terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

Em que se descobre que Kierkegaard e Rolling Stones têm, digamos que, tudo a ver


A minha canção favorita dos Rolling Stones é "Gimme Shelter", que reza assim: "war, children, is just a shot away, it's just a shot awaa-aay". Quando a ouço, penso que sou uma versão feminina do Mad Max, filme que nunca vi, ou do Jack Kerouac, e que preciso urgentemente de encontrar uma confortável, quentinha e acolhedora casa no meio da seara, ou de um deserto de pó, onde vou encontrar a felicidade e o refúgio eternos. Depois lembro-me de que não sou o Mad Max, que nem sequer vi o Mad Max e portanto nem sei bem do que trata, e de que já tenho uma querida e confortável casa, e que agora não me dá jeito largar tudo e pôr-me on the road.

No entanto, a música dos Rolling Stones serve para me lembrar sempre da solidão. Por mais pessoas que tenhamos à volta, amigos ou inimigos, por mais apaixonados que nos encontremos, com a pessoa amada sempre nos nossos pensamentos ou sempre connosco, estamos sozinhos, e a vida lembra-nos constantemente disso. Há sempre uma situação complicada que só nós podemos resolver e, pior, somos constantemente forçados a tomar decisões que têm apenas a ver connosco e que só nós podemos tomar. Consequentemente, a responsabilidade é apenas nossa (raio do Kierkegaard, como é possível alguém ter tanta razão?).

Sempre sozinhos, por mais gente, por mais multidão que tenhamos sempre à volta. Tal como Eurico, o Presbítero, pobre rapaz. Acho que o Eurico é uma grande personificação da condição humana, sempre a lutar contra o tal mar de dores de que também Hamlet falava, sempre atormentado, sempre com problemas, sempre com alguma dignidade mas sempre perdedor.

Portanto, os Rolling Stones cantam "Gimme Shelter", e talvez não saibam que encontrar um verdadeiro shelter é impossível; no entanto, é na verdade impossível, quer os Stones o saibam, quer não. Como igualmente canta esse trovador épico que é Sérgio Godinho, "cerrar os dois punhos e andou" é mais ou menos aquilo que podemos esperar da vida. Provavelmente, sentimentos como o amor, a amizade, o carinho, a ternura e a emoção em geral servem para criar a ilusão de que não estamos sozinhos, porque senão a vida seria impossível e insuportável. Temos a capacidade de gostar das coisas e dos outros para termos uma espécie de alívio que não resolve nada, mas de facto alivia, o que já não é mau

Portanto, a minha conclusão é: o melhor da vida, estes elevados sentimentos de amor e isso, são ilusões que servem para a gente se distrair dessa realidade inescapável que é o estarmos, irredutivelmente, sozinhos.

Agora que verbalizei isto, não me sinto assim muito bem. Na verdade, sinto-me bastante pior do que quando comecei a escrever este post.

Boa. Agora tenho de ir dormir para ir trabalhar amanhã e já sei que vou dormir mal. Mas porque é que eu venho para aqui escrever?

Se alguém quiser fazer o favor de ir ouvir a tal cançãozinha dos Rolling Stones, Gimme Shelter, pode ser que se sintam tão mal como eu, fazendo-me, deste modo, companhia.

Se alguém souber como é que eu posso pôr aqui no blog músicas que tenho no iTunes, também agradecia, porque estou farta de ir à procura de canções que quero postar aqui e só encontrar versões foleiras no imeem ou vídeos caseiros no youtube.

É isto, uma boa noite e boa sorte.

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