domingo, 28 de dezembro de 2008

Branca (ou talvez apenas Pálida?) de Neve


Lindíssimo espectáculo, este, a Branca de Neve, que está no CCB até amanhã, penso. Tudo deslumbrante, desde a dança aos cenários aos figurinos, muito high profile, como é sabido.

Vim do espectáculo de barriga cheia (ou de olhar cheio, talvez faça mais sentido), e a pensar nos contos de fadas que me contavam quando era pequena. Eram ligeiramente diferentes daqueles que ouço contarem-se às crianças nos dias de hoje, em que até os contos de fadas foram parvamente contaminados por esta mania do politicamente correcto e de suavizar tudo para não traumatizar as criancinhas, como se estas últimas fossem parvas e não conseguissem destrinçar o crime do castigo (se calhar ainda não o conseguem fazer e precisam de aprender - e os contos de fadas têm aqui uma função importante).

Devido ao contacto que vou tendo com criancinhas, e respectivos brinquedos e livrinhos de histórias, reparei em três coisas infectadas por isto do politicamente correcto que, quanto a mim, são elas sim perniciosas:

1 - Na história do Capuchinho Vermelho, o Lenhador não abre a barriga do Lobo para tirar de lá a Avó, matando-o; antes, a Avó esconde-se no armário, o Lenhador assusta o Lobo, e este foge assustado para nunca mais voltar. A morte do Lobo é, talvez, demasiado "forte" para os mais pequeninos.

2 - No conto da Sereiazinha, o conto infantil que eu mais adoro, há versões em que a Sereiazinha não morre, como reza a versão original de Andersen, mas torna-se humana de verdade e casa-se com o Príncipe;

3 - A canção "Sebastião come tudo, tudo, tudo". Eis um excerto da canção como eu a aprendi: "Sebastião come tudo, tudo, tudo, Sebastião come tudo sem colher, e no fim dá pancada na mulher"; a versão "restaurada" desta canção, na versão que eu ouvi, é: "e no fim dá beijinhos à mulher" (se calhar, a coisa ainda é pior e o que se canta é "dá beijinhos na mulher", sendo generosidade minha o uso da contracção "à", mas enfim).

Eu e muitas outras pessoas da minha geração tivemos direito às versões "uncut", originais (e brutais, talvez digam alguns) dos contos de fadas e das cantigas tradicionais, em que o Sebastião dá pancada na mulher (penso que todos percebemos que o Sebastião é uma grande besta), em que o Lobo morre (também penso que todos percebemos que o Lobo, efectivamente, era um criminoso sacana) e em que a querida Sereia morre sem o Príncipe (penso que todos percebemos que às vezes a vida é triste e injusta, por mais doce e adorável que se seja, e que não vai haver sempre um Príncipe especado à espera que arranjemos pernas ou voz ou lá o que era que a minha querida Sereiazinha tinha de arranjar). E não conheço ninguém que tenha ficado traumatizado com isto.

Por isso é que eu tenho alguma dificuldade em perceber esta suavização, quanto a mim bastante parva, de contos e canções infantis. As crianças são pequenas mas não são estúpidas, não precisam destes paternalismos um bocado idiotas.

E foram estes os pensamentos que um bailado tão bonito como a Branca de Neve me suscitou.

Fim

2 comentários:

Xantipa disse...

Uma das histórias que mais te fazia rir, a ti e ao Jones, era a do Lobo Mau e os 3 Porquinhos, em que eu tinha de repetir vezes sem conta, até me acabar o fôlego, o sopro do lobo sobre as casas nas vossas carinhas. Os vossos olhinhos pestanejavam e fechavam-se com o «vento» que eu provocava, mas vocês pediam: «Mais, tia, mais! Outra vez! Faz outra vez!»
:)
Muitos beijinhos

Rita F. disse...

Lembro-me muito bem... :)