terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

Nota mental 3: não aburguesar, não aburguesar, não aburguesar...

Gosto de rádios competentes, muitíssimo competentes, como a Radar. Vem a Portugal uma banda competente (pelo menos, que já foi competente) como os Oásis, não vem? Então pronto, vá de passar Oasis a toda a hora. Ainda agora foram duas seguidas dos Oasis (podia ter dito "dos irmãos Gallagher", como também fazem na rádio, para não repetir tanto o nome desta banda, mas chateia-me um bocado este epíteto "irmãos Gallagher". Talvez porque os ache feios e apenas medianamente talentosos, e também porque aquelas mono-sobrancelhas, meu Deus, ok, homens a fazer depilação pode ser um bocado bleagh, mas alguém que informe o Noel e especialmente o Liam que, em 2009, já ninguém leva a mal um bocadinho de cera na cana do nariz para alindar a carinha laroca. De modo que para mim eles não são irmãos Gallagher, são dois tipos esquisitos com ar de querer bater às pessoas - e parece que batem. Embora eu até goste dos Oasis).
Bom. Este parágrafo foi um intróito para a verdadeira substância deste post. Nem intróito foi, sequer, foi apenas uma observação desconexa, mas eu queria usar a palavra intróito. Consumado o desejo linguístico, posso agora passar àquilo que verdadeiramente quero dizer. E o que verdadeiramente quero dizer é que o dia não começou mal, e melhorou substancialmente quando o sol espreitou, e até aqueceu bastante, lá para o meio da tarde. Vim no carro toda contente, o ipod passou pelo All Together Now dos Beatles, cantei do princípio ao fim, depois estacionei, fui tomar um cafezinho e vejo um casal já velhote de mãos dadas. Nem de propósito, tudo equacionado e pensado ao milímetro para tornar o meu dia melhor. Dizia a senhora ao marido, "Hoje ainda andaste um bocadinho. Está tão quentinho! Sabe bem, o solinho". Isto enterneceu-me tanto, tanto, que quis ir dar um beijinho à senhora, mas não fui. Depois fiquei a pensar que sou parva, sou uma lamechas parva. Mas pronto, estava bem disposta.
Chego a casa e penso, é melhor ir ver o correio. Fui ver o correio. O melhor que lá estava eram contas. Já estou habituada, mas o problema é que abri uma conta em particular e era enorme. Fiquei indignada. Sei que tenho de pagar os serviços que uso, mas pagar contas faz-me sentir desprezível. Sempre quis fugir à vida burguesa.
A vida burguesa faz-me impressão. Hoje estava uma senhora no café com uma miúda aos gritos a pedir goma e aquilo fez-me impressão. Os meus vizinhos, por exemplo, passam a vida aos gritos, e o volume destes gritos sobe sempre ao fim-de-semana. Posso apenas presumir que isso acontece porque, ao fim-de-semana, os vizinhos são obrigados a passar tempo juntos, estão em casa, forçados a partilhar o mesmo espaço, porque nem sempre se pode sair e espairecer, e aquilo dá-lhes a volta à cabeça. Desatam aos gritos, não se devem poder ver à frente. Tomando a parte pelo todo, imagino Portugal como uma imensa metonímia onde as famílias se metem em casa aos fins-de-semana, com pouco em comum, sem saber o que fazer ao tempo, sem dinheiro para sair, obrigados a olhar uns para os outros, fartos, fartos, fartos uns dos outros, tudo aos gritos, todos ressentidos, todos a pensar que estavam melhor sozinhos, ou com outras pessoas, ou com amigos, mas que os deixassem em paz. Que impressão, que impressão, vejo aquelas hordas nos supermercados, e as pessoas têm todas um ar tão cansado. Que vida é a delas? Não sei.
Sei que esta vida me faz impressão. A continha para pagar. De modo que, quando recebi a tal conta, me afligi muito, não apenas pela porcaria do dinheiro que vou ter de desembolsar, mas igualmente, e principalmente, pelo que a conta revela do meu estilo de vida. Entristece-me, no fundo é isso. Mas é um bocado impossível fugir às contas, não é? Também é um bocado impossível fugir à declaração de IRS, não é? Pelo menos, para mim, é.
Tento compensar com outras coisas. Criar a ilusão de que posso ser muita coisa, mas burguesa é que não.
A porcaria dos saldos é que me anda a estragar este "desiderato" de não me tornar burguesa. Não se pode não querer ser burguesa e andar por aí a ver as lojas com desconto, pois não?
A vida é feita de incoerências, de facto. Agora até dizia uma asneira, mas não vou dizer, porque eu só digo asneiras em inglês. Eh eh. Esta última frase era muitíssimo pretensiosa e era a brincar, obviamente.

3 comentários:

José Bandeira disse...

Um post muito bom, muito bom mesmo. Acho que qualquer pessoa com dois palmos de testa já se apercebeu de quanto o ar está irrespirável nos lugares públicos, nos privados, em toda a parte.

Temos que nos rir disso, acho eu, é a única solução.

Rita F. disse...

Pois é, às vezes o ar é tão irrespirável que incomoda muitíssimo.
Acho que os centros comerciais são os culpados disto tudo, são grandes focos e causas de depressão, aquela gente toda, os carrinhos de bebé, as criancinhas cheias de tédio, até tenho pena delas, às vezes.
E sim, talvez seja melhor rirmo-nos disto. Os centros comerciais À vezes até se suportam e tudo, especialmente quando entram em saldos. :) (estou-me a rir)

José Bandeira disse...

Ah, espere, tirei o saco de plástico da cabeça e ficou um bocadinho melhor.

Mas não está 100%.
;)