segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Sobre a "opinião"

Em geral, as pessoas com muitas opiniões fazem-me espécie. Incomodam-me. Quero mandá-las calar, embora os censores sociais a que normalmente chamamos "delicadeza" me impeçam. Não gosto de pessoas com muitas opiniões.

É estúpido ter opinião sobre tudo. É tanto mais estúpido quanto é perfeitamente certo ser impossível ter uma opinião sobre tudo, e não digo isto por vivermos numa sociedade de constante informação, Internet, aldeia global e quejandos lugares-comuns. O mundo foi sempre demasiado grande para nós, demasiado insondável, para que se possa ter uma opinião sobre tudo, desde o homem medieval até às mentes esclarecidas do século XXI.

E depois esta mania de se utilizar o espúrio, estéril, oco remate "é a minha opinião!" (ponto de exclamação e tudo, o que ainda irrita mais) para se justificar tudo quanto se diz, mesmo que seja (normalmente é) a maior barbárie deste mundo, sinceramente, dá cabo de mim. A opinião de alguém não é um argumento lógico e racional que justifique o que quer que seja, aliás, nem sequer é um argumento, é apenas uma posição pessoal, individual, e que vale o que vale (pouco, normalmente). Mas esta glorificação das opiniões é uma coisa perigosa. "Eu acho que Portugal devia ter pena de morte - é a minha opinião!", apenas para citar uma das frases que, infelizmente, mais ouço, belissimamente sustentada por uma qualquer (obviamente inexpugnável) opiniãozinha.

Uma vez, há anos e anos e anos, assisti a uma conferência de Fernando Savater na FLUL (e já escrevi sobre esta conferência no Nascer do Sol, do qual este blog é um spin off - digo isto porque não quero ser acusada, por mim mesma, de andar a repescar coisas). Ele disse uma coisa que nunca, mas nunca, esquecerei, por ter ido tanto ao encontro (perdão - "de encontro", como se diz na comunicação social) da minha própria opinião, lá está, eh eh (introduziria aqui um smile se não os achasse tão terrivelmente foleiros em posts). Bom, disse, então, Savaater qualquer coisa como isto: "As pessoas, hoje em dia, andam por aí a dizer que todas as opiniões são respeitáveis, o que é absurdo. Não. Todas as pessoas são respeitáveis independentemente da opinião que têm, mas nem todas as opiniões são respeitáveis".

Ouvi-o e pensei: "é isto. É isto, é isto. A partir de agora, posso respeitar toda a gente à vontade, mas não quer dizer que tenha de respeitar opiniões miseráveis".

E, de facto, este pequeno raciocínio de Savater tem sido crucial na minha vida, e tem até contribuído para aumentar a minha qualidade da mesma, porque assim irrito-me menos com as pessoas, ao lembrar-me de que toda a gente é respeitável.

O problema é que as pessoas que têm opinião sobre tudo insistem em martelar os ouvidos dos outros com os seus pontos de vista brilhantes, que eles acham que interessam assim ao mundo em geral. E, normalmente, o umbigo dessas pessoas é tão descomunalmente grande que elas se entretêm grandemente a olhar para ele, enquanto vão desfiando opiniões a quem as quiser ouvir, indiferentes à figura que fazem, ou, até, ao quanto a vida contraria as mesmas opiniões que insistem em ter. O que me faz lembrar uma frase muito sábia de um homem muito interessante, o imperador romano Marco Aurélio, que, esse sim, tinha opiniões daquelas que vale muitíssimo a pena ouvir. Diz, pois, Marco Aurélio nos seus "Pensamentos", manual precioso de instruções para a vida (negrito meu):

Nada acontece ao homem que ele não seja por sua natureza capaz de suportar. Sucedem a outros os mesmos acidentes e, ou porque ignoram que eles sucederam ou porque desejam mostrar-se fanfarrões, mantêm-se firmes e nada de mal lhes acontece. Estranha coisa, serem a ignorância e a presunção mais fortes que a sabedoria!

Eu acho que Marco Aurélio tinha toda a razão, e até acrescentaria, "estranha coisa, e mal feita, serem a ignorância e a presunção mais fortes do que a sabedoria." É a minha opinião.

2 comentários:

ruialme disse...

Já me aconteceu dizer "não tenho opinião sobre isso" e fui (digamos q) 'atacado' com argumentos do tipo "mas tens de ter opinião... como é possível não teres opinião?". Pior mesmo do q toda a gente querer ter opinião sobre tudo é este clima, esta pressão para q toda a gente tenha de ter opinião sobre tudo.

Rita F. disse...

Rui, também sinto o mesmo. E irrita-me imenso essa pressão de que falas, acho outra estupidez. Às vezes, é mesmo mais inteligente a pessoa ficar calada, não ter opinião, do que falar do que não sabe nem tem maneira de saber e assumir uma posição absolutamente intolerante (ou demasiadamente tolerante) face a uma realidade que, de facto, desconhece.
É a minha opinião.