segunda-feira, 22 de março de 2010

Embalar a trouxa e zarpar


O poema que mais me contorceu as entranhas por o sentir tão verdadeiro foi aquele de Fernando Pessoa, "viajar! Perder países! Ser outro constantemente".
Gostava de ter o tipo de vida que me permitisse pular de país em país, ilha em ilha, lugar em lugar, sem partir demasiadamente depressa, para me poder afeiçoar, e porém sem nunca ficar o tempo suficiente para me afeiçoar demasiado. Permanecer e partir na altura certa, com conta, peso e medida, tal como a vida bem vivida exige.
O privilégio de poder ser o "outro" quando se quiser, quando assim o entendermos, é algo que invejo. Poder pegar nas malas e deixar tudo, conseguir reunir os pertences numa trouxa, cerrar os punhos e andar. É uma grande liberdade - talvez a única liberdade.
Talvez por isso eu me deslumbre com Corto Maltese, não apenas porque é bonito, alto, moreno e eloquente, mas, fundamentalmente, porque não conhece amarras de espécie nenhuma. Sorte a dele ser apenas personagem de banda desenhada.
Há amarras que são benéficas. O amor é uma amarra. Mas não deixa de ser uma amarra, tal como todas as outras coisas que alguém nos disse uma vez que nós precisamos - casas, empregos, conta no banco, número de contribuinte. Todas estas estranhas identidades heterónomas que quase apagam a nossa própria identidade. É quase contra-natura.
Como é que podemos ser nós próprios quando aquilo que queremos é ser outro, viajar, perder países? Quando nem a nós queremos pertencer?
É muita filosofia para a minha vã cabeça .

Viajar assim é viagem.
Mas faço-o sem ter de meu

Mais que o sonho da passagem

O resto é só terra e céu.


Justificar completamente

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