domingo, 7 de dezembro de 2008

(outra) Gaja que faz o meu estilo: Piaf


Quando era pequena, havia um disco lá em casa de capa muito negra. Tinha apenas umas letras vermelhas a contrastar, que diziam: Piaf. A capa do disco era desdobrável e tínhamos de a abrir toda para ver a imagem da longa silhueta de uma mulher, toda vestida de negro (parecia uma viúva estilosa), de cara lívida e olhos intensos. Curiosamente, e apesar deste atavio que à partida poderíamos pensar ser lúgubre, a senhora não tinha um ar triste. Era a Edith Piaf.

Como a senhora não tinha um ar triste, apesar de todo o negro, não me assustava muito, e portanto eu quis ouvir o disco. A primeira canção que ouvi foi "Milord". Não fazia ideia de o que queria dizer, mas a minha mãe explicou-me que significava "senhor" e traduziu-me um bocadinho da letra. Lembro-me que, devido ao tom alegre da melodia, e à expressividade que Piaf imprimia àquele "allez venez, Milord!", para depois rebentar na alegre cantoria do final, ta-ra-ra-ra, ta-ra-ra, imaginava a senhora de negro sorridente numa casa quente e ampla, com uma mesa cheia de comida e batatas fritas, e o pobre do Milord cheio de frio a olhar pela janela, de olhos pingados, até a esfuziante Piaf se lembrar de o convidar a entrar. Gostei logo dela, pareceu-me boa pessoa.

Aquilo de que continuo a gostar em Edith Piaf é a imensa expressividade da voz e a forma absolutamente descarada como canta músicas lamechas, que se tornam lindas. Acho que ela rebenta de amor ao cantar canções de amor e rebenta de tristeza ao cantar canções tristes. É a voz mais expressiva que ouvi, e por isso adoro ouvi-la muitas vezes.

E depois há aquele misto de fatalidade e de paixões intensas e infelizes, de mulher perdida mas de boa moral, na voz e na figura de Edith Piaf de que gosto mesmo muito. Toda a sua teatralidade é inesquecível. Uma lamechiche magnífica e imprescindível. Talvez por ser em francês. Talvez por ser genial. Como diria António Botto - enfim, gosto...

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