O que quero realmente dizer é que, não sendo uma pessoa violenta, gosto do valor estético da violência. Não da violência da realidade, mas sim da violência ficcional. Gosto muito de filmes violentos, talvez porque nunca na vida tenha ousado ser violenta com ninguém. Como qualquer ser humano (penso eu), já tive muita vontade, muitas vezes, mas os repressores sociais e de delicadeza que me toldam a mente impedem-me sempre, e espero que continuem a impedir. Sou uma pacifista. Assim, o meu escape é/são filmes violentos. Violentos como? Violentos principalmente na linguagem, apesar das imagens de violência poderem ser também arrebatadoras. A imagem de Tim Roth esfacelado numa poça imensa de sangue, a imagem da sua cara lívida, doente, enquanto dispara a arma, ficou-me gravada na mente assim que vi pela primeira vez Cães Danados.
Os bons filmes de terror são bons porque têm imagens bonitas. A imagem da pobre Sissi Spacek a pingar sangue e a mostrar aquelas narinas esqueléticas é interessante. Os rios sangrentos que inundam o hotel no Shinning são magníficos (aliás, o Shining está repleto de imagens bonitas). Não há nada que seja bonito no Exorcista, por exemplo, mas a linguagem violenta da menina (que é chocante por se tratar de uma menina tão jovem) cria um efeito interessante por serem apenas palavras e serem tão terríveis. E há ainda um outro filme, daqueles americanos antigos, que vi apenas uma vez mas que nunca esqueci, A Sombra do Caçador, em que Robert Mitchum faz de assassino frio e degolador, e que é uma verdadeira beleza, como talvez se possa perceber pela fotografia que aqui deixo.
É, precisamente, a linguagem violenta, ou melhor, a capacidade de se escrever linguagem verdadeiramente violenta, e que ainda assim é bonita, que me interessa. Eu não consigo usar a linguagem desta forma. Mas o palavrão, nas mãos de quem o sabe usar, pode ter um impacto que esteticamente é interessante, como vemos muito bem exemplificado nos diálogos de Tarantino. É quase como fazer poesia – um bom poeta tem de conhecer a sua língua nos seus mínimos detalhes, tem de conhecer o léxico, a fonética, a prosódia. E depois tem de combinar o léxico, a fonética e a prosódia e pô-los ao serviço daquilo que ele quer dizer, o que, no caso dos grandes poetas, é daquelas verdades avassaladoras. Ou então é apenas o gozo de manipular a linguagem e de a explorar ao infinito, como uma peça de música, e isso é também avassalador se o poeta conhecer a língua em que escreve. Usar violência na linguagem também exige este trabalho minucioso com a própria linguagem – aqui, é fazer o feio parecer bonito, usar o palavrão e fazer as pessoas pensar que aquilo é bonito, que faz sentido, que tem um propósito estético. É levar a linguagem ao seu limite, e portanto há uns que conseguem, os que têm talento, há outros que não conseguem. Nas cantigas de escárnio e maldizer encontramos muitos exemplos deste talento, além de Bocage, sobejamente conhecido por isso, e também muitos exemplos em inglês, língua que, devido ao cinema, conseguiu com que os seus tabus linguísticos e restantes palavrões se tornassem quase melódicos aos nossos ouvidos. Daí eu gostar tanto de Joe Pesci, do Goodfellas (adoro este filme), de todos os filmes dos Cohen, de Tarantino. Não apenas por causa da violência estética e linguística, mas também por causa disso.
E agora é tardíssimo. Quero ver como é que vou acordar amanhã.
2 comentários:
e uma história de violência de david cronenberg? adoro.
Esse ainda não vi. Mas costumo gostar de Cronenberg. Gostei muito do Crash. Também bastante violento, e bonito na sua violência.
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