terça-feira, 31 de março de 2009

Gosto de Saramago


Gosto de Saramago, ou melhor - gostei de todos os livros que li de Saramago, que não foram muitos. Gosto das histórias que Saramago conta, gosto da forma como trabalha a linguagem, como a torna bonita, como a sua famosa pontuação dá um ritmo bonito, fluido, uma respiração, ao que a história conta. Gostei muito, muito, muito do Nobel, claro, mas ficaria feliz por qualquer escritor português que tivesse recebido o Nobel.

Não percebo a razão de Saramago ser constantemente julgado por ser comunista, ou por ser desagradável, como às vezes se diz que ele é, ou por ainda andar a falar da questão com o Sousa Lara (o caso foi uma vergonha, o homem foi ofendido, e se optou por permanecer ofendido, paciência; Saramago ofendido tem direito a ser respeitado, já o mesmo não se podendo dizer de quem perpretou a ofensa), ou assim ou assado. Já escrevi aqui sobre o que penso acerca do lado certo da história, das opções políticas do artista, e se isso se relaciona ou não com a literatura. Na minha humilde, humildezinha mesmo, opinião, acho que se relaciona se for um bónus, caso contrário deve ignorar-se. Portanto, não percebo tanto afinco em criticar as opções políticas, ou de vida pessoal, de Saramago; ele que faça o que entender, que pertença ao partido que quiser. Escreve bem - e a discussão deveria ficar por aqui.

Ainda há pouco tempo ouvi alguém queixar-se do facto de as pessoas, hoje em dia, não saberem escrever, de fazerem pontuação "à Saramago". Não consigo ouvir isto. Sei que é um exagero, mas parte-me o coração, verdadeiramente.

Queria eu conseguir fazer pontuação à Saramago. Queria eu.

Será que dá para aprender e depois ganhar o Nobel? É um sonho que acalento.

segunda-feira, 30 de março de 2009

Big Brother is watching you (e não pára de olhar, o estúpido)

A minha ideia eras vir aqui num instantinho escrever qualquer coisa antes de me retirar para os aposentos e ver mais uma parte do Padrinho-parte II, mas esqueci-me de pensar no que seria essa tal coisa sobre a qual poderia, ou deveria, escrever.

Não tendo nada de importante ou essencial para dizer, gostava de confessar aqui uma fobia absolutamente ridícula, mas que não deixa de ser fobia, e por isso vou descrevê-la na esperança de a conseguir ultrapassar. A questão é que, movida por um egocentrismo descabido (eu não acho que seja egocêntrica, mas o que vou dizer a seguir nunca poderia vir de uma pessoa que não é egocêntrica, acho eu, portanto se calhar tenho de me olhar ao espelho com realismo e admitir que talvez seja, precisamente, egocêntrica), dizia, movida por um egocentrismo bastante estúpido no meu caso, porque não sou daquelas pessoas que faz a Terra girar, limitando-me a acompanhar o seu movimento de rotação e a contentar-me com isso - a propósito, interrompo para dizer que esta noite os meus vizinhos estão pior do que nunca, berram em voz rouca, que impressão, será que devo chamar a polícia?, se ouvir o som de objectos arrastados ou a partir, chamo - dizia, como sou egocêntrica, tenho um bocado a mania que as pessoas me perseguem. Por exemplo, noutro dia estava muito bem a andar na rua e encontro uma rapariga que não via desde a escola; ela diz-me olá e pergunta-me se eu "ainda estou a trabalhar em sítio x, com a pessoa y". Fiquei para morrer. Como é que ela sabe onde é que eu trabalho, e com quem trabalho?! E, se ela sabe, quem mais saberá, e como?! E se sabem onde moro? O que é que eu faço?

Depois acalmei-me, pensei que é mesmo assim, afinal há listas telefónicas, há internet, é facílimo hoje em dia encontrar registos, abundantes até, das pessoas, não se pode andar aí com medo que os outros descubram coisas da nossa vida, além de que o homem é um animal social, não nasceu só para lutar e para guerrear, como dizia o Miguel Guilherme no filme do Oliveira, mas também para socializar. Mas eu tenho medo, porque o conceito de "socializar" é, para mim, uma espada de dois gumes, e ainda não decidi se é nefasto, se é benéfico. Para mim, o Big Brother está em todo o lado, promovido por este ensejo de "socializar por aí", e não é só no meu caso; toda a gente, hoje em dia, é permanentemente perseguida.

Se ando na rua, só peço para não encontrar ninguém conhecido, que é para não me andarem a espiar. E eu que sempre me esforcei por conhecer o menor número de pessoas possível, para não ter de me chatear. Uma pessoa a esforçar-se e depois é isto. Há câmaras por todo o lado. Mesmo que se fuja para Londres, em Londres somos filmados 500 vezes em 5 metros, eu sei lá se quem vai ver as imagens das câmaras não é uma pessoa que eu até conheço - o mundo é pequeno, uma vez um amigo que vivia em Londres pôs-se a conversar com o rapaz do clube de vídeo onde ele ia, que por acaso era português, e, conversa puxa conversa, descobriu que o rapaz do clube de vídeo me conhecia do jardim de infância. Jardim de infância! Não consigo encontrar exemplo mais paradigmático do que este.

Eh pá, pensando bem, se calhar não é nada boa ideia ter um blog. Eu sei lá. A gente nunca sabe. Se calhar o melhor é mesmo tornar-me eremita; por acaso, sempre pensei que era uma carreira profissional interessante para mim, e é daquelas em que o mal-fadado e famigerado "socializar" não se exige nem é pré-requisito, pelo contrário. Será que, sendo eremita, conseguimos apagar os traços que deixamos, todos os dias, atrás de nós a marcar a nossa presença? Ou serão estas pegadas indeléveis, e todo o ser humano marca inevitável e eternamente os sítios e as pessoas que, brevemente ou não, fizeram parte da sua vida?

É muita filosofia para a minha pobre cabeça.

Os vizinhos já se calaram.

Quem és tu, Michael Corleone


Ando a rever a saga dos Padrinhos, e estou novamente intrigada pelo Michael Corleone. O pai, o Vito, interpretado pelo grande Brando, percebo relativamente bem - um bom tipo, que desenvolveu os negócios de uma forma pouco lícita para sustentar a família (como ele diz, "I don't apologise for taking care of my family"), mas com princípios - não se quer meter no negócio da droga, por exemplo, porque acha que é sujo demais, até para ele, e em geral é um homem de família, boa pessoa, com quem não podemos deixar de simpatizar, especialmente depois de o vermos, pequenino, recém-chegado aos Estados Unidos, a abrir a boca pela primeira vez para cantar à vista da Estátua da Liberdade. Eu, pelo menos, simpatizo com o Vito. Agora, o Michael, não percebo muito bem. Não sei se gosto dele, se não. No início da saga, é um herói de guerra, um jovem garboso e bonzinho, elegante e contente na sua aculturação americana, inteligente, o benjamim da família. Depois, torna-se frio como gelo, mais duro ainda do que o pai, mais cruel e impiedoso, que medo! Até o casamento parece ser calculista. Eu, pelo menos, nunca percebi como é que o Michael vai para a Sicília e casa lá com uma siciliana, e depois vem para a América e já decide que o melhor a fazer é casar com a americana. Tudo bem que a siciliana morreu, mas mesmo assim. Cá para mim, foi uma estratégia calculada para poder ter filhos e uma sucessão condigna.

Ora, o que me intriga é que seria muito fácil pensar-se que o Michael Corleone é, por exemplo, um psicopata, quando se percebe perfeitamente que não é. A morte do irmão Fredo, ordenada por si, atormenta-o para sempre. É também um homem que gosta genuinamente dos filhos. O que acontece é que a sua ocupação profissional exige que ele se torne empedernido, o que faz alguma impressão. Por acaso, acho que o Al Pacino desempenha o papel exemplarmente bem. Consegue um olhar verdadeiramente glaciar e uma autoridade indiscutível, de pedra. Grandes filmes, estes Padrinhos.

Estas personagens da Mafia, tipo Michael Corleone e Tony Soprano, são interessantes porque representam até ao extremo a duplicidade que todos temos na vida. Não me querendo comparar com um chefe da Mafia, nem ninguém que eu conheça, é normal que eu e as outras pessoas sejam uma coisa no trabalho e outra bastante diferente em casa. Acho bem que seja assim, porque no fundo o nosso trabalho não precisa de nós tal como somos, mas apenas daquilo que conseguimos fazer. Com o Tony Soprano e o Michael Corleone, a duplicidade chega a extremos porque o trabalho deles implica matar gente, o que deve dificultar a normalidade que se quererá ter em casa. Não percebo como é que eles conseguem. Se eu tivesse a profissão deles, passava a vida a chorar pelos cantos com remorsos, mas eles conseguem lidar com isso.

Estes filmes da Mafia são muito educativos, realmente.
Nota final para dizer que a Vanity Fair publicou no mês passado uma reportagem interessantíssima sobre o making-off do primeiro Padrinho, aqui.

sábado, 28 de março de 2009

Não há pior série de televisão do que esta. Não há.


Há imensas séries de televisão que gosto de ver e, normalmente, quando estreia uma, tento sempre ver uns quantos episódios para ver se vale ou não a pena continuar a assistir. Acho mesmo que há séries que justificam ficar em casa em vez de ir ao cinema ver certos filmes - Sopranos, Sete Palmos de Terra, que infelizmente já acabaram.
Outras séries há que são muito publicitadas e têm muita audiência, embora não se perceba a causa de tanta popularidade. Que algo brilhante e fabulosamente bem escrito como os Sopranos ou Seinfeld sejam fenómenos de audiência, percebo, acho bem e dou a minha contribuição como espectadora (ou melhor, dei), mas que séries como Anatomia de Grey sejam sucessos, francamente, desgosta-me e irrita-me, e irrita-me hoje em particular, que estou cheia de trabalho e para variar não consigo fazer nada, de modo que uma boa ideia para descarregar a irritação é vir para aqui dizer mal de programas sem sal como a Anatomia de Grey. Tudo nesta série é sofrível, a começar pelos actores. Olham todos para o vazio, com ar de mosca-morta, sem qualquer expressão, sem qualquer sentimento, apenas preenchidos de uma falta de talento que faz impressão. Não sei quem é que se lembrou de escolher a rapariga que faz de Grey para actriz principal, mas meu Deus, tamanho tédio nunca eu antes vi, sem contar talvez com a carinha laroca e deslavada da Nora Jones, que é outra que mal começa a cantar me dá uma vontade indómita de adormecer, tal o registo é monocórdico, parado, achatado. Antes de adormecer, penso que seria boa ideia alguém dar um tabefe bem dado na cara da que faz de Grey, a ver se ela tem alguma reacção de gente.

Depois, acho que raramente vi uma série tão mal escrita como esta Anatomia. Todas as personagens falam de forma exactamente igual e têm todas a mesmíssima personalidade - os mesmos problemas, as mesmas inseguranças, famílias parvalhonas, azar no amor, imensa, impossível dedicação ao trabalho e ao bloco operatório, e consequentemente falam todos da mesma maneira irritante e à moda: "you're so in love with him", "I'm so not", "you so are", "you're totally getting on my nerves, like, totally", etc. Aargh. Mais do que os maus actores, a má e incompetente escrita da série irrita-me, porque, sendo um programa de televisão tão popular, com tantos recursos, seria de esperar que se fizesse uma forcinha para apresentar qualquer coisa de jeito e contratar argumentistas vagamente decentes. E isto sem falar na preguiça do argumento, que põe os actores todos, constantemente, em interiores (salas de hospital, operações) e nunca por nunca os vemos no exterior a tomar um cafezinho, por exemplo. Mais vale mudar para o AXN e ver o Serviço de Urgência, que é faca e alguidar até dizer chega, mas pelo menos mostra uma vida, curiosamente, mais normal, além de ter aquele médico croata giro, giro, giro, que, coitado, tem um azar descomunal, primeiro vem da Croácia porque perdeu a família toda na guerra, e agora não encontra namoradas de jeito nos States.

E chego à conclusão de que já vi mais episódios da Anatomia de Grey do que devia, de modo que posso parar o post por aqui. Já despejei a irritação, estou mais aliviada, pode ser que agora consiga trabalhar com mais afinco.

quinta-feira, 26 de março de 2009

E eu penso para mim, que maravilhoso mundo

Realmente, a globalização é uma coisa fascinante. As empresas inglesas, públicas e privadas, gostam de ter os seus call centres não no Reino Unido, como seria de esperar, mas, surpresa das surpresas, na Índia, país em que a indústria prospera e medra saudável e elegantemente, e onde um mar de gente com cursos universitários espera ansiosamente telefonemas de cidadãos britânicos que, maravilhados com esta eficiente ideia, passaram literalmente horas ao telefone à espera que lhes atendessem a chamada. Quanto aos indianos que trabalham nos tais call centres, são qualificados, falam, ao que parece, um excelente inglês, polido com aulas e treino para se assemelhar o mais possível ao britânico, deixando o sotaquezito indiano de lado, além de estarem familiarizados com a cultura inglesa, do estilo falar sobre o tempo, telenovelas e isso. Impressionante, a formação desta gente. Já há esquemas que levam trabalhadores britânicos a "estagiar" em call centres indianos, e trabalhadores indianos a fazer formação em Inglaterra para trabalhar em call centres. Segundo um artigo do Guardian, estes cursos são cobiçados porque "ambitious graduates with excellent English aspiring for managerial jobs can upgrade skills and get international experience." Ao que parece, pois, trabalhar num call centre na Índia é um emprego desejável, sendo a procura e a oferta de tal modo que a Índia já recruta no Vietname, por exemplo, para conseguir responder à procura das empresas britânicas que precisam de gente a atender telefones. Já houve quem tivesse a ideia de investir em comunidades indianas mais pobres, dando-lhes mais meios e instrução, e como consequência alojamento mais digno e condições sanitárias, para que a população das mesmas comunidades possa arranjar emprego em call centres, evitando assim ter de se recorrer a estrangeirada para atender mais telefones, conforme explica este outro artigo. Como diz o Guardian, talvez estes casos ilustrem como a procura desenfreada do lucro pode, por vezes, contribuir para diminuir os contraste entre ricos e pobres num país que apresenta esses mesmos contrastes de forma chocante.
Tudo isto para dizer que, não negando que a globalização possa fazer jeito de quando em vez, acima de tudo, e em casos como este, faz-me impressão e causa-me irritação (rima).
Que tristeza.

Happiness is a warm gun

O título deste post é uma emboscada, uma artimanha, para as pessoas pensarem que o post vai ser estranho e interessante, e depois lêem até ao fim e descobrem que não é. Porém, este post versa, de facto, sobre a felicidade.
Estava a falar com uma amiga há pouco tempo, e ela, a meio da conversa, diz-me qualquer coisa como "vou perguntar-te se está tudo bem, mas não precisamos de ficar muito tempo a falar da tua felicidade". Ela disse-me isto porque, até aí, a nossa conversa concentrara-se no drama, na agrura e na amargura, na complicação, na relativa infelicidade. Há sempre imensa coisa a dizer quando o dramalhão e a infelicidade são o cerne da questão. Há pouquíssimo a dizer no que respeita à felicidade. Esta última permite dizer "sou feliz"; os primeiros permitem dizer "não sei o que hei-de fazer à vida, tanta escolha, tanto caminho, o meu namorado é parvalhão, não gosta de mim, ou eu não gosto dele, o amigo dele é mais giro e já gosta de mim, mas se for infiel sou uma putéfia, e eu não quero ser isso porque fui educada para ser uma mulher séria, mas ao mesmo tempo o meu namorado não é homem para mim, se calhar o melhor é acabar com ele, mas e depois se fico com saudades, mas e depois se afinal quiser casar com ele, oh meu Deus, se calhar não encontro ninguém melhor, e se o amigo dele afinal for um grande parvalhão também, depois fico sozinha, não posso ficar sozinha, não posso ficar sozinha, não posso ficar sozinha, oh, ajuda-me, oh, diz-me o que posso fazer, oh!", e etc.
O aspecto positivo de se ser infeliz é que se tem muito mais a dizer, e portanto tornamo-nos pessoas mais interessantes. A felicidade não é grande estímulo intelectual, e por isso é pouco produtiva e entediante - gostava de saber que tema de conversa é que se pode ter com uma pessoa feliz. Além disso, a felicidade também leva à preguiça e ao excessivo comodismo, porque, se se é feliz, que mais há a exigir da vida e do mundo? É só descontrair e ficar a olhar, o que é nefasto, porque todos temos de cerrar os punhos e andor, que a vida é uma batalha, etc. e tal.
No entanto, eu devo dizer que hoje, e porque finalmente o carro que eu infelizmente estampei veio da oficina, estou mais feliz do que infeliz, de modo que não tenho, de facto, muito a dizer.

quarta-feira, 25 de março de 2009

Truman Capote

Bom, venho aqui expressar algo que há muito queria já ter expressado, e que é a minha completa admiração por Truman Capote, de quem sou fã, fã, fã. Quando era pequena, e não sei porquê (quer dizer, talvez até saiba), confundia este nome com Tenessee Williams, mas agora já sei muito bem distinguir um do outro. Nunca li nada de Tenessee Williams, mas já vi filmes com argumentos seus, de modo que quero muito lê-lo; voltando a Truman Capote, sou fã, e isto apesar de ter apenas lido In Cold Blood. Não li, nem nunca lerei, Breakfast at Tiffany's, porque detesto o filme, e devo confessar que sinceramente, se há algo que a Audrey Hepburn me transmite é irritação, com aquela carinha laroca e fofinha e queridinha e aquela parvoíce de passar o filme com tiradas em francês. Como o filme me irrita bastante, duvido que venha a ler o livro, mas quanto a In Cold Blood, meu Deus, que portento de livro. Tão bem escrito, tão poderoso, tão bem argumentado, que manipulação tão bem feita (manipulação, sim, porque faz com que o leitor desenvolva uma simpatia, e até empatia, com o criminoso Perry impossível de evitar), que ilustração tão eficaz, tão viva, das pessoas que, como Capote dizia, entraram na vida pela porta das traseiras. E depois aquele retrato do interior dos Estados Unidos, aquela vidinha isolada, meios pequenos, toda a gente se conhece, embora vivam no meio de nenhures, naquelas quintas tipo o Kansas da Dorothy no Feiticeiro de Oz. Que gente tão estranha.

Como género, In Cold Blood também me interessa, na medida em que, como romance documental, ou romance não ficcional, ou o que seja, mistura ficção com realidade, investigação e factos reais, o que me parece muito produtivo. É precisamente devido a esta mescla de invenção com realidade, que é igualmente um desafio ao nível da escrita pelo registo ambíguo que exige (não é bem texto jornalístico, não é bem romance ou ficção), que Capote, com o seu In Cold Blood, me parece tão interessante.
Estou agora a ler Answered Prayers, que Truman Capote não conseguiu terminar, e, estando apenas no princípio, o cinismo incontido e a desilusão, curiosamente bem humorada, desta obra fascinam-me. É um livro recheado de verdades amargas, mas tão sarcásticas e engraçadas que se tornam irresistivelmente atraentes, como ilustra, acho eu, o excerto que deixo aqui, e que se refere a uma escritora da moda, Alice Lee Langman, daquelas que, na vida real, ficaria sempre bem ler e dizer que se gosta:
She was not afraid of thunder, nor of anything else - except unreturned love and commercial success. Miss Langman's exquisite renown, while justified, was founded on one novel and three short-story collections, none of them much bought or read outside academia and the pastures of the cognoscenti. Like the value of diamonds, her prestige depended upon a controlled and limited output; and, in those terms, she was a royal success, the queen of the writer-in-residence swindle, the prizes racket, the grant-in-aid-to-struggling-artists shit. ...Miss Langman, like those circus midgets who lose their living if they grow an inch or two, was ever aware her prestige would collapse if the ordinary public began to read and reward her.

Muito arguto, o Truman. Este excerto não me parece nada ficcional.

Post sobre nada

Gosto de reservar algum tempo para pensar sobre coisas irrelevantes, o que normalmente acontece quando vou a conduzir ou, esta semana, e "derivado" ao facto de ter estampado o carro, enquanto vou embalada no autocarro. O pensamento irrelevante que me tem ocupado nos últimos dias é o prazer de falar sobre nada, de discutir sobre nada, de não fazer nada. Sei que não sou original nisto - a grande série Seinfeld era, precisamente, nas palavras de Jerry Seinfeld e Larry David, um programa de televisão sobre nada, sobre pessoas que não faziam nada. E Seinfeld provou exemplarmente como isso pode ser tão interessante - não precisamos sequer de começar aqui a discutir aquelas coisas mais elevadas e filosóficas tipo niilismo ou pessimismo e Nietzsche e tal e a vida e o absurdo e Sartre e mais não sei quê e depois chegar à conclusão que a vida, afinal, não é nada. Não precisamos de falar sobre isso porque não é sobre este "nada" filosófico que estou a falar. No entanto, descobri recentemente, numa revista que visa ser a Cosmopolitan uni-sexo dos intelectuais, a Intelligent Life, convenientemente publicada pela Economist, e convenientemente, também, recheada de artigos curtos mas satisfazendo amplamente as quotas de name-dropping exigidas neste tipo de publicação, dizia, descobri nesta revista que até há um livro sobre este nada filosófico e existencialista ("nothingness", o termo que a imensa e admirável flexibilidade da morfologia inglesa inventou para o designar), aquele que nos faz pensar na morte, no sentido da vida, e outras coisas que em geral são uma estupidez porque todos sabemos que os Monty Pithon já responderam a tudo isto (de qualquer modo, aqui fica o link para o artigo, embora eu, sinceramente, ache que não vale assim muito a pena ler).
Como dizia anteriormente, não é sequer este nada filosófico, mais existencialista e mais nobre, que me tem ocupado; não é. É aquele nada mais comezinho e irrelevante, aquele nada de todos os dias, indiferente, feito de coisas e questiúnculas que nunca nos vão servir para nada (ora aqui está), como por exemplo, será que na vida real poderá mesmo existir um Batman?, e interrogo-me sobre isto porque sei que há um senhor, o E. Paul Zehr, que escreveu um livro sobre isto e tudo. Eu acho que até gostaria de ler este livro, porque o Dr Zehr parte da premissa que, se o Batman é o único super-herói verdadeiramente humano (que é a razão que me leva a gostar mais do Batman do que do Super-Homem, por exemplo, além de que o Super-Homem, enfim, é um bocado chato, um bocado drama queen), dizia, se o Batman é apenas humano, então talvez possa verdadeiramente existir na vida real um homem equivalente ao Batman, com muito treino, prática e alguma tecnologia, o que levanta questões de ordem ética, ontológica, política, até - What are the odds that an ordinary billionaire like Bruce Wayne could acquire the physique and hand-to-hand fighting skills to defeat supervillains? Zehr, a Canadian neuroscientist and martial arts black belt, looks at the science of the body's capability to respond and adapt to... extremes (tirei da Amazon). Deve ser giro, este livro, mas não deixa de ser sobre nada.
No fundo, nas nossas vidas confortáveis, herdeiras de anos de capitalismo por todos abençoado e consumo desambaraçado e sedutor, é fácil ocupar a mente com este "nada" oriundo de uma cultura meio urbana, meio pop, meio televisiva, em que é giro discutir quem é que fala de forma mais engraçada, se o Pato Donald, se o Daffy Duck, porque é que os bonecos da Disney são tão assexuados e nem precisam de usar cuecas e são todos tios e sobrinhos e nunca mães e pais e filhos, qual é que a banda mais fixe do momento (não sei qual é, tenho andado desactualizada, mas os Vampire Weekend sei eu que não são, safa), quem é que ganha numa luta entre o Homem Aranha e outro qualquer anódino Marvel, se vale ou não a pena deixar de ler Paul Auster porque agora já não parece bem, se se escolhe Zon ou Meo. É este nada que me tem vindo a ocupar. Agora que escrevi sobre isto, percebo que é, efectivamente, um imenso nada.
E, por acaso, acho que o Pato Donald fala de forma mais engraçada que o Daffy, embora goste mais dos desenhos animados com o Daffy. Os bonecos da Disney são assexuados por causa das crianças. Banda fixe não conheço. Não gosto da Marvel, mas sempre achei que o Homem Aranha, nem que fosse devido àqueles olhos em bico assustadores, ganharia sempre tudo; se me apetecer ler Paul Auster, leio; nem Zon nem Meo.
E já não tenho mais nada a dizer, excepto que uma coisa que me levou a começar este blog foi, precisamente, a necessidade de poder falar sobre nada. Este é um blog sobre nada, e quando o comecei, há mais ou menos seis meses, pareceu-me um bom tópico para um blog. Mas talvez devesse ser um blog sobre qualquer coisa. Não consigo decidir o quê. Vai continuar a ser um blog sobre nada, portanto.

AL/DL


Respondo muito tarde, mas com muitíssimo agrado, a este desafio tão interessante com que o Manuel me interpela, e tenho de lhe voltar a agradecer por se ter lembrado de mim e me ter feito lembrar de uma série de poemas que, como as pessoas gostam de dizer, "marcaram". A ideia é relembrar "pequenas gotas de alma que ficam connosco", e aquela que para mim é das mais importantes, e até bastante grande, é sem dúvida a poesia de Federico Garcia Lorca, o primeiro poeta que li a sério. A minha relação com a poesia tem dois momentos claros: antes de Lorca e depois de Lorca. Foi com ele que comecei a ler poesia de uma forma que talvez possa designar por "sistemática" (as antologias poéticas de Lorca, e respectivas traduções para inglês e português, que comecei a gostar de comparar a partir da adolescência, foram os primeiros livros de poesia que li do princípio ao fim, quando até aí sempre pensara, não sei porquê, que não se lêem livros de poesia do princípio ao fim, mas apenas poemas "em avulso"), e foi definitivamente com Lorca, também, que me deslumbrei com a poesia. Como leitora eminentemente de prosa, como continuo a ser, o que aprendi com os gloriosos poemas do querido Federico é que a poesia é uma luta magnífica e verdadeira com a linguagem. É o que me parece, não consigo explicar melhor nem o vou tentar fazer. De qualquer modo, foi depois de Lorca que tive o estímulo para ler mais poesia, levando-me assim ao meu querido Cesário Verde, que é o outro poeta que, a par do Federico, mais leio ("sistematicamente" - que palavra tão feia).

Deixo aqui uma "gota de alma" de Federico Garcia, que me mata devido àquele chamamento quase no final, "Ay, Federico Garcia, llama a la Guardia Civil!". Tinha um CD com o João Villaret a dizer este poema e era de ir às lágrimas de emoção. Arrepios, também. E nem me vou pôr aqui a falar da assombrosa repetição a las cinco de la tarde, a las cinco en punto de la tarde, ou do grito incontido que no quiero verla!, porque isso, realmente, transcende tudo e as minhas pobres palavras não conseguem exprimir tanta emoção.

Fico-me, pois, por aqui, com Morte de Antoñito el Camborio, "Romancero Gitano", do grande Federico Garcia Lorca:

Voces de muerte sonaron
cerca del Guadalquivir.
Voces antiquas que cercan
voz de clavel varonil.
Les clavó sobre las botas
mordiscos de jabalí.
En la lucha daba saltos
jabonados de delfín.
Bañó con sangre enemiga
su corbata carmesí,
pero eran cuatro puñales
y tuvo que sucumbir.
Cuando las estrellas clavan
rejones al agua gris,
cuando los erales sueñam
verónicas de alhelí,
voces de muerte sonaron
cerca del Guadalquivir.
*
Antonio Torres Heredia,
Camborio de dura crin,
moreno de verde luna,
voz de clavel varonil:
Quién te ha quitado la vida
cerca del Guadalquivir?
Mis quatro primos Heredias
hijos de Benamejí.
Lo que en otros no envidiaban,
ya lo envidiaban en mí.
Zapatos color corinto,
medallones de marfil,
y este cutis amasado
con aceituna y jazmín.
Ay Antoñito el Camborio
digno de una Emperatriz!
Acuérdate de la Virgen
porque te vas a morir.
Ay Federico García
llama a la Guardia Civil!
Ya mi talle se ha quebrado
como caña de maíz.
*
Tres golpes de sangre tuvo,
y se murió de perfil.
Viva moneda que nunca
se volverá a repetir.
Un ángel marchoso pone
su cabeza en un cojín.
Otros de rubor cansado,
encendieron un candil.
Y cuando los cuatro primos
llegan a Benamejí,
voces de muerte cesaron
cerca del Guadalquivir.

segunda-feira, 16 de março de 2009

Crime e castigo

Lembrei-me agora de uma coisa que se passou há anos e anos e anos atrás, mais concretamente quando eu andava no ciclo, que agora se chama 2º ciclo, ou ciclo-complementar-ao-ensino-primário-e-anterior-e-de-preparação-ao-3º ciclo-que-é-secundário, ou sei lá como se chama, porque sinceramente perdi a conta às designações no ano em que, precisamente, acabei o ciclo e passei para o secundário. Enfim, uma vez estava no ciclo a ter uma qualquer aula e entra uma senhora contínua, que bichana algo à professora. A professora interrompe a aula e diz, com um ar solene, severo, seriíssimo (estas palavras desagradáveis começam todas por "s", que coisa!):
-Bem, ó meninos, parece que as carteiras têm aparecido riscadas demais.
Silêncio.
-A partir de agora, quem for apanhado a escrever nas carteiras vai logo ao Conselho Directivo.
Silêncio de alguns minutos. A senhora contínua sai, e continua-se a aula.
Tenho a certeza, até hoje, como tive naquele momento, que a culpada desta ameaça era eu. Eu sei que a culpada das carteiras estarem tão riscadas era eu. Eu sei que era eu porque havia momentos em que o meu único escape na escola era começar a desenhar bonecas e princesas e estrelas e príncipes e castelos e meninos a jogar à bola e tentar desenhar piões (nunca consegui desenhar um pião como deve ser) e bolos com cereja por cima. E também sei que uma vez olhei para a carteira e verifiquei, com algum horror, que estava coberta de desenhos, porque já nessa altura eu tinha comportamentos de dependência, ou de "adição", como se diz agora: começava por um desenhinho, apenas, uma inocente e pequenina fada, e pensava que ia ficar por ali. Mas depois tinha de desenhar o castelo da fada. E depois o céu. E depois o cão da fada. E depois os bolos que a fada comia ao lanche. E entretinha-me com esta compulsão e não conseguia parar. Nunca fui capaz de parar.
E portanto era eu que enchia as mesas de desenhos. Depois do aviso, passei a encher apenas o caderno, que era onde deveria ter desenhado sempre, em vez de me comportar que nem uma vândala.
Que vergonha.
Escrevi este post, qual Raskolnikov, para aliviar a consciência pesada, que é uma grande bitch.

Patinhas no chão, formiga ao trabalho

As pessoas que habitam o meu mundo estão convencidas de que eu não trabalho. No fundo, têm inveja. Têm inveja de eu ter tempo para ir tomar café e ver DVDs e ir ao cinema e ir jantar fora quando posso. Têm inveja. E depois dizem-me, para se vingarem, "mas tu pensas que eu tenho a tua vida?", "mas tu deves achar que eu tenho o teu tempo", e coisas assim.
Isto é profundamente injusto, porque eu sou uma pessoa que está sempre a trabalhar. Eu trabalho imenso e só penso em trabalhar. O meu sonho é ser a formiga que guardas as migalhas e depois ralha com a cigarra, que, por acaso, até canta um bocado mal. Eu quero ser esta formiga. Todos os meus dias são ocupados por este imenso desiderato, ser a formiga. Portanto, acho injusto que as pessoas se vinguem em mim quando eu sou a primeira a reconhecer que a vida delas é que está bem: trabalhar, ter responsabilidades, assumir compromissos, trabalhar, ter responsabilidades, assumir compromissos, trabalhar, ter responsabilidades, assumir compromissos, trabalhar, ter responsabilidades, assumir compromissos...Estas sãos as linhas-mestras da minha vida, o que prova que eu sou tão boa como as pessoas que deploram e desprezam o meu tempo livre, ou por outra, o tempo que elas acham que eu tenho livre, que na verdade não tenho.
Eu sou uma pessoa ocupadíssima e quero viver sempre assim, ocupadíssima, sobrecarregada de responsabilidades e, acima de tudo, sem nunca cometer esse pecado capital que é ter tempo livre. A formiga não tem tempo livre, e eu quero ser como a formiga, e não como a cigarra, como já disse.


Adriana Calcanhotto - Formiga Bossa Nova - Adriana Calcanhotto (não consegui encontrar a versão da Amália, mas a Adriana também canta bem)

No filme "Lolita", e não sei se no livro também, a Mrs Haze pergunta a Humbert Humbert se ele acredita em Deus, ao que Humbert responde "Não é uma questão de eu acreditar em Deus, mas sim uma questão de Deus acreditar em mim".
Exemplarmente bem visto.

sexta-feira, 13 de março de 2009

15 minutos - parte II

Lembrei-me agora que este post, no blog sobre as edições Afrodite, tem a ver com o post sobre as "leituras malditas", mais ou menos, ao apresentar o prefácio de Natália Correia para a Antologia de Poesia Erótica, inicialmente publicada pela Afrodite.
É isto, queria deixar esta adenda.

A frase


Respondendo a este desafio do manuel a. domingos (obrigado, manuel!), deixo aqui a 5ª frase da página 161 do livro que estou a ler:

"During spells of over-excitemente he was the only doctor who could 'do anything with her.'"

Tender is the Night, F. Scott Fitzgerald.

Acho que isto era o F. Scott, outra vez, a dizer mal da mulher, da Zelda Fitzgerald.
Adoro dizer este nome: Zelda Fitzgerald, Zelda Fitzgerald, Zelda Fitzgerald...
Soa tão bem, com a personalidade e o zumbido de todos os "zês". Há letras com uma grande sonoridade, e que transmitem aos nomes próprios essa sonoridade carismática. O Z, o R (não estou a puxar a brasa à minha sardinha, como se diz, mas acho o R uma letra toda cool. Não gosto de Rute, mas gosto de Rebeca, por exemplo, que está nos píncaros da piroseira, mas que é também o nome do livro da Daphne du Maurier e respectivo filme do Hitchcock. Se a personagem, em vez de se chamar Rebeca, se chamasse Patrícia, peço desculpa mas não era nada a mesma coisa, e isto porque o P não é bem, bem um R - um R faz sempre falta, como se vê pelo exemplo do Ricardo Coração-de-Leão, que salvou Inglaterra), o C (pronunciado "k" - Katarina, por exemplo), o F, são letras assertivas. Gosto delas.

E também acho que o F. Scott devia ser daqueles tipos que se irrita imenso com as mulheres. Ao que parece, não tinha muita paciência para a sua própria mulher, e inventou muita personagem feminina insuportável, problemática, neurótica (a Daisy do Gatsby é das personagens literárias que eu mais odeio, e curiosamente é também uma das razões para eu gostar tanto deste livro).

E pronto, a frase é aquela que eu acima escrevi.

Deixei a capa do Tender no post porque o cabelo da menina, e a fotografia em geral, é mesmo giro e merece ser apreciado.

quinta-feira, 12 de março de 2009

15 minutos


O livro "Dicionário Infernal", de Collin de Plancy, foi pela primeira vez editado entre nós em 1969 [...], já na altura com tradução e introdução de Ana Hatherly, que em inteligente prefácio à presente edição recorda tudo isto, contrapondo a situação que se vivia então em Portugal com a de hoje. Passando pelo próprio estado de espírito, pelas mentalidades e pela coragem, pois aceitar fazer a abordagem de um trabalho como este durante o fascismo podia ser visto como um verdadeiro acto de sacrilégio. De pura provocação.E no entanto é uma obra belíssima e divertida, que aos olhos de agora corre o risco de parecer até ingénua. Com uma certa inocência assustada, e por isso mesmo fascinada frente ao mal e aos seus elementos mais fantasmagóricos. Milhares de monstros, demónios, espíritos e diabretes, génios, duendes, feiticeiras... Com os quais, ou a partir dos quais, Plancy foi construindo pequeníssimas e inventivas histórias. Tentando sublinhar, analisar, denunciar a superstição. Superstição de que, apesar de toda a tecnologia e dos grandes avanços científicos dos nossos dias, não nos conseguimos livrar por completo. Como diz Ana Hatherly, fenómeno que faz "parte integrante da história das ideias, da história das mentalidades, em suma, de uma antropologia cultural." Tema esse muito querido para Collin de Plancy, que acerca do assunto não se limitou a escrever apenas este livro, deixando uma obra vastíssima na sua abordagem. Constando até ter inundado o mercado a partir de 1818 com um número infindável de títulos sobre o tratamento do insólito, do demoníaco, do negrume das trevas. Assinando-os com diversos pseudónimos. - tirado daqui.


Um enigma completo é o de saber como é que um editor se atreveu a trazer este obscuro documento, que jazia no fundo da memória de um qualquer bibliotecário perverso, novamente à luz do dia a qual nunca lhe foi destinada. Outro é o da razão que levou uma poetisa de créditos e valor comprovados a empreender esta insólita tradução...Que cada leitor faça o seu juízo. (também no site da Cavalo de Ferro)


Ana Hatherly, no prefácio à sua tradução, diz que traduziu este Dicionário Infernal da mesma forma que traduziu Venus in Furs (só sei o título em inglês, é muitíssimo foleiro, batam-me na cabeça, por favor), de Sacher-Masoch: por rebeldia.


Acho que talvez seja esta, ainda, a razão pela qual se lêem os chamados "escritores malditos", independentemente da qualidade literária que estes detêm (não penso que Sacher-Masoch, ainda que interessante, se possa comparar à grandeza de Sade, por exemplo, mas é apenas uma opinião pessoal). É talvez fascinante, é uma atracção vertiginosa para o abismo, querer explorar as raízes do mal, das trevas e da sombra, destes elementos de superstição populares e "demoníacos" (já são aspas a mais para meu gosto, mas enfim), principalmente nesta época de luz e de avanço tecnológico; mas há também uma certa rebeldia nesta escolha, talvez querer mostrar que, como todos estes malditos, também nós desejamos navegar contra a maré. Ou talvez não seja nada disto, e seja meramente a atracção para o abismo, mas apenas aquela que também nos faz apreciar os pormenores mais escandalosos e gore de um qualquer Big Brother, que nos faz ler livros assim. Mas penso que não, penso que serão mais os nossos 15 minutos de irreverência anti-sistema que explicam, novamente, as "leituras malditas".

Estas leituras, a mim, surpreendem-me sempre ao demonstrar como a mente humana, de facto, após tanta mudança, tanta revolução, permanece tão igual a si mesma, com os mesmos problemas, as mesmas desconfianças, as mesmas neuroses e os mesmos pesadelos, por mais Internet e restantes confortos tecnológicos que lhe sejam oferecidos.

Mais uma vez, não tenho uma frase decente para acabar o post. Quer dizer, ter, tenho, mas está enterrada algures numa qualquer massa cinzenta a flutuar-me no cérebro, à espera que eu a encontre, e isso agora não está a acontecer, de modo que me fico por aqui.

quarta-feira, 11 de março de 2009

Silêncio que não se vai cantar o fado

Por mais que eu adore o esplendor da língua portuguesa, há determinadas frases feitas que me espicaçam grandemente o sistema nervoso, nomeadamente frases apaziguadoras. Detesto frases apaziguadoras. Abomino. Fico nervosa e alterada quando me dizem "mas acalma-te!", com uma entoação exclamativa, irritante e suave, de mestre-escola, como quem diz "não há necessidade de estares aí na escandaleira"; detesto quando me dizem "essa reacção não leva a lado nenhum" - desde quando é que eu tenho de ir a algum lado, a onde quer que seja, em vez de ficar exactamente onde estou? Detesto que me digam "as coisas são como são", detesto que me digam "o que tem de ser tem muita força". Porque é que eu, e as pessoas em geral, não hão-de ter mais força do que este tal "tem de ser"? Acho que estas expressões são opressivas porque nos condenam à inacção. São dizeres falsamente conciliadores que, subtilmente, nos ensinam que o melhor é estarmos calados. E todos sabemos que não há nada pior do que alguém que se cala (já estou como o Manuel Alegre -"a mim ninguém me cala", ou lá como diziam no Contra-Informação).
Digo isto porque tive, hoje, uma arrepiante ilustração de como a apatia nos deforma a condição humana e nos relega para um feliz e confortável silêncio, absolutamente independente e impermeável ao que se passa no mundo. Assisti a uma pequena comunicação, muito didáctica até, sobre a violação dos direitos humanos na China, que finalizou com aquela pergunta clássica, "então se isto nos acontecesse a nós, o que é que fazíamos?". Tudo calado. Perante a insistência do orador, e perante um pertinaz silêncio aterrador, lá se ouviu um fiozinho de voz - "talvez um movimento associativo...". Pelo menos, já foi alguma coisa.
Surpreende-me sempre este silêncio de que as pessoas parecem gostar tanto. Não é que eu própria não me confine ao silêncio em situações em que isso não deveria acontecer, porque de facto confino, mas casos bizarros em que, como já me aconteceu, as pessoas estão no terminal rodoviário à espera de um autocarro que não vem, qual manhoso Godot, sem que uma única se atreva a ir resmungar ou perguntar o que se passa, é algo que me ultrapassa e que não consigo compreender, tanto mais que quem foi saber porque é que o autocarro não vinha, apenas para obter como resposta sorrisos perplexos que tentavam justificar incompetências como "o motorista está atrasado", fui eu. E as pessoas nem quiseram saber o que se passava, permanecendo serenas, imóveis, aborrecidas porém, na plataformazinha número qualquer coisa, literalmente à espera de Godot. Quando o autocarro finalmente veio (nisto, lá conseguiu bater Godot aos pontos), os passageiros entraram, pagaram bilhete e em vez de resmungarem até pareceram ficar aliviados pela camioneta ter feito o favor de aparecer. Foi uma situação absolutamente surreal.
De modo que o som do silêncio, como diriam Simon & Garfunkel, e expressões submissas como estas que abundam na língua portuguesa, o "tem calma", o "o que tem de ser tem muita força", matam-me, e acho mesmo que são muito pouco cívicas.
É esse o grande problema, estas expressões não têm civismo nenhum e isso é nocivo para o povo português. É esta a minha conclusão. Não consegui acabar este post de outra maneira, vai ter de ficar assim.

terça-feira, 10 de março de 2009

Moda antiga


Há coisas que eu aprecio nesta vida. Uma delas prende-se com as boas maneiras. Acho delicioso, as boas maneiras. Ser agradável, simpático, deixar a senhora passar à frente (sim, eu sei muito bem que consigo abrir a porta com as minhas próprias mãos, mas não deixo de achar simpático e bem-educado quando os homens fazem isso. Aliás, acho bastante feio e mal-educado quando eles não o fazem e não quero saber), ou, no caso das senhoras, dizer obrigado se o homem deixa passar à frente (fica sempre bem reconhecer a boa-educação alheia), etc e tal. Sou uma pessoa conversadora, neste aspecto. E talvez seja conservadora em geral, embora goste de pensar que não sou. Aliás, alguém que me cole um papel nas costas a dizer "se eu for conservadora, batam-me na cabeça. Obrigada" (copiei isto de uma partida que uma amiga minha fez a outra rapariga, há muitos e muitos anos atrás, na escola - colou-lhe um papel nas costas que dizia "se eu for feia, batam-me na cabeça. Obrigada". Ainda hoje me rio imenso com isto, porque não teve consequências nocivas - a rapariga não era feia, ninguém lhe bateu na cabeça. Mas enfim, reconheço que é uma brincadeira de mau gosto).

Voltando à questão da boa-educação, uma das razões pelas quais aprecio White Stripes é que o Jack White, que escreve as músicas, parece ser um rapazinho com boas maneiras, com uma simplicidade honesta e que por isso acarreta muita delicadeza. Reparei nisto após ouvir atentamente o álbum Elephant, que sinceramente é o único que eu tenho da banda, e portanto o único que ouvi verdadeiramente com muita atenção. Por exemplo, em "Hypnotize", talvez a minha preferida (é fabulosa, esta cançãozinha), canta o Jack: I want to hypnotize you baby on the telephone, I want to hold your little hand, if I can be so bold - além de pedir permissão, descreve o seu desejo de dar a mão à menina como um "atrevimento". Há outros exemplos reveladores. Em "I want to be the boy to warm your mother's heart" (só o título já revela como Jack respeita a instituição familiar), pode ouvir-se: I'm inclined to go finish high school just to make her notice that I'm around. Faz o sacrifício de voltar à escola só para impressionar a mãe da namorada (nem sequer é a namorada em si que ele quer impressionar). Numa outra canção do disco, "There's no home for you here", o Jack quer dizer à rapariga que está farto dela, que não a pode nem ver, e que o melhor é ela pôr-se a milhas que ele até se enjoa de olhar para a cara dela. Como é que ele escolhe dizer isto? Assim a sangue-frio, sem freio? Não. O Jack conhece os limites que a boa educação impõe à comunicação humana, e opta por I'm only waiting for the proper time to tell you that it's impossible to get along with you. It's hard to look you in the face when we are talking, so it helps to have a mirror in the room. Isto é delicadíssimo, porque é uma forma muito indirecta e muito pouco agressiva de mandar o outro (a namorada, neste caso) passear.

Aprecio este cavalheirismo.

E, já agora, aproveito para dizer que os Beatles eram igualmente muitíssimo cavalheiros: "please, please me", "so pleeeeee-eee-eeeaaa-se, love me do", que banda tão bem-educada.

E afinal o Jack White foi casado com a Meg White, ou é apenas irmão dela? Não que isto interesse, mas a minha tendência para a coscuvilhice gostaria de saber.







Hypnotize - The White Strips

Alien


Como as terças-feiras são os dias malditos da minha semana, trabalho demais e verifico que penso, também, demais. Nesta terça-feira em particular, pus-me a pensar que, muitas vezes, sou verdadeiramente um fantasma, a flutuar por aí, sem nenhuma verdadeira relação com o mundo. No entanto, tenho, na verdade, uma imensa relação com o mundo, pois basta ter de trabalhar para viver para fazer de mim uma peça nessa grande engrenagem que é a vida na sociedade ocidental, trabalhar, trabalhar, pagar contas, etc. Como dizia Marx, de facto tudo depende das condições materiais das pessoas, e não controlar os meios de produção é terrível porque ficamos alienados. E é isso que me acontece, passo os dias alienada porque tenho de vender os meus meios de produção, e ainda não descobri como é que posso viver de forma independente sem os vender e sem ter de me sujeitar ao preço que o mercado me dá pelas minhas capacidades.

Dantes, tinha uma âncora que me ligava à terra, a minha querida amiga D., que teve de se mudar e foi viver para longe (mas a culpa não foi minha; ela não se mudou por minha causa, não tive nada a ver com isso, mudou-se porque teve de ser). A D. é que me informava das coisas que se iam passando na nossa terra, porque já sabia que eu nunca sabia nada ("olha que a loja tal já não é ali, olha que agora para tratares do assunto y tens de ir ao sítio x", etc.). Aliás, a D. continua a informar-me de tudo, porque, não sei bem como é que ela faz, mas consegue estar sempre informadíssima acerca do que se passa, apesar de estar a quilómetros e quilómetros de distância. Eu, porém, continuo a viver no mesmo sítio e passa-me sempre tudo ao lado. Leio o jornal sempre atrasado, nunca apanho nada a tempo, ando sempre a perder coisas interessantíssimas. Se não tivesse alguns amigos que se compadecem da minha situação, perdia mesmo tudo. Nem sei o que me restava, restar-me-ia apenas tempo para pensar em parvoíces.

Eu tento não ser assim, mas a verdade é que não sei como é que se consegue ser daquelas pessoas activas, que sabem sempre tudo, que no princípio da semana já têm a vida organizada até sexta-feira e que no Domingo, como canta o Jorge Palma, sabem de cor o que vão dizer segunda-feira. Eu nem me importava de saber de cor o que vou dizer segunda-feira. Era melhor do que ter aquela música cruel do Simon & Garfunkel, "I touch no one and no one touches me", a matraquear na cabecinha. Não é nada agradável.

Talvez a coisa se resolva se eu deixar de ler o jornal atrasado e passar a lê-lo actualizado, se eu prestar mais atenção aos anúncios, se ler os folhetos que às vezes se distribuem na rua, se, se, se. Mas para quê?

sábado, 7 de março de 2009

Fashion icon


Esta semana vi, pela primeira vez, um episódio de True Blood num canal que eu descobri que afinal tinha, o Mov. Este canal não presta para nada, exceptuando o facto de transmitir Entourage, de que sou fão absoluta, e este True Blood, que há muito despertava a minha curiosidade por saber que tratava de vampiros, embora nunca tivesse visto episódio nenhum.

Não adorei o episódio que vi, mas percebi que a "premissa" da série é que os vampiros andam à solta, são uma espécie de minoria étnica na sociedade, sofrem discriminação, mas podem casar com pessoas não-vampiras e ter uma vida mais ou menos normal. Fez-me lembrar o quanto gosto dessa magnífica personagem literária que é o Conde Drácula, e quantas teorias há por aí a interpretá-lo como personificações da sífilis, por um lado, ou para alertar para os supostos perigos da homossexualidade, que na altura se acreditavam ser muitos (o Drácula torna as pessoas iguais a ele através do sangue), por outro. Ou, para as mulheres, o Drácula pode significar os azares que andar de mão em mão como as pombinhas da Catrina, ao invés do seguro casamento, pode acarretar. É, de facto, uma personagem literária com muito que se lhe diga, e sem dúvida uma das minhas preferidas. Embora, para mim, o Conde Drácula se relacione fundamentalmente com o estilo. Os mal disfarçados dentes pontiagudos, a longa capa preta, o cabelo puxado para trás à Clark Gable, os olhos cansados e malévolos como os modelos Calvin Klein da onda heroin-chic, etc., gosto da iconografia toda. No fundo, o Drácula é um fashion icon, pelo menos para mim, é, de modo que deixo aqui a foto do meu Drácula preferido, que não é Bela Lugosi, nem Max Schrek (nota, porém, para dizer que Nosferatu é um grande, belíssimo filme e que vale muitíssimo a pena ser visto) nem Gary Oldman, mas o sempre grande e intocável Christopher Lee, que faz um Drácula cheio de classe e inimitável. Aliás, o Christopher Lee tem sempre a louvável capacidade de fazer de mau com uma classe impecável, tão impecável que é impossível não estar sempre do lado dele.

E outra coisa, de onde é que vem a ideia de que o Dracula de Bram Stoker é que é o filme mais fiel ao livro? Não é, pois o filme mais fiel ao livro é precisamente um em que Christopher Lee entra (ele fez de Drácula algumas vezes), mas cujo nome agora não me lembro.

Voltando a True Blood, em princípio vou continuar a ver, mas de facto nada destrona Entourage, série sobre a qual, não sendo sobre vampiros, ou pelo menos vampiros tão óbvios, hei-de escrever um dia, talvez, se a tanto me ajudar o engenho e a arte.

Deixo aqui o genérico de True Blood porque, se foi coisa de que eu gostei, além dos dentes afiados, foi o genérico desta série. Está bem "esgalhado", como se diz, embora seja uma expressão bem feia.


sexta-feira, 6 de março de 2009

Nota de quem está a procrastinar

Eu sou uma pessoa avessa à tecnologia e toda a minha casa é avessa à tecnologia. Tudo o que seja tecnologia encontra um veneno mortal, uma criptonite avassaladora, na casa onde vivo.
A televisão apanha mal os canais todos.
A internet volta não volta não liga.
A cafeteira eléctrica avariou-se e não funciona.
O telemóvel não dá sinal de chamada e depois tenho mensagens de pessoas que me insultam a dizer que eu nunca atendo chamadas.
No telefone de casa, as chamadas ouvem-se mal.
As luzes estão a fundir-se uma a uma.
A placa vitro-cerâmica só acende um círculo, e os outros permanecem frios e apagados por mais que eu pressione os tecnológicos botões (não são botões, são uns desenhos na placa onde a gente carrega).
A campainha da porta não funciona.
O leitor de DVDs risca os dvds todos e faz um barulho insuportável de sofrimento se tento ver algum filme.
No entanto, o Word do meu PC tem-se portado muito bem. O Word é a única coisa que preciso para trabalhar. De modo que não tenho desculpa nenhuma para não trabalhar. De modo que era o que eu devia estar a fazer precisamente agora. No entanto não estou. De modo que o título deste post é o que é.
Há dias em que o trabalho não puxa e a tecnologia não faz nada por nós.

Manual de instruções para conversas banais


Uma capacidade que eu admiro no ser humano é a de conseguir fazer conversa, mesmo quando não está minimamente interessado na mesma (conversa). Admiro as pessoas que conseguem arranjar sempre um tema de conversa, mesmo que seja só sobre o tempo, e daí eu gostar dos ingleses em geral, que falam muito sobre o tempo da ilha deles. Normalmente, diz-se que os anglo-saxões são distantes e reservados e só falam sobre o tempo, mas eu acho que isto, falar sobre o tempo, é uma qualidade muito louvável, e não é nada distante, pelo contrário, até indica simpatia. Indica simpatia porque, ao falarem sobre o clima, a chuva, o frio, os ingleses estão claramente a dizer-me "não te conheço de lado nenhum nem tenho nada para te dizer nem tu a mim, por isso vou falar sobre o tempo para ter oportunidade de ser minimamente simpático e termos os dois algum assunto de conversa sem nos sentirmos totalmente parvos". Eu acho que isto é ser simpático. Da mesma forma que também é simpático que em Portugal, por exemplo, se pergunte sobre a família, quando 90% das vezes queremos lá saber, mas como somos um povo que tem a reputação de ser afectuoso e hospitaleiro, e como queremos manter essa reputação, perguntamos mais sobre a família do que sobre opiniões climatéricas.

Ora, admirando esta capacidade humana para demonstrar interesse artificial pelo outro, e que alguns designariam por "boa-educação", aconteceu-me uma vez ficar sem nada, absolutamente nada, é que mesmo nada, para dizer. Foi num daqueles convívios de trabalho, há alguns anos, em que as pessoas vão porque convém que se conheçam e isso. Fomos a um chamado "pub" e ficámos lá sentados, e eu calhei ficar ao pé de um rapaz e de uma rapariga. Lembro-me de que o rapaz era muito moreno e a rapariga muito ruiva, e eu achei que estava ali bem encaixada, entre aqueles dois seres contrastantes. Ora acontece que, surpreendentemente, o rapaz perguntou-me o que é que eu fazia; perguntou à rapariga o que é que ela fazia; a rapariga perguntou ao rapaz o que é que ele fazia; e ficámos por ali. É que a nossa falta de interesse e curiosidade para ir além destas perguntas óbvias era tão flagrante que nenhum de nós foi capaz de dizer absolutamente mais nada, uma vez que seria embaraçoso, e nitidamente forçado, fingir uma qualquer aproximação. É que nem a conversa sobre o tempo nos poderia salvar. De modo que ficámos ali, calados, o rapaz muito moreno a beber cerveja, eu a beber talvez um Baileys, a rapariga ruiva a não beber nada e a ficar quieta a olhar para as mãos (lembro-me assustadoramente bem da cara dela, enfiada, meio envergonhada, a olhar para baixo para as mãos encolhidas), e a partilhar aquele momento estranhíssimo, evitando cruzar olhares. Nada. Não tínhamos nada, nada, nada para dizer ou conversar (chegara a hora de acabar, como cantaria Fernando Tordo se lá estivesse).

Que momento tão estranho. Nunca me tinha acontecido nada de semelhante, sentir que tinha um absoluto e redondo zero para dizer a alguém, e a partir daquele dia fiz questão de treinar umas quantas perguntas-chave que tenho engatilhadas, prontas a proferir, de cada vez que conheço alguém novo a quem não tenho muito que dizer, para que a situação não se repita. É um método que eu desenvolvi e que é parecido com aqueles livros de aventura role-play, divididos em parágrafos numerados ("se escolher matar o monstro, vá para 365; se escolher voltar à bifurcação, vá para 77", etc.). A pessoa diz-me o nome, pergunto-lhe o que faz; se é de uma área similar à minha - digo que é interessante, faço uma pergunta levemente relacionada com aquilo em que eu própria trabalho; se é de uma área que não tem nada a ver - digo que é interessante à mesma, que sempre quis saber do assunto mas que nunca tive tempo; a pessoa começa a explicar e ficam no mínimo uns dez minutos de conversa garantidos. Se a pessoa se entusiasmar, deixo-a falar; se não se entusiasmar e começar a esmorecer, pergunto onde vive; se for perto de mim, faço uma outra pergunta sobre a região; se for longe, digo que é um sítio interessante, que sempre quis lá ir mas nunca tive tempo, e já lá vão mais uns dez minutos, o que no mínimo perfaz já vinte minutos, limite de tempo mais do que socialmente aceitável para se falar com alguém que não se conhece, de modo que a partir daí já posso inventar uma qualquer desculpa e ir-me embora. E fica o caso resolvido.

Este útil método provém, assim, dessa verdade evidente que é aprendermos as nossas maiores lições com a escola da vida. E com esta frase poderia o Nicholas Sparks, talvez, terminar muitos romances, com umas estrelas e uns arco-íris à mistura.

quinta-feira, 5 de março de 2009

Massive morning

Depois de meses de prática e grande habituação a esse instrumento surpreendente que é o ipod, penso estar em condições de avaliar músicas segundo a altura do dia em que elas devem ser ouvidas. Há música excelente mas que, por exemplo, não dá para ser ouvida de manhã, por qualquer razão que não consigo decifrar. Tom Waits, por exemplo, não dá o seu melhor de manhã. É, definitivamente, para a noite, ou quanto muito para um entardecer mais chuvoso. As manhãs não se adequam à voz agreste, suja e forte do Tom; ele pede uma altura do dia mais alcoólica e mais dura. Já Chan Chan, por exemplo, da banda sonoroa do Buena Vista Social Club, é a mais perfeita música da manhã, seguida, e esta sim, a perfeição máxima da manhã urbana, trânsito, buzinas, escapes, de Unfinished Sympathy dos Massive Attack. Se quero começar o meu dia com qualidade de vida, é ouvir os Massive em altos berros com esta belíssima música. A batida adapta-se ao ritmo da manhã, ao dia de trabalho, querer despachar tudo à espera de uma coisa melhor que há-de chegar - e isto porque a senhora canta "like a soul without a mind, in a body without a heart, I'm missing every part, hey, hey, hey....", isto é, ficamos à espera que a tal parte que falta chegue. Dá um certo optimismo que calha bem de manhã bem cedinho. E o vídeo desta canção é um clássico. Gosto de me lembrar do vídeo quando ouço a canção. Dá um ar muito urbano a tudo e dispõe mais para o trabalho. Embora também seja ligeiramente deprimente, agora que penso nisso.

A oeste nada de novo

Às vezes fico fula com certas coisas. Há certos serviços e instituições, como bibliotecas, por exemplo, que deviam facilitar a vida aos leitores que precisam de as utilizar, e não dificultar. Por exemplo, preciso de certos livros que estão na biblioteca da minha antiga faculdade, onde estive 4 anos. Posso frequentar a biblioteca, mas não posso ter cartão de leitor nem levar nenhum livro para casa, independentemente de estar comprovadamente a fazer investigação, de me fazer muitíssimo jeito ter o cartão, e de, mais uma vez comprovadamente, ter sido aluna daquela instituição, de lá ter pagado propinas, volto a dizer, por quatro-anos-quatro.
Na universidade onde tirei o mestrado, continuo a poder utilizar a biblioteca perfeitamente à vontade, tirar fotocópias à vontade, levar livros para casa perfeitamente à vontade, por um período de dois meses. Tenho cartão de leitor vitalício, renovável de dez em dez anos, acesso a todo o acervo da biblioteca, que é precioso e que dá um grande jeito, e não pago um centavo. Resta dizer que, nesta universidade, estive muito menos de quatro anos. Já para não falar no facto de que, nesta universidade, se preciso de papelada, certificados, comprovativos e quejandos, mando um email e tenho tudo em casa, enviado por correio, numa semana, mais uma vez sem pagar um centavo. Já na minha antiga faculdade, onde passei quatro (quatro) anos, demoram meses, meses, a produzir um qualquer certificado, tem sempre de se pagar, e quem estiver com pressa paga um pequeno balúrdio para poder levantar o papel não no mesmo dia, mas no espaço de 48 horas.
Haja pachorra. Por mais apego e respeito que tenha à minha antiga faculdade, isto é uma completa falta de respeito e é uma vergonha. Deviam perceber que há pessoas que de facto precisam, por motivos profissionais e não por mero capricho, que os serviços funcionem com um mínimo de razoabilidade e eficiência. Tanta coisa com a Europa, a Europa - ponham, então, os olhos na Europa, vejam como funcionam as outras universidades e depois venham falar de Bolonha, de aumentar a competitividade dos nossos licenciados e da nossa investigação. Tudo fogo de vista, não passa disso, porque, e digo isto com sincera pena e grande irritação, tenho a plena consciência e a plena certeza de que não estaria hoje a fazer, ou a tentar fazer, qualquer tipo de investigação se não tivesse a sorte de poder contar com a instituição em que tirei o mestrado e que, mais uma vez com grande pena minha, não é em Portugal.
Para culminar, tento ir ao catálogo on-line da dita biblioteca da minha antiga faculdade e nem vê-lo, parece ter-se volatilizado no éter do ciberespaço. Só dá vontade de largar uma asneira. E não me venham dizer que as coisas estão a melhorar, porque não estão. Pelo menos, na área em que me movo, não estão. Há mais operações de cosmética, que são caras e embelezam, mas que não passam disso.
E mais uma vez escrevi um post cheio de bílis. Aqui fica a intenção de me retractar.

quarta-feira, 4 de março de 2009

Pensamentos telenovelísticos sobre o ciúme ou a falta dele


Acho que a televisão é tal e qual como diz Bruce Springstreen, 57 channels and nothing on.

No entanto, não é a televisão que me traz aqui a esta hora relativamente tardia. Estava entretida a pensar na questão do ciúme e, como consequência, a ter pensamentos bastante telenovelísticos devido a isso mesmo, à questão do ciúme. O ciúme destrói as relações humanas. Medeia torna-se infanticida por vingança e por ciúme, parece-me a mim. Pessoalmente, não consigo deixar de simpatizar com Medeia, embora também pense que o objectivo da peça, pelo menos a versão de Eurípides, que foi a única que eu li, visa precisamente isso. Mas simpatizo com Medeia porque acho que consigo compreender a sua revolta e o seu ciúme. Realmente, aquilo que Jasão fez, trocá-la por outra mais nova e mais parva, não se faz de forma alguma, sob pretexto algum e é imperdoável.


O ciúme é nefasto porque nada traz de bom à vida das pessoas e deve, portanto, ser evitado. Racionalmente, isto faz sentido. E o ciúme em excesso é o maior turn off de sempre - torna as pessoas desesperadas, patéticas, possessivas, tipo cãezinhos raivosos que não conseguimos repeitar, bleagh. Mas será legítimo, ou até desejável, não se sentir ciúme nenhum? Não é, de alguma forma, positivo sentir ciúme para manter acesa a chama, como se costuma dizer? Se o ciúme é assim tão baixo, tão aviltante, como de facto me parece ser, então porque é que essa grande personagem trágica, que é Medeia, fez o que fez e porque é que se escreveu tanto e tão bem sobre ela?

Talvez a resposta resida no facto de o ciúme apenas resultar na arte, e não na vida. Na vida real, o ciúme faz as pessoas vasculharem os bolsos e as gavetas do outro, inspeccionarem telemóvel e emails, procederem a interrogatórios acintosos, e, tristemente, fazerem uma grande figura de estúpidas. Chega a dar pena, é horrível, deve de facto evitar-se esta verdadeira baixeza.

Como tantas outras coisas na vida, e como dizia um antigo professor meu, tudo se encontra nos Gregos, que voltam a dar resposta a esta questão que eu aqui levanto. Quando Eros se enamorou de Psique, ia visitá-la todas as noites, e ela nunca lhe via a cara. As irmãs da menina, talvez invejosas da sua felicidade, começaram a espicaçá-la e a dizer-lhe que, se calhar, ela andava mas era a dormir com um grande monstro. Assustada, desconfiada, Psique espera que o namorado adormeça, no escuro, e acende uma vela para lhe ver a cara, apenas para se deslumbrar com a beleza de Eros e ficar largos minutos em reverente contemplação, de tal forma que acaba por cair um pingo de cera na pele de Eros. Este acorda, olha para Psique muito pesaroso e abandona-a, dizendo-lhe, tristemente, que "o amor não pode viver sem confiança". É claro que Psique vai à luta, acaba por comer o pão que o Diabo amassou, como se diz, para reconquistar o seu Eros, e lá o consegue novamente, mas aprendeu a sua lição - o amor não pode viver sem confiança.
E, com esta breve história, deveria estar para sempre arrumada a questão do ciúme e já mais ninguém para toda a eternidade precisaria de se preocupar com isso. Mas tal não acontece, e portanto voltamos à estaca zero.

Mais wrestling

Fica aqui a primeira parte do tal documentário, Beyond the Mat, que, tanto quanto sei, foi uma das fontes ou inspirações de Dan Aronofsky para The Wrestler. Ainda não vi as partes todas, mas vou ver, porque me parece interessante. E realmente tudo indica que se confirma que o wrestling é espectáculo e coreografia mas que faz, realmente, doer.
É pitoresco que a organização que controla todo o wrestling se auto-denomine World Wrestling Federation. A referência a "world" deve seguir a mesma lógica que faz com que o campeonato norte-americano de futebol ou basebol, ou lá o que é, também seja designado por "World Series", ou qualquer coisa world. Pitoresco, este raciocínio. E, já agora, atentar igualmente no excerto do filme de Woody Allen "Hannah and her Sisters", com Max von Sydow, mais ou menos ao minuto 1:25 (é nas alturas que me sinto uma grande croma geek, and proud. Eh, eh).
E pronto, continuação, bem-haja, até uma próxima, e também enjoy, como agora se diz.

Isn't it ironic

Lembrei-me de um possível verso para uma das canções mais parvas que já ouvi, Ironic, de Alanis Morrissette, o que também diz muito de mim, isto é, a canção é das mais parvas que já ouvi e eu ainda me dou ao trabalho de vir para aqui desfiar o possível verso que poderia figurar na canção.
Adiante, o verso é este:
It's like raaaaaaaiiiiiin, when-you're-ready-to-get-out-to-go-to-the-supermarket-because-if-you-don't-go-you-won't-eat-tonight-because-your-fridge-is-eeeeeeeemptyyyyyyy!
Lembrei-me disto agora porque quero sair para comprar comida, pois não tenho nada que se coma em casa, e está a cair uma bátega imensa. E agora bebia um leitinho com chocolate e estou aqui à míngua, a olhar para a chuva.
Parva da Alanis Morrissette, ou lá como é que se escreve o nome dela.

terça-feira, 3 de março de 2009

Ai, Sade, a falta que tu fazes, a falta que tu fazes

Há pessoas que passam a vida a falar delas. É doloroso assistir a isto. Pessoas que nos interrompem para falar, única e exclusivamente, dos problemas delas. Pessoas que, nós bem vemos, não conseguem produzir um único tópico de conversa que não gire à sua volta. Pessoas que, nós bem reparamos, ficam completamente à nora e sem saber o que dizer quando conseguimos alterar o rumo da conversa e falar sobre nós. É vê-las de sorriso parvo, desconfortável e solitário no rosto, é ver a sua cabecinha a andar à roda a pensar, "oh, ela está a falar dela própria e não de mim! Mas... eu não sei o que dizer, pois se eu sou incapaz de ver um palmo diante do nariz que não sejam os meus próprios problemas! E agora, como fingir que estou minimamente interessado no que ela está a dizer?" É um espectáculo, como disse, doloroso, mas que não deixa de ser engraçado, porque estas pessoas ficam mesmo sem nada para dizer, absolutamente nada, quando não podem falar delas próprias. São como a cortina de ferro. A gente diz coisas e, se não o assunto não versar sobre a vida delas, aquilo faz ricochete e o que nos acerta é somente um desajeitado "pois...". Que angústia, Deus meu.
Não percebo como é que pessoas assim têm amigos, mas o que é certo é que têm, ou pelo menos elas dizem que têm. Imagino-as num jantar de confraternização, várias pessoas à mesa e cada uma a falar desconexamente, sem ouvir os outros, a gritar o mais alto possível os problemas que têm, auto-elogios mal disfarçados, falsa modéstia entristecedora, e pronto, depois vão para casa. Só assim é que compreendo que estas pessoas que carregam consigo o centro do mundo tenham amigos.
Lembrei-me disto ao reler a Filosofia da Alcova, do divino Marquês, como às vezes o Sade é chamado, falando através de Dolmancé: ...não te deixes enganar, minha encantadora amiga: a beneficência é mais um vício do orgulho do que uma verdadeira ostentação da alma; é por ostentação que se dão alívio aos semelhantes, nunca é com a pura intenção de praticar um acto bom".
Aqui está, sem tirar nem pôr (este Marquês é que sabia tudo; queria tanto conseguir escrever como ele, sem entraves de qualquer espécie, uma escrita demolidora, avassaladora, sem respeito nenhum e ainda por cima cheia de humor). Voltando ao tema principal do post, reparo, normalmente, que as pessoas que pensam ser o sol à volta do qual a Terra gira estão, também, muitíssimo convencidas de que são belíssimas pessoas, de coração puro e generoso, porque nada pode haver na Terra que não seja para lhes dar mais uma razão de existir. Se há coisas boas, é para as fazer felizes; se há coisas más, é para elas as poderem remediar e mostrar que são boazinhas. Isto é atroz. Como diz a minha amiga S., não há nada pior do que más pessoas que pensam ser boas pessoas, e eu concordo inteiramente.
E agora termino, é terça-feira, o meu dia maldito, o cansaço pesa, de modo que vim para aqui livrar-me da bílis, destilar o meu rancor, o que é muito mal feito, mas o blogue é meu, portanto fica assim e desculpem qualquer coisinha.

O lado certo da história



Li uma vez qualquer coisa sobre Leni Reifenstahl onde se elogiavam os seus filmes, embora fosse uma pena e um obstáculo intransponível esta realizadora estar "do lado errado da história".
É verdade. Estar do lado certo, ou errado, da história, é importantíssimo. Concordo, como já disse muitas vezes, com Harold Bloom no "Cânone Ocidental" - é o valor estético da obra que interessa e que a define como obra de arte monumental, não a carga política ou histórica que ela contém. No entanto, o problema que vejo nesta posição de Bloom, e como muito bem discute o LB aqui, é que tende a obliterar este critério histórico/político como se fosse absolutamente irrelevante, quando todos sabemos que não é.

Leni Reifenstahl fez filmes de uma beleza assombrosa. Mas, por serem fiéis a uma estética e a uma ideologia nazis, estes filmes são também tenebrosos e profundamente errados. Será que este critério político e ideológico não interfere no próprio valor estético da obra de Reifenstahl? É evidente que interfere. A "politização" que Bloom considera irrelevante será, talvez, um tanto ou quanto irrelevante, de facto, no caso de Ezra Pound, por exemplo, que apoiava Mussolini e o fascismo, embora isso não se reflicta na sua tremenda poesia. Até direi que casos como Gunter Grass, que assumiu ter-se alistado nas SS, são também irrelevantes. Antes de se condenar Gunter Grass como escritor por uma opção polícia que tomou enquanto jovem, será talvez preciso tentar perceber as razões que o levaram a tomar tal decisão. Quanto a mim, devo dizer, não é isso que determina o maior ou menor valor deste escritor, e será provavelmente este tipo de casos que nos fará concordar com Bloom quando este defende, apenas e só, um valor estético sem história e sem ideologia como definidor da grande obra de arte.

Embora, reiterando mais uma vez o que já disse antes e com a consciência de que me estou a tornar uma grande chata, concorde com o critério proposto em "O Cânone Ocidental", não concordo em absoluto com este critério, porque há casos em que estar do lado certo da história engrandece a obra de arte, da mesma forma que estar do lado errado a pode diminuir. Não tenho dúvidas disto. Ter recusado o nazismo engrandece aqueles que já eram, objectivamente, maiores na sua arte, como o meu querido, adorado Kurt Weill (embora, sendo judeu, não tivesse grande escolha; no entanto, Weill foi sempre político e activista até à morte); ter resistido ao fascismo em Portugal apenas aumenta a grandeza de Zeca Afonso, assombroso compositor, que, por razões estúpidas e que não compreendo, me parece muito pouco ouvido nos dias de hoje; ter morrido ao opor-se a Franco, ainda por cima na sua Granada natal, apenas enobrece ainda mais a grandeza de um poeta maior e soberbo, por quem permaneço irremediavelmente apaixonada, Federico García Lorca, e que me conquistou à primeiríssima leitura daquele seu inesquecível poema "a las cinco en punto de la tarde", na minha ida adolescência.

A morte de Lorca, em particular, impressiona por ser a morte de um trovador, a morte da poesia, a morte do rouxinol do "Menina e Moça" do querido Bernardim, ou daquela ode do Keats, enfim, a morte daquilo que, como escreveu Ary dos Santos, "pensa a gente certa". Pelo menos, para mim, a morte de Lorca simboliza isto tudo, e fico sempre emocionada e com uma tristeza galopante ao pensar nisto. Saber que ele morreu por razões políticas e ideológicas interfere, quanto a mim, na grande poesia escrita por Lorca. Não quero dizer que não possamos apreciar a sua poesia desconhecendo este facto; quero apenas dizer que vamos, com certeza, apreciá-la ainda mais, e por isso o valor estético central e absoluto, a-histórico e apolítico, que Bloom propõe como único definidor da arte deverá, talvez, tornar-se mais relativo. É que saber que todos estes poetas maiores estiveram do lado certo da história engrandece, de facto, a sua arte, e isto para mim parece-me indisputável. A próxima vez que vir o Harold, hei-de lhe falar disto.

Para terminar, deixo aqui um poema de, precisamente, o grande Lorca, cantado por outro trovador que também me parece do lado certo da história - esse animal musical que é o maravilhoso Leonard Cohen. "Take This Waltz" é de ir às lágrimas de comoção. Ouçamos, pois, com toda a reverência, com todo o respeito, de todo o coração.




Take This Waltz - Leonard Cohen

domingo, 1 de março de 2009

(outra) Gaja que faz o meu estilo: Ute Lemper


Esta mulher faz completamente o meu estilo por inúmeras, mesmo inúmeras razões. É uma mistura de Marlene Dietrich, Edit Piaf, artista de cabaret, saltimbanco, tudo numa só performer. Depois, tem um grande estilo visual, vestida de preto e tal, loura, toda estilosa. Tem também, e talvez deva ser esta a razão mais importante, um grande repertório. Num álbum seu de que gosto muito, Punishing Kiss, canta, além do meu adorado Kurt Weill (que a Ute canta muito, não é só neste disco), outros que fazem parte do meu panteão, mormente Nick Cave, Tom Waits, Jacques Brel, e também Elvis Costello e o tipo dos Divine Comedy cujo nome me esqueci, mas que faz com a Ute um dueto de, precisamente, uma composição de Kurt Weill que ficou mesmo bem.
No disco a seguir (But One Day), canta coisas que ela própria escreveu e que são apenas assim assim, mas também canta muito Jacques Brel e coisas baseadas em composições de Piazolla que estão muito boas, acho eu.
Enfim, esta mulher tem, como daqui se depreende, um gosto irrepreensível. E tem um grande estilo, há que reiterar.
Deixo-a aqui a cantar aquela que posso apenas designar pela música mais bonita que alguma vez se fez: Youkali Tango, do grande Kurt Weill.

Ali G & Jarvis

Gosto de Ali G e Sacha Baron Cohen em geral.
Gosto de Jarvis Cocker.
Gosto, consequentemente, de ver Ali G a dizer a Jarvis Cocker que ele parece um "kiddie fiddler", e de os ver a cantar "Help the motherfucking aged". Acho graça à versão que fazem os dois, à hip-hop, apesar de já ter sido há uma data de anos, quando os Pulp lançaram o This is Hardcore.

A ambição é foleira

As pessoas falam de "ambição", assim em geral, como se fosse uma coisa boa.
Eu não acho que seja. Quando as pessoas me dizem ser "ambiciosas", ou que a "ambição" é uma qualidade que se deve ter e preservar nesta vida, eu fico sempre dividida relativamente à reacção que devo ter, porque por um lado a "ambição" dá-me vontade de rir, por outro dá-me alguma tristeza.
Dá-me vontade de rir, mesmo muita, às vezes incontrolável, porque a "ambição" lembra-me de pessoas tipo Donald Trump que, e basta olhar para o cabelo deste homem, podem ter contas bancárias recheadas, mas nada altera o profundo ridículo que os cobre. O Donald Trump deve ser o homem mais ridículo que eu já vi na televisão a seguir ao Emplastro ou ao Zé Cabra; não sei, o cabelo, aquele meio palmo de cara de meia idade muito franzida a fingir que é mau, a mulher-boazona-troféu pelo braço, a Trump Tower nova-rica, enfim, o estereótipo do ridículo. Mas depois dizem-me, "ah, mas o Donald Trump está cheio de dinheiro e tu não, ah, mas o Donald Trump tem uma mulher toda boa e tu não", e é verdade, embora esta última aspiração não me diga grande coisa.
A ambição também me dá, por outro lado, tristeza, que é um sentimento que é nefasto. Ouço, normalmente, "ambição" aliada a "sucesso", outro vocábulo que me confunde e que me arrepia, e isto vindo de pessoas que, podendo ser ambiciosas, não me parece que tenham grande sucesso, de modo que não sei de que lhes serve a tal "ambição".
A ambição é talvez um consolo para aqueles que querem ter "sucesso" mas não conseguem, e estão metidos num beco sem saída, porque não me parece que as pessoas preocupadas com o "sucesso" tenham de facto sucesso na vida. E isso acaba por ser triste, ver as pessoas convencidas que esta tal "ambição" lhes vai conquistar o tal "sucesso" que elas delinearam mentalmente, e depois não dá em nada.
Mas talvez seja a minha concepção de "sucesso" que falha, e não a destas pessoas tão ambiciosas.