sexta-feira, 6 de março de 2009

Manual de instruções para conversas banais


Uma capacidade que eu admiro no ser humano é a de conseguir fazer conversa, mesmo quando não está minimamente interessado na mesma (conversa). Admiro as pessoas que conseguem arranjar sempre um tema de conversa, mesmo que seja só sobre o tempo, e daí eu gostar dos ingleses em geral, que falam muito sobre o tempo da ilha deles. Normalmente, diz-se que os anglo-saxões são distantes e reservados e só falam sobre o tempo, mas eu acho que isto, falar sobre o tempo, é uma qualidade muito louvável, e não é nada distante, pelo contrário, até indica simpatia. Indica simpatia porque, ao falarem sobre o clima, a chuva, o frio, os ingleses estão claramente a dizer-me "não te conheço de lado nenhum nem tenho nada para te dizer nem tu a mim, por isso vou falar sobre o tempo para ter oportunidade de ser minimamente simpático e termos os dois algum assunto de conversa sem nos sentirmos totalmente parvos". Eu acho que isto é ser simpático. Da mesma forma que também é simpático que em Portugal, por exemplo, se pergunte sobre a família, quando 90% das vezes queremos lá saber, mas como somos um povo que tem a reputação de ser afectuoso e hospitaleiro, e como queremos manter essa reputação, perguntamos mais sobre a família do que sobre opiniões climatéricas.

Ora, admirando esta capacidade humana para demonstrar interesse artificial pelo outro, e que alguns designariam por "boa-educação", aconteceu-me uma vez ficar sem nada, absolutamente nada, é que mesmo nada, para dizer. Foi num daqueles convívios de trabalho, há alguns anos, em que as pessoas vão porque convém que se conheçam e isso. Fomos a um chamado "pub" e ficámos lá sentados, e eu calhei ficar ao pé de um rapaz e de uma rapariga. Lembro-me de que o rapaz era muito moreno e a rapariga muito ruiva, e eu achei que estava ali bem encaixada, entre aqueles dois seres contrastantes. Ora acontece que, surpreendentemente, o rapaz perguntou-me o que é que eu fazia; perguntou à rapariga o que é que ela fazia; a rapariga perguntou ao rapaz o que é que ele fazia; e ficámos por ali. É que a nossa falta de interesse e curiosidade para ir além destas perguntas óbvias era tão flagrante que nenhum de nós foi capaz de dizer absolutamente mais nada, uma vez que seria embaraçoso, e nitidamente forçado, fingir uma qualquer aproximação. É que nem a conversa sobre o tempo nos poderia salvar. De modo que ficámos ali, calados, o rapaz muito moreno a beber cerveja, eu a beber talvez um Baileys, a rapariga ruiva a não beber nada e a ficar quieta a olhar para as mãos (lembro-me assustadoramente bem da cara dela, enfiada, meio envergonhada, a olhar para baixo para as mãos encolhidas), e a partilhar aquele momento estranhíssimo, evitando cruzar olhares. Nada. Não tínhamos nada, nada, nada para dizer ou conversar (chegara a hora de acabar, como cantaria Fernando Tordo se lá estivesse).

Que momento tão estranho. Nunca me tinha acontecido nada de semelhante, sentir que tinha um absoluto e redondo zero para dizer a alguém, e a partir daquele dia fiz questão de treinar umas quantas perguntas-chave que tenho engatilhadas, prontas a proferir, de cada vez que conheço alguém novo a quem não tenho muito que dizer, para que a situação não se repita. É um método que eu desenvolvi e que é parecido com aqueles livros de aventura role-play, divididos em parágrafos numerados ("se escolher matar o monstro, vá para 365; se escolher voltar à bifurcação, vá para 77", etc.). A pessoa diz-me o nome, pergunto-lhe o que faz; se é de uma área similar à minha - digo que é interessante, faço uma pergunta levemente relacionada com aquilo em que eu própria trabalho; se é de uma área que não tem nada a ver - digo que é interessante à mesma, que sempre quis saber do assunto mas que nunca tive tempo; a pessoa começa a explicar e ficam no mínimo uns dez minutos de conversa garantidos. Se a pessoa se entusiasmar, deixo-a falar; se não se entusiasmar e começar a esmorecer, pergunto onde vive; se for perto de mim, faço uma outra pergunta sobre a região; se for longe, digo que é um sítio interessante, que sempre quis lá ir mas nunca tive tempo, e já lá vão mais uns dez minutos, o que no mínimo perfaz já vinte minutos, limite de tempo mais do que socialmente aceitável para se falar com alguém que não se conhece, de modo que a partir daí já posso inventar uma qualquer desculpa e ir-me embora. E fica o caso resolvido.

Este útil método provém, assim, dessa verdade evidente que é aprendermos as nossas maiores lições com a escola da vida. E com esta frase poderia o Nicholas Sparks, talvez, terminar muitos romances, com umas estrelas e uns arco-íris à mistura.

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