domingo, 6 de junho de 2010

Nota mental: com o Camões resultava


- Cami, acorda. São horas de mudarmos a pala.
- Hã?
- Acorda, vá. Se não mudamos a pala, ficas com essa toda suja e depois é muito chato.
- Ah, tens razão. Realmente, se não fosses tu...
- Pronto. Vais escrever, hoje?
- Vou, pá. Decidi que tenho de enxertar para lá uma cena de sexo. Que é para vender. Sabes que sem sexo, nada se vende.
- Ai, sim? Ah... mas tu tem cuidado, Cami. Está a ficar um poema tão bonito, tão profundo... não estragues tudo com brejeirices.
- Eu, brejeiro? Claro que não, até parece que não me conheces. Já sei como é que vou dar a volta à coisa. Os marinheiros vão ter a uma ilha cheia de ninfas doidas. Só rega-bofe, mas rega-bofe com classe.
- Estou a perceber. Uma ínsula divina, cheia de aquáticas donzelas, glória dos olhos, dor dos corações, não é?
- É tal e qual! O que é que foi isso que tu disseste? Espera lá, fofinha, espera lá para eu apontar.
- Aponta, aponta.
- Olha, e estou a pensar incluir romãs. São o símbolo da fertilidade, não é?
- Pois é. Romãs, mostrando a rubicunda cor, com que o rubi seu preço perde...
- Tu hoje estás demais! Deixa-me mas é apontar isso tudo. Tens mais ideias?
- Não, acho que não. E já pensaste em como vão ser as ninfas? Vão ter um mover de olhos brando e piedoso?
- Não, isso não dá para o rega-bofe. As ninfas vão ser umas doidas, já te disse. Vai ser mais do estilo de esperar um corpo de quem levam a alma.
- Cami, isso está excelente! Espera um corpo de quem levas a alma...
- Por acaso está, não está? Vês, não és só tu que tens ideias boas.
- Eu nunca disse que era só eu. Aliás, quando eu ganhei o Nobel a gente falou sobre isso. Tu disseste que estavas muito orgulhoso de mim e não tinhas inveja nenhuma.
- Ó fofinha, e não tenho. Fiquei muito orgulhoso. Só que agora tenho de me concentrar muito a sério no meu poema para ver se para a próxima sou eu a ganhar o Nobel.
- E bem mereces, Cami. Tu és o maior poeta de sempre. Se este país não estivesse numa apagada e vil tristeza, já tinhas ganhado tudo o que há para ganhar e vivias em deleitosas honras que a vida fazem sublimada. Os triunfos, a fronte coroada de palma e ouro, a glória e maravilha - estes são os deleites que tu sempre mereceste.
- Obrigada pelo teu apoio, fofinha. Mas em vez disso, vê lá o que tenho de fazer... ir ao paço receber a tença pacientemente. Às vezes, sinto que este país me mata lentamente.
- Não, Cami, não penses assim. Tu és o maior de todos os poetas. Este país vai dar-te todo o reconhecimento que mereces, mais tarde ou mais cedo.
- Eu espero bem que sim. Só de pensar que morro e ainda me enterram numa vala comum... já viste a tristeza que era?
- Cala-te, Cami, credo! Lagarto, lagarto, lagarto. Pára já de pensar em parvoíces e vai mais é despachar o poema. Já tens título?
- Não, ainda não. Só dou no fim.
- És o maior, Cami.
- Obrigada, fofinha.

2 comentários:

Xantipa disse...

Adorei!
Beijinhos

ecila disse...

hahaha muito bom!