quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Politécnicos e universidades: não podemos ser todos amigos?

Há alguns meses, aqui, o Público deu conta da reacção do Ministro Mariano Gago aos politécnicos que querem ser universidades:

Mariano Gago defende que os institutos politécnicos têm "de se afirmar melhores, mais capazes, com uma identidade de nome, uma identidade de função. Não queiram liquidar esse capital de modernidade tentando vestir os trajes, as formas, os rituais e os nomes do passado". [...] "em muitos aspectos", eles [politécnicos] "são mais capazes" que as universidades: "São mais capazes de proceder a renovações instituicionais, de integrar socialmente aqueles que normalmente não entrariam no ensino superior, de fornecer empregabilidade. Mais capazes, em suma, de responder a alguns dos principais desafios do país. São mais modernos".

Não sei bem o que pensar do facto de o Ministro da Ciência e Ensino Superior vir dizer que os politécnicos não devem querer ser universidades por estas últimas, pelos vistos, pertencerem "ao passado", e que os politécnicos são, aparentemente, sob múltiplos aspectos, "mais capazes" do que as próprias Universidades; entristece-me mas enfim, adiante.

A pretensão, quanto a mim estéril, dos politécnicos ao estatuto de universidade não é nova, mas é definitivamente permitida, e provavelmente até estimulada, pelo processo de Bolonha e respectivos adeptos, que gostam de apregoar que agora a universidade serve para que os alunos sejam capazes de arranjar um emprego no fim do curso. Se é só para isto que a universidade serve, então mais vale transformá-la já em centro de emprego e acabar com a história. Ninguém nega que os cursos universitários devem, com certeza, preparar os alunos para o mercado de trabalho; mas a universidade não é só isto. Será bom pensarmos que, na vida real e no mercado de trabalho, as pessoas também deverão ter os meios intelectuais para pensar mais e melhor, e que estes meios intelectuais se poderão aprender, e/ou desenvolver com profundidade, na Universidade. O saber pelo saber, a par da integração no mercado de trabalho, deve ser sempre uma prioridade dos cursos universitários.

Não percebo porque é que os politécnicos se querem tornar universidades, ou serem equiparados a universidades. Argumentam que, por exemplo, na "Europa", os politécnicos já conseguiram essa equiparação e até já podem dar graus de doutor. Com certeza sabem também, neste caso, que, nessa tal "Europa", ninguém integra o corpo docente de uma universidade, muito menos ministra cursos de doutoramento, apenas com uma licenciatura ou sequer com um mestrado. O doutoramento é o requisito mínimo para o início da carreira académica, não a sua prova derradeira. Portugal segue também, progressivamente, este caminho, embora as Universidades contem ainda com muitos não doutorados entre o seu pessoal docente (que se apressam, com certeza, a acabar as suas teses de doutoramento, porque num futuro próximo qualquer grau inferior ao doutoramento será incompatível com a manutenção do local de trabalho). Portanto, se os politécnicos se querem tornar universidades, o esforço com a qualificação do pessoal docente terá de ser exactamente o mesmo, e a exigência do cumprimento de investigação anual pelos docentes do ensino superior deverá também aplicar-se aos politécnicos.

Quer as universidades, quer os politécnicos, têm necessariamente de contar com pessoal qualificado e de apresentar rigor científico. Mas as suas funções são diferentes. Os politécnicos podem servir a comunidade "integrando socialmente aqueles que normalmente não entrariam no ensino superior", sendo dinâmicos, práticos, fortemente orientados para o mercado de trabalho, ter a tal "identidade de função" de que Mariano Gago fala (neste aspecto, concordo com ele). As universidades, por seu lado, têm de ir para além disto - devem ser verdadeiros e exigentes centros de investigação. Não porque são instituições do passado, mas sim porque são universidades.

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