Num diálogo de Pulp Fiction que acabou por não ser incluído no filme, as pessoas eram divididas entre "pessoas de Elvis" e "pessoas de Beatles", da mesma forma que se fala de "pessoas que gostam de cães" e "pessoas que gostam de gatos". Eu, apesar de apreciar bastante o Rei, sou definitivamente uma pessoa de Beatles, que, por mais música que ouça, nunca consigo deixar de considerar a banda das bandas, os melhores dos melhores.
Depois de termos determinado se somos pessoas Elvis ou pessoas Beatles, há ainda a grande questão de escolher um determinado álbum da banda como favorito ou, indo até mais longe, como aquele que se considera "o melhor". Assim, temos as pessoas Sgt Pepper's, as pessoas Abbey Road ou as pessoas White Album, porque normalmente é num destes três (ou talvez até em todos os três) que as escolhas recaiem. É raríssimo, senão até inaudito, depararmo-nos com uma pessoa Let It Be, uma pessoa Rubber Soul ou até uma pessoa Revolver (álbum que, aliás, e na minha humilde opinião, merece estar na lista dos candidatos a melhor álbum dos Beatles, a começar logo pela capa); quanto a alguém Please Please Me, ou a um indivíduo Beatles for Sale ou até a fulano Hard Day's Night, isso então penso ser impossível de encontrar. Quanto mais se recua na discografia dos Beatles, mais as pessoas se coíbem de encontrar álbuns favoritos ou até músicas preferidas, porque canções simples, bonitas e que cumprem exemplarmente o seu objectivo (um Love Me Do, um And I Love Her, um All My Loving, por exemplo) são vistas como a antecipação da grandeza dos Beatles, e não como a própria grandeza.
Talvez haja aqui alguma razão. Os discos que, de facto, acabo por ouvir mais são, invariavelmente, de Rubbber Soul (inclusive) para a frente, esquecendo injustamente Hard Day's Night, lançado no mesmo ano, 1965, e o primeiro que é inteiramente composto pelos Beatles, sem espaço para covers das músicas populares dos anos 50 que figuravam nos primeiros álbuns. Mas, de facto, a diferença entre Hard Day's Night e Rubber Soul é já notória. O verdadeiro salto qualitativo, a grande diferença entres os grandes Beatles e os Beatles magníficos detecta-se aqui. A diferença entre os discos de 66 (Revolver) e 67 (Magical Mystery Tour, Sgt Pepper's) é alguma, mas não tão abissal, julgo eu, e isto porque, como já disse, Revolver é um disco soberbo. Os Beatles deixaram de dar concertos nesse ano, já que assim como assim as pessoas não iam para os ouvir mas sim para os ver e desmaiar de excitação, e portanto puderam aventurar-se pelos caminhos musicais que entenderam, experimentando o que lhes apetecia sem ter de pensar em como transpor a sofisticação musical do disco de estúdio para o concerto ao vivo. Talvez por isso possamos encontrar em Revolver o experimentalismo, o uso da cítara por George Harrison já na fase do misticismo (aliás, a cítara até encontramos logo em Rubber Soul, precisamente), o surrealismo de John Lennon em She Said, She Said e Tomorrow Never Knows, a perfeição pop de McCartney (que, como Beatle, gostava de nos lembrar que as pessoas normais também existem, como li algures, penso que no All Music Guide) no grande Eleanor Rigby.
Tudo isto para dizer que não tenho álbum favorito dos Beatles, e que, dependendo da fase da vida, ouço uns mais do que outros. O meu coração tem, porém, um fraquinho polígamo por Revolver e, decididamente, por Abbey Road, que, há dezasseis anos atrás, quando comecei a ouvir Beatles a sério, foi o primeiro álbum que verdadeiramente me deslumbrou. Ainda hoje me continua a deslumbrar, e contra isto nada há a fazer, apenas abrir bem os ouvidos e deixar a música entrar.
1 comentário:
Vou ser a primeira a comentar em todos os teus fantásticos posts que acabei de ler, babada, babada!
lembro-me tão bem de ti, feliz, a atravessar a Abeey Road, na tua primeira ida a Londres!
Muitos beijinhos, minha querida! Parabéns pelo blogue!
Vou divulgá-lo!
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