sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Ex

O prefixo ex- faz-me um tanto ou quanto de impressão. Ex-coisas, ex-objectos e, principalmente, ex-pessoas são entidades que eu não compreendo.

Noutro dia, a minha mãe trouxe-me uma boneca com que eu brincava muito quando era pequena. A minha ex-boneca estava intacta, há anos que ninguém lhe mexia, há anos que permanecia imóvel numa qualquer caixinha guardada lá de casa, conservando-se, inacreditavelmente, tal qual como no último dia em que brinquei com ela. Olhei-a e soube que aquela boneca conservava também um pedaço de vida igualmente intacto. Só que esta vida parecia ter sido vivida há tanto tempo que quase já não era minha, andava por aí, não era de ninguém.

Somos feitos das memórias que carregamos connosco, é o que se costuma dizer. Somos feito de passado. No filme Another Woman, Woody Allen interroga-se, através da personagem principal, se as memórias são algo que possuímos, ou algo que perdemos. Como penso que também já escrevi antes, estou convencida de que as memórias são fragmentos perdidos, mesmo muito perdidos. Podem sobreviver na nossa cabeça, mas de que é que servem? Apenas para nos lembrar do que perdemos, ou do que já não vivemos. O seu significado é tão escasso, quanto a mim. E por isso volto a evocar Marco Aurélio e os seus Pensamentos pela enésima vez neste blog: "o presente é igual para todos, o que se perde é, por isso mesmo, igual, e o que se perde surge como a perda de um segundo. Com efeito, não é o passado ou o futuro que perdemos; como poderia alguém arrebatar-nos o que não temos?"
E é igualmente escasso o valor das ex-pessoas na nossa vida. Esta é uma verdade que me surpreende sempre. Num determinado momento, aquela pessoa significa tudo. No minuto a seguir, é já uma ex-pessoa, a nossa afeição por ela torna-se subitamente incompreensível, verificamos que não precisamos dela, que ela já não quer dizer nada, pior (ou talvez melhor), que somos bem mais felizes sem ela. Que estranho. É tão estranho.
Mas enfim, ex são ex por alguma coisa. E termino atrevendo-me a fazer minhas as palavras do grande Leonard Cohen na grande canção que é Chelsea Hotel, that's all, I don't think of you that often.

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