quarta-feira, 25 de março de 2009

AL/DL


Respondo muito tarde, mas com muitíssimo agrado, a este desafio tão interessante com que o Manuel me interpela, e tenho de lhe voltar a agradecer por se ter lembrado de mim e me ter feito lembrar de uma série de poemas que, como as pessoas gostam de dizer, "marcaram". A ideia é relembrar "pequenas gotas de alma que ficam connosco", e aquela que para mim é das mais importantes, e até bastante grande, é sem dúvida a poesia de Federico Garcia Lorca, o primeiro poeta que li a sério. A minha relação com a poesia tem dois momentos claros: antes de Lorca e depois de Lorca. Foi com ele que comecei a ler poesia de uma forma que talvez possa designar por "sistemática" (as antologias poéticas de Lorca, e respectivas traduções para inglês e português, que comecei a gostar de comparar a partir da adolescência, foram os primeiros livros de poesia que li do princípio ao fim, quando até aí sempre pensara, não sei porquê, que não se lêem livros de poesia do princípio ao fim, mas apenas poemas "em avulso"), e foi definitivamente com Lorca, também, que me deslumbrei com a poesia. Como leitora eminentemente de prosa, como continuo a ser, o que aprendi com os gloriosos poemas do querido Federico é que a poesia é uma luta magnífica e verdadeira com a linguagem. É o que me parece, não consigo explicar melhor nem o vou tentar fazer. De qualquer modo, foi depois de Lorca que tive o estímulo para ler mais poesia, levando-me assim ao meu querido Cesário Verde, que é o outro poeta que, a par do Federico, mais leio ("sistematicamente" - que palavra tão feia).

Deixo aqui uma "gota de alma" de Federico Garcia, que me mata devido àquele chamamento quase no final, "Ay, Federico Garcia, llama a la Guardia Civil!". Tinha um CD com o João Villaret a dizer este poema e era de ir às lágrimas de emoção. Arrepios, também. E nem me vou pôr aqui a falar da assombrosa repetição a las cinco de la tarde, a las cinco en punto de la tarde, ou do grito incontido que no quiero verla!, porque isso, realmente, transcende tudo e as minhas pobres palavras não conseguem exprimir tanta emoção.

Fico-me, pois, por aqui, com Morte de Antoñito el Camborio, "Romancero Gitano", do grande Federico Garcia Lorca:

Voces de muerte sonaron
cerca del Guadalquivir.
Voces antiquas que cercan
voz de clavel varonil.
Les clavó sobre las botas
mordiscos de jabalí.
En la lucha daba saltos
jabonados de delfín.
Bañó con sangre enemiga
su corbata carmesí,
pero eran cuatro puñales
y tuvo que sucumbir.
Cuando las estrellas clavan
rejones al agua gris,
cuando los erales sueñam
verónicas de alhelí,
voces de muerte sonaron
cerca del Guadalquivir.
*
Antonio Torres Heredia,
Camborio de dura crin,
moreno de verde luna,
voz de clavel varonil:
Quién te ha quitado la vida
cerca del Guadalquivir?
Mis quatro primos Heredias
hijos de Benamejí.
Lo que en otros no envidiaban,
ya lo envidiaban en mí.
Zapatos color corinto,
medallones de marfil,
y este cutis amasado
con aceituna y jazmín.
Ay Antoñito el Camborio
digno de una Emperatriz!
Acuérdate de la Virgen
porque te vas a morir.
Ay Federico García
llama a la Guardia Civil!
Ya mi talle se ha quebrado
como caña de maíz.
*
Tres golpes de sangre tuvo,
y se murió de perfil.
Viva moneda que nunca
se volverá a repetir.
Un ángel marchoso pone
su cabeza en un cojín.
Otros de rubor cansado,
encendieron un candil.
Y cuando los cuatro primos
llegan a Benamejí,
voces de muerte cesaron
cerca del Guadalquivir.

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