quarta-feira, 11 de março de 2009

Silêncio que não se vai cantar o fado

Por mais que eu adore o esplendor da língua portuguesa, há determinadas frases feitas que me espicaçam grandemente o sistema nervoso, nomeadamente frases apaziguadoras. Detesto frases apaziguadoras. Abomino. Fico nervosa e alterada quando me dizem "mas acalma-te!", com uma entoação exclamativa, irritante e suave, de mestre-escola, como quem diz "não há necessidade de estares aí na escandaleira"; detesto quando me dizem "essa reacção não leva a lado nenhum" - desde quando é que eu tenho de ir a algum lado, a onde quer que seja, em vez de ficar exactamente onde estou? Detesto que me digam "as coisas são como são", detesto que me digam "o que tem de ser tem muita força". Porque é que eu, e as pessoas em geral, não hão-de ter mais força do que este tal "tem de ser"? Acho que estas expressões são opressivas porque nos condenam à inacção. São dizeres falsamente conciliadores que, subtilmente, nos ensinam que o melhor é estarmos calados. E todos sabemos que não há nada pior do que alguém que se cala (já estou como o Manuel Alegre -"a mim ninguém me cala", ou lá como diziam no Contra-Informação).
Digo isto porque tive, hoje, uma arrepiante ilustração de como a apatia nos deforma a condição humana e nos relega para um feliz e confortável silêncio, absolutamente independente e impermeável ao que se passa no mundo. Assisti a uma pequena comunicação, muito didáctica até, sobre a violação dos direitos humanos na China, que finalizou com aquela pergunta clássica, "então se isto nos acontecesse a nós, o que é que fazíamos?". Tudo calado. Perante a insistência do orador, e perante um pertinaz silêncio aterrador, lá se ouviu um fiozinho de voz - "talvez um movimento associativo...". Pelo menos, já foi alguma coisa.
Surpreende-me sempre este silêncio de que as pessoas parecem gostar tanto. Não é que eu própria não me confine ao silêncio em situações em que isso não deveria acontecer, porque de facto confino, mas casos bizarros em que, como já me aconteceu, as pessoas estão no terminal rodoviário à espera de um autocarro que não vem, qual manhoso Godot, sem que uma única se atreva a ir resmungar ou perguntar o que se passa, é algo que me ultrapassa e que não consigo compreender, tanto mais que quem foi saber porque é que o autocarro não vinha, apenas para obter como resposta sorrisos perplexos que tentavam justificar incompetências como "o motorista está atrasado", fui eu. E as pessoas nem quiseram saber o que se passava, permanecendo serenas, imóveis, aborrecidas porém, na plataformazinha número qualquer coisa, literalmente à espera de Godot. Quando o autocarro finalmente veio (nisto, lá conseguiu bater Godot aos pontos), os passageiros entraram, pagaram bilhete e em vez de resmungarem até pareceram ficar aliviados pela camioneta ter feito o favor de aparecer. Foi uma situação absolutamente surreal.
De modo que o som do silêncio, como diriam Simon & Garfunkel, e expressões submissas como estas que abundam na língua portuguesa, o "tem calma", o "o que tem de ser tem muita força", matam-me, e acho mesmo que são muito pouco cívicas.
É esse o grande problema, estas expressões não têm civismo nenhum e isso é nocivo para o povo português. É esta a minha conclusão. Não consegui acabar este post de outra maneira, vai ter de ficar assim.

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