terça-feira, 3 de março de 2009

Ai, Sade, a falta que tu fazes, a falta que tu fazes

Há pessoas que passam a vida a falar delas. É doloroso assistir a isto. Pessoas que nos interrompem para falar, única e exclusivamente, dos problemas delas. Pessoas que, nós bem vemos, não conseguem produzir um único tópico de conversa que não gire à sua volta. Pessoas que, nós bem reparamos, ficam completamente à nora e sem saber o que dizer quando conseguimos alterar o rumo da conversa e falar sobre nós. É vê-las de sorriso parvo, desconfortável e solitário no rosto, é ver a sua cabecinha a andar à roda a pensar, "oh, ela está a falar dela própria e não de mim! Mas... eu não sei o que dizer, pois se eu sou incapaz de ver um palmo diante do nariz que não sejam os meus próprios problemas! E agora, como fingir que estou minimamente interessado no que ela está a dizer?" É um espectáculo, como disse, doloroso, mas que não deixa de ser engraçado, porque estas pessoas ficam mesmo sem nada para dizer, absolutamente nada, quando não podem falar delas próprias. São como a cortina de ferro. A gente diz coisas e, se não o assunto não versar sobre a vida delas, aquilo faz ricochete e o que nos acerta é somente um desajeitado "pois...". Que angústia, Deus meu.
Não percebo como é que pessoas assim têm amigos, mas o que é certo é que têm, ou pelo menos elas dizem que têm. Imagino-as num jantar de confraternização, várias pessoas à mesa e cada uma a falar desconexamente, sem ouvir os outros, a gritar o mais alto possível os problemas que têm, auto-elogios mal disfarçados, falsa modéstia entristecedora, e pronto, depois vão para casa. Só assim é que compreendo que estas pessoas que carregam consigo o centro do mundo tenham amigos.
Lembrei-me disto ao reler a Filosofia da Alcova, do divino Marquês, como às vezes o Sade é chamado, falando através de Dolmancé: ...não te deixes enganar, minha encantadora amiga: a beneficência é mais um vício do orgulho do que uma verdadeira ostentação da alma; é por ostentação que se dão alívio aos semelhantes, nunca é com a pura intenção de praticar um acto bom".
Aqui está, sem tirar nem pôr (este Marquês é que sabia tudo; queria tanto conseguir escrever como ele, sem entraves de qualquer espécie, uma escrita demolidora, avassaladora, sem respeito nenhum e ainda por cima cheia de humor). Voltando ao tema principal do post, reparo, normalmente, que as pessoas que pensam ser o sol à volta do qual a Terra gira estão, também, muitíssimo convencidas de que são belíssimas pessoas, de coração puro e generoso, porque nada pode haver na Terra que não seja para lhes dar mais uma razão de existir. Se há coisas boas, é para as fazer felizes; se há coisas más, é para elas as poderem remediar e mostrar que são boazinhas. Isto é atroz. Como diz a minha amiga S., não há nada pior do que más pessoas que pensam ser boas pessoas, e eu concordo inteiramente.
E agora termino, é terça-feira, o meu dia maldito, o cansaço pesa, de modo que vim para aqui livrar-me da bílis, destilar o meu rancor, o que é muito mal feito, mas o blogue é meu, portanto fica assim e desculpem qualquer coisinha.

5 comentários:

Anónimo disse...

Ah! sei perfeitamente: essas pessoas que chegam a uma mesa de café onde já está a decorrer uma divertida conversa democrática e a interrompem para iniciar um monólogo exclusivamente egocêntrico que demonstra como são boas e espertas e os outros sorriem e olham para o lado com enfado; essas pessoas que passam por nós, stressadas já às 9.30 da manhã, e suspiram alto e bom som "ai a minha vida" à espera que lhe perguntem "então o que foi" para que se inicie o enumerar das desgraças. Bah... dispenso e quanto mais longe melhor.

Rita F. disse...

V, é isso tal e qual. O que eu acho estranho é que não vejo assim tanta gente a fazer o tal ar de enfado. Há pessoas egocêntricas que se estão a tornar mesmo muito subtis no seu egocentrismo e conseguem enganar os outros, não sei. Acho estranho.

Anónimo disse...

Pois eu cá acho que há imensa gente assim e há outras que se esquecem das amigas quando têm outras atenções!

Rita F. disse...

Ouça lá, ó anónima, antes de se começar a queixar, porque é que não vai ver as chamadas não atendidas ao seu telefonezinho de casa? Duas vezes, linda, duas vezes.
Deves achar que me enganas... :) *** (beijinhos, D., beijinhos)

Anónimo disse...

Não percebo as insinuações, não tenho chamadas não atendidas, jamais!!! Belas desculpas mas a verdade e arazão são minhas aliadas.