Se há "cineasta" (palavra engraçada) que eu "adoro de paixão" (expressão engraçada) é Woody Allen. Adoro, adoro, adoro. Sonhei uma vez com Manhattan, e nunca me esquecerei deste sonho - o sol despertava por detrás dos arranha-céus, tal como no fim (ou no início? acho que é no fim) do filme, e eu estava com o Woody Allen no topo de um edifício a contemplar o espectáculo. No sonho, eu era a melhor amiga dele. Foi lindo (tal e qual tal e qual como na fotografiazinha que consegui pôr aqui ao lado).
Gosto de Woody Allen porque, com todo o respeito, acho que ele diz coisas acertadas sobre a vida com as quais eu me identifico. Gosto do pessimismo inabalável, cáustico, cheio de humor, de Woody Allen. Em "Deconstructing Harry" (na minha modesta opinião, o último filme mesmo, mesmo bom que fez - gostei do Match Point, mas enfim, nada que se compare), Harry, outro alter-ego cinematográfico deste "cineasta", vai parar à prisão, onde tem algum tempo para a seguinte conclusão - "I'm not good at life". E ainda bem que não, porque assim faz filmes magníficos em que pode falar disso. Se Woody Allen fosse uma pessoa feliz e contente, nada haveria a dizer dele.
O que me faz lembrar que, de facto, nada há de mais piroso do que o optimismo. O que haverá a dizer quando se é optimista? O que haverá a dizer quando nos esforçamos por andar de sorriso parvo estampado no rosto, à espera do tal dia que vai ser o "nosso" dia, da tal hora em que as coisas vão mudar e que vamos fugir do convento e correr para os montes, que estarão alegremente a celebrar o som da música, ou a música no coração, ou sei lá que mais? Se Woody Allen estivesse à espera de fugir para os montes para cantar o som da música, estava bem arranjado. Não fazia filmes de jeito e nem na França gostavam dele.
Não me consigo lembrar de um único escritor ou poeta de que gosto que não carregasse, ou pelo menos aparentasse carregar, uma alma negra. Até o próprio Almeida Garret, vaidoso, namoradeiro, afinal visconde, escrevia sobre infelicidades. A própria filosofia é exemplo de que o pessimismo é bem mais cool do que o optimismo. De quem é que normalmente as pessoas gostam de dizer que gostam - dos existencialistas (ai, a vida é um absurdo, ai, o homem só no mundo, as escolhas, Deus não existe, Deus não quer saber de ti, desenvencilha-te, és um bastardo, um abandonado, um órfão, não há sistema, não há salvação, percebe bem isto ou morre) ou do querido Feuerbach, o amor, a salvação, o amor, ai que lindo... Feuerbach quem? Está tudo dito. É sempre mais interessante gostar do pessimismo do que do optimismo.
E não é só na literatura e na filosofia que a vantagem estética do pessimismo é notória - é mais "fatal" vestir de preto do que de cores garridas; é mais interessante insinuar que somos um mar de conflitos interiores e que estamos, como Hamlet, indecisos entre aguentar ou agir contra os tais conflitos, do que andarmos por aí a dizer que acreditamos que "quem espera sempre alcança!"; é mais piroso usar pontos de exclamação, sinais de pontuação entusiásticos e enérgicos, do que o sóbrio, o cínico ponto final.
O cinismo e o pessimismo batem sempre a palma ao sorriso. Além disso, todo o humor vem sempre do pessimismo, do cinismo, da infelicidade. Há alguém optimista que tenha graça? Não me parece. De modo que só há vantagens no pessimismo e desvantagens no optimismo.
E é isto.
5 comentários:
nao li o texto todo, mas pela parte que percebi......
acho que a "alma negra" dos artistas faz parte da sua personagem... do seu imaginário!
O pessimiso tb é teatro...
Escrevi recentemente um apontamento (um post com 3 linhas não pode ser considerado um texto) sobre isto mesmo, e sobre as pessoas que nos querem obrigar a ser optimistas, o que é uma chatice, porque o lado positivo, na maior parte das vezes, não tem piada. É que não tem mesmo. E sim, é piroso.
Ainda hoje tive a Billie Holiday a cantar-me glad to be unhappy.
Francisco, Luna, Luís: pelos vistos, estamos todos de acordo. O optimismo é piroso, mas às vezes não têm uma secreta inveja dos parvos que andam para aí de sorriso pronto? Só uma invejazinha, uma coisinha pequenina... não troco o meu pessimismo por nada (gosto muito de me vestir de preto), mas às vezes esta invejazinha está lá, eu reconheço-a em mim. O que é mau, sou uma má pessoa.
Algumas pessoas em França também gostam de comer pernas de ra!
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