quarta-feira, 4 de março de 2009

Pensamentos telenovelísticos sobre o ciúme ou a falta dele


Acho que a televisão é tal e qual como diz Bruce Springstreen, 57 channels and nothing on.

No entanto, não é a televisão que me traz aqui a esta hora relativamente tardia. Estava entretida a pensar na questão do ciúme e, como consequência, a ter pensamentos bastante telenovelísticos devido a isso mesmo, à questão do ciúme. O ciúme destrói as relações humanas. Medeia torna-se infanticida por vingança e por ciúme, parece-me a mim. Pessoalmente, não consigo deixar de simpatizar com Medeia, embora também pense que o objectivo da peça, pelo menos a versão de Eurípides, que foi a única que eu li, visa precisamente isso. Mas simpatizo com Medeia porque acho que consigo compreender a sua revolta e o seu ciúme. Realmente, aquilo que Jasão fez, trocá-la por outra mais nova e mais parva, não se faz de forma alguma, sob pretexto algum e é imperdoável.


O ciúme é nefasto porque nada traz de bom à vida das pessoas e deve, portanto, ser evitado. Racionalmente, isto faz sentido. E o ciúme em excesso é o maior turn off de sempre - torna as pessoas desesperadas, patéticas, possessivas, tipo cãezinhos raivosos que não conseguimos repeitar, bleagh. Mas será legítimo, ou até desejável, não se sentir ciúme nenhum? Não é, de alguma forma, positivo sentir ciúme para manter acesa a chama, como se costuma dizer? Se o ciúme é assim tão baixo, tão aviltante, como de facto me parece ser, então porque é que essa grande personagem trágica, que é Medeia, fez o que fez e porque é que se escreveu tanto e tão bem sobre ela?

Talvez a resposta resida no facto de o ciúme apenas resultar na arte, e não na vida. Na vida real, o ciúme faz as pessoas vasculharem os bolsos e as gavetas do outro, inspeccionarem telemóvel e emails, procederem a interrogatórios acintosos, e, tristemente, fazerem uma grande figura de estúpidas. Chega a dar pena, é horrível, deve de facto evitar-se esta verdadeira baixeza.

Como tantas outras coisas na vida, e como dizia um antigo professor meu, tudo se encontra nos Gregos, que voltam a dar resposta a esta questão que eu aqui levanto. Quando Eros se enamorou de Psique, ia visitá-la todas as noites, e ela nunca lhe via a cara. As irmãs da menina, talvez invejosas da sua felicidade, começaram a espicaçá-la e a dizer-lhe que, se calhar, ela andava mas era a dormir com um grande monstro. Assustada, desconfiada, Psique espera que o namorado adormeça, no escuro, e acende uma vela para lhe ver a cara, apenas para se deslumbrar com a beleza de Eros e ficar largos minutos em reverente contemplação, de tal forma que acaba por cair um pingo de cera na pele de Eros. Este acorda, olha para Psique muito pesaroso e abandona-a, dizendo-lhe, tristemente, que "o amor não pode viver sem confiança". É claro que Psique vai à luta, acaba por comer o pão que o Diabo amassou, como se diz, para reconquistar o seu Eros, e lá o consegue novamente, mas aprendeu a sua lição - o amor não pode viver sem confiança.
E, com esta breve história, deveria estar para sempre arrumada a questão do ciúme e já mais ninguém para toda a eternidade precisaria de se preocupar com isso. Mas tal não acontece, e portanto voltamos à estaca zero.

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