O que é que quer dizer “ser de algum lado”? Quando me perguntam de onde sou, tenho imensa dificuldade em responder. Devo responder que vivo na cidade x? É que a cidade onde vivo não é, quanto a mim, o sítio de onde sou, porque não nasci lá (aqui), não vivi lá (aqui) em pequena e a maior parte das pessoas que lá (aqui) vivem são apenas pessoas com quem divido o pedaço de terra por onde caminho, não são meus amigos, e mesmo que sejam – “meus amigos são por serem meus amigos, e mais nada”, como dizia Jorge de Sena, não por viverem geograficamente próximos de mim. Tudo isto contribui para que me sinta, com algum pesar, uma forasteira em todo o lado, e também para que perceba, mais do que nunca, o grande Variações com o seu “só estou bem onde não estou”. Dizem-me que toda a gente passa pelo mesmo em certas alturas da vida. Esta é daquelas alturas. A culpa é toda da idade, que me faz envelhecer e pensar demais.
Assim, se me perguntam de onde sou, devo responder, então, que sou da cidade onde nasci? É que a cidade onde nasci já não é de onde eu sou porque já não vivo lá, não vivo lá há mesmo muitos anos, não tenho amigos nem vizinhos nem uma cara vagamente conhecida a quem dirigir um cumprimento seguido de meio sorriso, lá. Tenho família na cidade onde nasci, é certo, mas família tenho em tantos sítios diferentes que ter ou não ter familiares em determinada localidade não pode, com certeza, ser critério para determinar de onde somos. Além disso, “meus familiares são por serem meus familiares, e mais nada”.
Devo dizer que sou do sítio onde trabalho e onde acabo por passar a maior parte dos meus dias? Não, porque se é certo que a minha presença física é exigida em determinada localidade, não é aí que vive o meu espírito nem é aí que eu gosto de estar. Não é daí que eu sou.
De onde sou, então?!
Talvez as pessoas não precisem de ser de um sítio em particular. Sempre que leio Fernando Pessoa, detenho-me num poema em particular: “viajar, perder países, ser outro constantemente, por a alma não ter raízes…”.Uma alma sem raízes não tem lugar. Um lugar físico, uma aldeia, uma vila, uma cidade, quero dizer. Mas uma alma sem raízes, mesmo sem lugar, é de algum lado. É talvez daquilo que gosta, daquilo que a faz continuar, seja lá o que isto quer dizer.
É de poemas como este, de Fernando Pessoa. É de Bernardim Ribeiro: “entre mim mesmo e mim, não sei o que se alevantou…”
És tu e eu, Bernardim, se te posso tratar por tu (“é o Bernardim, nós chamamos-lhe assim” – havia uns desenhos animados com esta canção, só que o nome do pequeno herói era Robin, não Bernardim; no entanto, prefiro “Bernardim”, porque é um nome muito musical e presta-se a qualquer lenga-lenga: “Bernardim, Bernardim aos molhos, por causa de ti, choram os meus olhos; ai Bernardim, quem te disse a ti que a flor do monte era o alecrim!”, e por aí fora; é mesmo um nome muito musical e alegre, ainda que Bernardim Ribeiro não tenha escrito coisas muito alegres – escreveu-as belíssimas, é o que interessa). Compreendo-te muito bem, Bernardim. Às vezes, a nossa vida não parece bem que é a nossa, não é, Bernardim? Parece de outra pessoa, não é, Bernardim? Já não tenho mais frases em que se justifique usar o teu nome, Bernardim, para grande pena minha, Bernardim, mas se alguém me compreende és tu, Bernardim.
Concluindo (e convém que, a bem da coesão textual, se proceda aqui a uma pequena conclusão): não sou de lugar nenhum, e talvez por isso seja bom contar com o apoio de poemas como o que deu título a este post e que foi escrito pelo doce Bernardim Ribeiro (que provavelmente também não era de lugar nenhum; aliás, muitos dizem que ele nem sequer existiu, que era apenas um alter-ego de Sá de Miranda, o que é situação bem mais grave; entre sentir que não se é de lado nenhum e pura e simplesmente não existir, sempre prefiro a primeira).
Assim, se me perguntam de onde sou, devo responder, então, que sou da cidade onde nasci? É que a cidade onde nasci já não é de onde eu sou porque já não vivo lá, não vivo lá há mesmo muitos anos, não tenho amigos nem vizinhos nem uma cara vagamente conhecida a quem dirigir um cumprimento seguido de meio sorriso, lá. Tenho família na cidade onde nasci, é certo, mas família tenho em tantos sítios diferentes que ter ou não ter familiares em determinada localidade não pode, com certeza, ser critério para determinar de onde somos. Além disso, “meus familiares são por serem meus familiares, e mais nada”.
Devo dizer que sou do sítio onde trabalho e onde acabo por passar a maior parte dos meus dias? Não, porque se é certo que a minha presença física é exigida em determinada localidade, não é aí que vive o meu espírito nem é aí que eu gosto de estar. Não é daí que eu sou.
De onde sou, então?!
Talvez as pessoas não precisem de ser de um sítio em particular. Sempre que leio Fernando Pessoa, detenho-me num poema em particular: “viajar, perder países, ser outro constantemente, por a alma não ter raízes…”.Uma alma sem raízes não tem lugar. Um lugar físico, uma aldeia, uma vila, uma cidade, quero dizer. Mas uma alma sem raízes, mesmo sem lugar, é de algum lado. É talvez daquilo que gosta, daquilo que a faz continuar, seja lá o que isto quer dizer.
É de poemas como este, de Fernando Pessoa. É de Bernardim Ribeiro: “entre mim mesmo e mim, não sei o que se alevantou…”
És tu e eu, Bernardim, se te posso tratar por tu (“é o Bernardim, nós chamamos-lhe assim” – havia uns desenhos animados com esta canção, só que o nome do pequeno herói era Robin, não Bernardim; no entanto, prefiro “Bernardim”, porque é um nome muito musical e presta-se a qualquer lenga-lenga: “Bernardim, Bernardim aos molhos, por causa de ti, choram os meus olhos; ai Bernardim, quem te disse a ti que a flor do monte era o alecrim!”, e por aí fora; é mesmo um nome muito musical e alegre, ainda que Bernardim Ribeiro não tenha escrito coisas muito alegres – escreveu-as belíssimas, é o que interessa). Compreendo-te muito bem, Bernardim. Às vezes, a nossa vida não parece bem que é a nossa, não é, Bernardim? Parece de outra pessoa, não é, Bernardim? Já não tenho mais frases em que se justifique usar o teu nome, Bernardim, para grande pena minha, Bernardim, mas se alguém me compreende és tu, Bernardim.
Concluindo (e convém que, a bem da coesão textual, se proceda aqui a uma pequena conclusão): não sou de lugar nenhum, e talvez por isso seja bom contar com o apoio de poemas como o que deu título a este post e que foi escrito pelo doce Bernardim Ribeiro (que provavelmente também não era de lugar nenhum; aliás, muitos dizem que ele nem sequer existiu, que era apenas um alter-ego de Sá de Miranda, o que é situação bem mais grave; entre sentir que não se é de lado nenhum e pura e simplesmente não existir, sempre prefiro a primeira).
1 comentário:
Então não é que escrevi sobre isto há 8 meses num jornal cá da região?
:)
Que giro!
Claro que não teve este teu grau de profundidade e de brilhantismo literário, mas significa que te compreendo perfeitamente!
Muitos beijinhos da tia N.
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