Ontem estava a jantar com uns amigos e arranjei maneira de desviar a conversa para um assunto que muito me apraz e que é o Dartacão. Começámos a falar dos Moscãoteiros e eu disse que o meu preferido sempre foi o Arãomis, porque era o cão poeta, que dava rosas à namorada, escrevia poemas e gostava muito de livros. Era um intelectual. Disseram-me logo: "ó Rita, mas tu também sempre gostaste de homens amaricados!"
Pronto. É isto, as pessoas passam a vida a insultar-me. Mas continuando. Primeiro, o Arãomis era um cão, portanto a crítica é um bocado injusta. Segundo, não compreendi a relação causal que ali se estabelecia. Então o Arãomis era amaricado porque gostava de livros? Como é que o Arãomis, mosqueteiro, que usava espada, quando em aventuras ia era sempre o primeiro, quando ia combater já não há rival algum, o seu lema era um por todos e todos por um, era "amaricado" porque oferecia rosas à namorada e escrevia poemas?
Rapidamente me contradisseram - "não, não, o Arãomis era amaricado porque era mulher, então tu não sabes que ele era uma mulher". Ao que eu fui forçada a responder que, lamentavelmente, essa estupidez do Arãomis ser mulher pertencia a outros desenhos animados, mais tardios, e convenientemente chamados "D'Artagnan", com a voz do grande Miguel Guilherme, e não "Dartacão".
"Ah, mesmo assim, se fores escolher o moscãoteiro mais amaricado, tem sempre de ser o Arãomis. Se fores ver as orelhas dele e tudo, tipo cocker, o mais amaricado é ele". - efectivamente, para este argumento das orelhas do Arãomis não tenho refutação possível. Mas ninguém é perfeito.
E porém, não posso deixar de pensar que este entusiasmo em apelidar o Arãomis de moscãoteiro amaricado releva uma certa corrente de pensamento subjacente, a de que o homem que é homem pode gostar de livros, sim, mas não em demasia. Serve-se deles e depois deita-os fora quando chega a altura de arranjar máquinas, dar marteladas, ser desenrascado. O que não passa de um estereótipo mentiroso. Aliás, a forma como essa grande fonte de saber chamada Wikipedia descreve o Ara(o)mis é muito explícita relativamente à sua masculinidade:
Friendship is so important to Aramis that it is strongly implied, at the end of Le Vicomte De Bragelonne, that he cried (for the first time in his entire life) when one of his friends died.
Aqui está - um homem não chora, e se chora, é pelo seu amigo homem, nunca por uma mulher qualquer. Muito à D.H. Lawrence, que haveria com certeza de gostar destes bonecos.
No entanto, e muito curiosamente, a versão desenho animado em que Aramis é mulher explica-se da seguinte forma:
In the anime version, Aramis is a woman who cross-dressed into a man in order to become a musketeer. Aramis' love of the arts in the original novel influenced the producers of the Japanese cartoon series to change the character's gender.
Ai gosta de livrinhos e versalhada, coisa de gaja? Então façamos mesmo dele uma gaja e resolve-se o problema. Que preconceito. Este mundo ainda é tão dividido em pequeninos retalhos tradicionalistas que definem o nosso comportamento...
Não sei bem o que pensar deste post. Nunca me passou pela cabeça que se pudesse escrever tanto sobre um desenho animado, ainda por cima cão. Mas a mente tem razões que o próprio coração desconhece.
nota: a propósito de bonecos e Dartacão, descobri este blog giríssimo.
Rapidamente me contradisseram - "não, não, o Arãomis era amaricado porque era mulher, então tu não sabes que ele era uma mulher". Ao que eu fui forçada a responder que, lamentavelmente, essa estupidez do Arãomis ser mulher pertencia a outros desenhos animados, mais tardios, e convenientemente chamados "D'Artagnan", com a voz do grande Miguel Guilherme, e não "Dartacão".
"Ah, mesmo assim, se fores escolher o moscãoteiro mais amaricado, tem sempre de ser o Arãomis. Se fores ver as orelhas dele e tudo, tipo cocker, o mais amaricado é ele". - efectivamente, para este argumento das orelhas do Arãomis não tenho refutação possível. Mas ninguém é perfeito.
E porém, não posso deixar de pensar que este entusiasmo em apelidar o Arãomis de moscãoteiro amaricado releva uma certa corrente de pensamento subjacente, a de que o homem que é homem pode gostar de livros, sim, mas não em demasia. Serve-se deles e depois deita-os fora quando chega a altura de arranjar máquinas, dar marteladas, ser desenrascado. O que não passa de um estereótipo mentiroso. Aliás, a forma como essa grande fonte de saber chamada Wikipedia descreve o Ara(o)mis é muito explícita relativamente à sua masculinidade:
Friendship is so important to Aramis that it is strongly implied, at the end of Le Vicomte De Bragelonne, that he cried (for the first time in his entire life) when one of his friends died.
Aqui está - um homem não chora, e se chora, é pelo seu amigo homem, nunca por uma mulher qualquer. Muito à D.H. Lawrence, que haveria com certeza de gostar destes bonecos.
No entanto, e muito curiosamente, a versão desenho animado em que Aramis é mulher explica-se da seguinte forma:
In the anime version, Aramis is a woman who cross-dressed into a man in order to become a musketeer. Aramis' love of the arts in the original novel influenced the producers of the Japanese cartoon series to change the character's gender.
Ai gosta de livrinhos e versalhada, coisa de gaja? Então façamos mesmo dele uma gaja e resolve-se o problema. Que preconceito. Este mundo ainda é tão dividido em pequeninos retalhos tradicionalistas que definem o nosso comportamento...
Não sei bem o que pensar deste post. Nunca me passou pela cabeça que se pudesse escrever tanto sobre um desenho animado, ainda por cima cão. Mas a mente tem razões que o próprio coração desconhece.
nota: a propósito de bonecos e Dartacão, descobri este blog giríssimo.
Sem comentários:
Enviar um comentário