segunda-feira, 30 de março de 2009

Quem és tu, Michael Corleone


Ando a rever a saga dos Padrinhos, e estou novamente intrigada pelo Michael Corleone. O pai, o Vito, interpretado pelo grande Brando, percebo relativamente bem - um bom tipo, que desenvolveu os negócios de uma forma pouco lícita para sustentar a família (como ele diz, "I don't apologise for taking care of my family"), mas com princípios - não se quer meter no negócio da droga, por exemplo, porque acha que é sujo demais, até para ele, e em geral é um homem de família, boa pessoa, com quem não podemos deixar de simpatizar, especialmente depois de o vermos, pequenino, recém-chegado aos Estados Unidos, a abrir a boca pela primeira vez para cantar à vista da Estátua da Liberdade. Eu, pelo menos, simpatizo com o Vito. Agora, o Michael, não percebo muito bem. Não sei se gosto dele, se não. No início da saga, é um herói de guerra, um jovem garboso e bonzinho, elegante e contente na sua aculturação americana, inteligente, o benjamim da família. Depois, torna-se frio como gelo, mais duro ainda do que o pai, mais cruel e impiedoso, que medo! Até o casamento parece ser calculista. Eu, pelo menos, nunca percebi como é que o Michael vai para a Sicília e casa lá com uma siciliana, e depois vem para a América e já decide que o melhor a fazer é casar com a americana. Tudo bem que a siciliana morreu, mas mesmo assim. Cá para mim, foi uma estratégia calculada para poder ter filhos e uma sucessão condigna.

Ora, o que me intriga é que seria muito fácil pensar-se que o Michael Corleone é, por exemplo, um psicopata, quando se percebe perfeitamente que não é. A morte do irmão Fredo, ordenada por si, atormenta-o para sempre. É também um homem que gosta genuinamente dos filhos. O que acontece é que a sua ocupação profissional exige que ele se torne empedernido, o que faz alguma impressão. Por acaso, acho que o Al Pacino desempenha o papel exemplarmente bem. Consegue um olhar verdadeiramente glaciar e uma autoridade indiscutível, de pedra. Grandes filmes, estes Padrinhos.

Estas personagens da Mafia, tipo Michael Corleone e Tony Soprano, são interessantes porque representam até ao extremo a duplicidade que todos temos na vida. Não me querendo comparar com um chefe da Mafia, nem ninguém que eu conheça, é normal que eu e as outras pessoas sejam uma coisa no trabalho e outra bastante diferente em casa. Acho bem que seja assim, porque no fundo o nosso trabalho não precisa de nós tal como somos, mas apenas daquilo que conseguimos fazer. Com o Tony Soprano e o Michael Corleone, a duplicidade chega a extremos porque o trabalho deles implica matar gente, o que deve dificultar a normalidade que se quererá ter em casa. Não percebo como é que eles conseguem. Se eu tivesse a profissão deles, passava a vida a chorar pelos cantos com remorsos, mas eles conseguem lidar com isso.

Estes filmes da Mafia são muito educativos, realmente.
Nota final para dizer que a Vanity Fair publicou no mês passado uma reportagem interessantíssima sobre o making-off do primeiro Padrinho, aqui.

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