segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Alguém em quem confiar


Há pessoas discretas. Não é necessariamente uma coisa má. Pelo contrário, até é uma qualidade muitíssimo apreciável e fundamental. Tenho tendência a gostar do exuberante e do barulhento (de tal modo que eu própria me tentei tornar exuberante e barulhenta, embora nunca tenha chegado à parte do exuberante. Fiquei-me apenas pelo barulhenta, o que é pena), mas reparo agora, com o passar dos anos, que a discrição é um predicado interessante.

Há pessoas que não enchem a sala nem o olhar. Não ficamos a olhar para elas quando passam por nós. Não dizem necessariamente coisas muito relevantes sempre que abrem a boca, e nós ficamos a pensar que elas, tudo bem, não serão más pessoas, mas são com certeza aborrecidas e cinzentas. Estas pessoas, geralmente, e pelo que tenho observado, limitam-se a ficar ali, quietinhas, à espera do momento em que alguém possa precisar delas. Quando isso acontece, desvelam verdadeiramente as suas grandes potencialidades. São de uma extraordinária sensatez, de uma inteligência profunda, ficamos de boca aberta a olhar para elas, a pensar "olha, quem diria, esta mosquinha morta, qual mosquinha morta, qual quê, é um ser espectacular", e sentimo-nos envergonhados por ter julgado alguém tão mal. Quando precisamos mesmo, normalmente não é o divertido, interessantíssimo e cosmopolita Fradique Mendes que corre em nosso auxílio; é antes a sensatez, a paz de espírito e a reserva de uma Morgadinha dos Canaviais, de quem eu, pessoalmente, gosto bastante, apesar de não ter nada contra, e tudo a favor, de Fradique Mendes.


Pensei nisto porque me lembrei de actores que, tal como os livros, são "middleweight". Bons, sólidos actores que não enchem o écrã como a Elizabeth T., não são óbvias "bombas" a quem todos se rendem como a Scarlett Johansson, nem são um poço de talento evidente, como Edward Norton, quanto a mim (o que eu adoro este homem, mas partiu-me o coração vê-lo a fazer de Hulk, estúpido). São actores em quem se pode confiar, estão ali para o que for preciso, não vão a lado nenhum nem levam tudo à frente, como esta Shelley Winters da fotografia. Eu digo já que, a julgar pela foto em que ela mais parece uma dona de casa ataviada a pedir ao marido para lhe tirar uma foto porque finalmente vão jantar fora pela primeira vez em dez anos, não dava nada por ela. Parece anódina, cinzenta. Mas a Shelley é, quanto a mim, o perfeito exemplo da sólida actriz discreta mas muito competente, talvez porque apenas a tenha visto em igualmente muitíssimo competentes papéis secundários em Lolita, A Place in the Sun, Night of the Hunter.


É bom ter alguém em quem se pode confiar.

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