um lar confortável e digno do seu esplendor. Também é verdade que, como diz o meu pai, o Museu Britânico é o museu da "roubalheira internacional", mas, como também admite o progenitor, é igualmente um museu de cortar a respiração, tal a grandiosidade do seu espólio. É um privilégio ver tanta herança da Humanidade ali toda junta; os frisos fazem parte dessa herança, e o facto de estarem no Museu Britânico dá muito jeito ao visitante, que fica com uma ideia geral das coisas, e sai de lá com o olhar e a mente regalados, sem ter de ir a Londres, e depois à Grécia, e depois à Síria, e depois ao Egipto, etc. Vai ao Museu Britânico e fica logo despachado numa viagem.
Mas enfim. Se os frisos forem devolvidos, e se o espólio de Londres se juntar ao de Atenas, para que se possa reconstituir todo o desfile de esculturas, a Humanidade também tem muito a ganhar com isso.
Portanto, não sei. Entre a Inglaterra e a Grécia, quero que ganhem as duas.

segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

Esta é a ditosa Grécia, minha amada



Se eu tivesse o mínimo jeito para escrever sobre a actualidade, escrevia sobre Atenas.


Mas não tenho.
Talvez possa escrever sobre o comovente pôr do sol grego, ilustrado aqui ao lado pelo sol que lá apanhei este Verão e que é o mais bonito do mundo, não apenas em Santorini, mas sim em toda a Grécia.
No entanto, considerando o que se está a passar em Atenas, não me parece profícuo ou oportuno escrever sobre o pôr do sol grego. Direi apenas que, tal como o que conheço do país, é muito bonito, simpático, afável, reconfortante, caloroso.
Enfim, gosto muito da Grécia. Tempos difíceis, estes. Lixados, mesmo. Para a Grécia e para o resto da Europa e para Portugal e para o pessoal dos trinta anos que é português e vive em Portugal. Tal como acontece aos Gregos, deitam-nos fora todos os dias.
Isto já não diz respeito à situação que se vive em Atenas, mas enfim.