Há tantos temas que me interessam em Portugal que tenho muita dificuldade em escolher, embora à partida me interesse a inveja, por um lado, e a lágrima, por outro.
A inveja é uma baixeza, e penso que todos os Portugueses, em geral, o sabem. Mas a verdade é que me parece, de facto, que somos um país invejoso. No entanto, não somos abertamente invejosos, abertamente retorcidos e asquerosos como os bastardos das peças do Shakespeare. A nossa inveja consegue uma subtileza de que só nos apercebemos através de pequenos indícios, como pequenos olhares azedos escondidos por detrás de um sorriso, ténues ataques verbais, ligeiras tentativas de demonstrar uma autoridade inexistente e absurda. Quando invejamos, demonstramos a inveja ao tentar, de forma inútil e estéril, ser melhor de quem nós sabemos que é melhor do que nós. Em vez de nos encherem de alegrias, as pessoas de qualidade, inteligentes, sensíveis, competentes, são antes consideradas aves raras e incomodativas que nos obrigam ao confronto com as nossas próprias limitações. E preferimos então entregarmo-nos à bílis da inveja, conscientes da nossa mediocridade, mas incapaz de a admitir.
A nossa incapacidade para a lágrima é outra coisa que me intriga. Tenho pensado nisto, e não me parece que os Portugueses sejam muito dados ao choro, o que me espanta verdadeiramente, dado a miséria e as queixas em que somos peritos. Queixamo-nos tanto, e ainda mais ao percebermos que temos todas as razões para isso, porque somos pobres e feiosos. Devíamos chorar todos os dias. Mas não. A nossa cara é enfiada, olheirenta, estafada, mas não choramos. Mesmo os fadistas, que se entregam tanto ao negro e à sombra, não choram. Parece-me que, apesar de toda a educação ultraromântica de que se queixava o Eça, e que me parece ainda permanecer (a titi a tratar do seu Eusebiozinho, o tesouro da casa, sobreprotegido e medíocre, a recitar um poema que era bonito por ser muito triste, coitadinho), as lágrimas não são o nosso forte. Somos educados a engolir as lágrimas, literalmente. Aguentar e falar, queixar até que a voz nos doa, mas nunca chegar ao ponto de chorar.
No fundo, tanto a inveja subtil como a nossa contenção com as lágrimas reflectem, de alguma forma, uma característica nossa que talvez seja aquela que de facto me interessa verdadeiramente: a “transversalidade”. A incapacidade de sermos preto no branco, directos, incisivos. Fazemos tudo por portas travessas – e esta expressão é muito significativa. Não me parece que seja necessariamente um defeito. Não pretendo apresentar a nossa “transversalidade” como se fosse um defeito, pois não é assim que eu penso nela. Aliás, a primeira vez ouvi que ouvi falar disto até foi sobre as formas de tratamento da língua portuguesa, tema que me é caro. A miríade interminável de formas de tratamento de terceira pessoa (formas nominais, verbais, sem esquecer o famigerado “você”!) demonstra bem a nossa sofisticação e vontade, pelos visto indómita, de evitar o confronto directo que a segunda pessoa exige. Sempre o você, nunca o tu.
Porque será?
A inveja é uma baixeza, e penso que todos os Portugueses, em geral, o sabem. Mas a verdade é que me parece, de facto, que somos um país invejoso. No entanto, não somos abertamente invejosos, abertamente retorcidos e asquerosos como os bastardos das peças do Shakespeare. A nossa inveja consegue uma subtileza de que só nos apercebemos através de pequenos indícios, como pequenos olhares azedos escondidos por detrás de um sorriso, ténues ataques verbais, ligeiras tentativas de demonstrar uma autoridade inexistente e absurda. Quando invejamos, demonstramos a inveja ao tentar, de forma inútil e estéril, ser melhor de quem nós sabemos que é melhor do que nós. Em vez de nos encherem de alegrias, as pessoas de qualidade, inteligentes, sensíveis, competentes, são antes consideradas aves raras e incomodativas que nos obrigam ao confronto com as nossas próprias limitações. E preferimos então entregarmo-nos à bílis da inveja, conscientes da nossa mediocridade, mas incapaz de a admitir.
A nossa incapacidade para a lágrima é outra coisa que me intriga. Tenho pensado nisto, e não me parece que os Portugueses sejam muito dados ao choro, o que me espanta verdadeiramente, dado a miséria e as queixas em que somos peritos. Queixamo-nos tanto, e ainda mais ao percebermos que temos todas as razões para isso, porque somos pobres e feiosos. Devíamos chorar todos os dias. Mas não. A nossa cara é enfiada, olheirenta, estafada, mas não choramos. Mesmo os fadistas, que se entregam tanto ao negro e à sombra, não choram. Parece-me que, apesar de toda a educação ultraromântica de que se queixava o Eça, e que me parece ainda permanecer (a titi a tratar do seu Eusebiozinho, o tesouro da casa, sobreprotegido e medíocre, a recitar um poema que era bonito por ser muito triste, coitadinho), as lágrimas não são o nosso forte. Somos educados a engolir as lágrimas, literalmente. Aguentar e falar, queixar até que a voz nos doa, mas nunca chegar ao ponto de chorar.
No fundo, tanto a inveja subtil como a nossa contenção com as lágrimas reflectem, de alguma forma, uma característica nossa que talvez seja aquela que de facto me interessa verdadeiramente: a “transversalidade”. A incapacidade de sermos preto no branco, directos, incisivos. Fazemos tudo por portas travessas – e esta expressão é muito significativa. Não me parece que seja necessariamente um defeito. Não pretendo apresentar a nossa “transversalidade” como se fosse um defeito, pois não é assim que eu penso nela. Aliás, a primeira vez ouvi que ouvi falar disto até foi sobre as formas de tratamento da língua portuguesa, tema que me é caro. A miríade interminável de formas de tratamento de terceira pessoa (formas nominais, verbais, sem esquecer o famigerado “você”!) demonstra bem a nossa sofisticação e vontade, pelos visto indómita, de evitar o confronto directo que a segunda pessoa exige. Sempre o você, nunca o tu.
Porque será?
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