quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

Literatura de mulheres


Às vezes, acho que há algum preconceito contra a chamada "literatura de mulheres." Esta literatura de mulheres pode, infelizmente, querer dizer coisas que as mulheres normalmente lêem, o que, e mais uma vez infelizmente, significa maus livros. Imaginamos mais facilmente uma mulher a ler Nicholas Sparks do que um homem, não é? Isto é de uma extremada injustiça contra as mulheres.

Curiosamente, a expressão "literatura de homens" não existe. O que é "literatura de homens"? Livros que os homens normalmente lêem ou literatura escrita por homens? Penso que esta expressão não existe porque se parte do princípio que os homens lêem e escrevem de tudo, de modo que é um tanto ou quanto inútil e vão tentar agrupar toda essa panóplia sob uma qualquer nomenclatura.

De qualquer modo, a literatura de mulheres a que gostaria de me referir não é aquela que é normalmente lida por mulheres, mas antes a que é escrita por mulheres. É claro que há escritoras muito boas, que calha serem mulheres, da mesma forma que há escritores muito bons que calha serem homens. Há outras escritoras que são boas escritoras na sua esfera feminina, e são muitas vezes apregoadas como grandes escritoras por cultivarem, precisamente, um certo pendor feminino na sua escrita, que Harold Bloom designava pela "manta de retalhos feminista", talvez uma certa domesticidade, a luta por um lugar no mundo, não sei bem. Sei que uma dessas escritoras é Kate Chopin, americana do século XIX que, quanto a mim, mais valia ter estado quieta. Acho que já escrevi também sobre ela, ou aqui ou no Nascer do Sol, mas não tenho a certeza. A Kate Chopin é o exemplo perfeito de espécime escriba recuperado pelos famigerados "gender studies" que escreveu umas histórias passadas com mulheres no Golfo do México, umas coisas metiam a escravatura, outras não, a sua novela, The Awakening, presta para muito pouco e é completamente olvidável ao nível da qualidade da escrita, e mesmo assim pronto, é mulher, interessava-se um pouco pela emancipação, vamos todos achar que se trata de uma bela escritora.

Não é esse o caso, quanto a mim, e talvez a literatura de mulheres se revista de algum paternalismo e condescendência aos olhos da "literatura de homens", a literatura "à séria", precisamente por casos como este, da Kate Chopin, da Lídia Jorge (peço desculpa aos eventuais leitores desta escritora, não me consigo lembrar de outro exemplo; não acho que a Lídia Jorge seja muito interessante como escritora; acho que é exemplo de literatura de mulheres paternalista), de algumas coisas da própria Jane Austen, de algumas coisas de poetisas estilo Elizabeth Barret Browning. É claro que os homens também escrevem muita porcaria lamechas, e a eles ninguém lhes toca. O Camilo Castelo Branco, por exemplo, escreveu muita historieta que ele próprio dizia que não prestava para nada, mas escrevia para pagar as contas, e ainda hoje, e muito merecidamente, é reconhecido como um grande escritor da língua portuguesa. As mulheres, contudo, basta descambarem um pouco que seja para a literatura mais fraquinha, e são imediatamente ostracizadas.

Serve toda esta conversa para dizer que eu, pessoalmente, embirro com muita convicção e profundidade contra tudo o que seja gender studies, women studies, literatura de mulheres, manta de retalhos, etc. Acho que Harold Bloom tem razão, é o valor estético da obra que predomina e a torna num monumento, independentemente de o escritor ser homem ou mulher.

E serve igualmente este post para dizer que estou convencida de que as irmãs Bronte são um tanto ou quanto negligenciadas nos dias de hoje por causa destes rótulos de que tenho estado a falar - escrevem uma literatura "de damas", como diz o meu pai, lamechas, datada, etc. Eu acho que não escrevem nada disto. Acho que o o que escrevem (ou por outra, o que escreveram) é verdadeiramente bom, forte, sério, mormente Monte dos Vendavais (um livro violento e desbragado e incompreensível no bom sentido), mormente Jane Eyre. Não quer dizer que as Bronte não escrevam coisas que não se passem num universo feminino, nem que não se concentrem em histórias de mulheres. É um facto que o fazem, e isso não é problema nenhum, mas transcendem igualmente essa esfera para, como qualquer bom livro e qualquer boa história, atingirem algo universalmente bom, que interessa a toda a gente.

E portanto gostaria que este post fosse a minha singela homenagem a essas mulheraças que foram as Bronte. Dizer também que, quando era pequena, vi o filme de Téchiné, Les Soeurs Bronte, que figura na foto deste post, e nunca mais me esqueci dele, e desde essa altura, ou seja, há pelo menos uns vinte e tal anos, que ando à procura do filme em DVD e só o vi uma vez em Espanha, nem em Inglaterra o encontrei. Quando o vi em Espanha, parvamente convencida de que o iria encontrar na versão inglesa, não comprei. Agora não tenho o filme. Bem feita para não ser uma grande estúpida.
A Fnac espanhola, realmente, é muito melhor do que a portuguesa.

2 comentários:

S.M. disse...

Creio que utilizar hoje em dia o termo ( e o conceito) de "literatura para mulheres", além de ser anacrónico e preconceituoso é quase um insulto tanto para a literatura como para as mulheres. Fala-se, quando muito, em literatura feita por, ou maioritariamente destinada ( por vontade expressa de autor e editor) a mulheres. Mesmo assim, estas expressões são algo duvidosas... No passado talvez tenha exitido de facto uma "literatura de mulheres", conceito sob o qual se "escondeu" muita literatura de qualidade que só assim chgou às mãos de algumas mulheres que muito ganharam com isso...
My 2 cents...lol
Beijinh@s

Rita F. disse...

S.M, pois é, a minha opinião de leiga concorda com isso, com o facto de a "literatura de mulheres" ter escondido literatura de qualidade. Lembro-me sempre da grande Christina Rossetti, que foi redescoberta por causa disso. Mas também me vem sempre À cabeça esta Kate Chopin, que por pouco estraga o esforço de dar a conhecer grandes escritoras.
Não conheço exemplos da actualidade, só de escritoras mais antigas que foram "repescadas" pelos women studies, umas bem, outras mal, acho eu.