terça-feira, 15 de junho de 2010

Mundial


Para mim, o Mundial é.
Para mim, o mundial é o México 86, o mundo unido num balón.
E beber Milo de manhã. Ainda se vende Milo no Chipre (talvez se venda noutros países, mas vi à venda no Chipre e comprei 300 latas. Não sabia ao mesmo. Foi uma desilusão).
E o Micha dos Jogos Olímpicos.
E, ao jantar, engolir uma colherada de um líquido verde e amargo, que era para abrir o apetite. Abriu de tal forma que o apetite dura até hoje.
E ir andar de bicicleta no passeio à frente de casa, pedalar, pedalar, pedalar até conseguir deixar de andar com rodinhas.
E ler o General Dourakine da Condessa de Ségur e ficar muito impressionada com o feudalismo russo e com tanta chicotada. Tudo corrido à chicotada. Já escrevi antes que a Condessa de Ségur era uma sádica. Maluca.
Ver o Sítio do Picapau Amarelo e adorar a Emília e o Sassi Pê-rê-rê (não sei se é assim que se escreve) e sentir pavor, terror até, daquele óbvio boneco que para mim era um verdadeiro crocodilo de cabeleira, dentes arreganhados e garras ameaçadoras, chamado Cuca.
E ver as Irmãs Bronte, as minhas irmãs Bronte, do Techiné e achar que a Isabelle Adjani era linda (e é). Ainda hoje, a Emily Bronte tem, para mim, a cara de Adjani. No filme, veste-se de homem e apanha tuberculose quando experimenta um casaco do falecido irmão Branwell. Começa a tossir, a tossir, a tossir e tem de se sentar na cama vazia e desconsolada, os cabelos pretos e longos a cobrirem-lhe a cara afogueada. Ao ver esta cena, o meu sonho passou a ser ter ataques de tosse assim, que me obrigassem a sentar-me na cama daquela forma derreada, dramática, romântica. Ainda não aconteceu, o que, hoje em dia, me parece claramente vantajoso.
Ir brincar à apanhada depois do jantar, se não estivesse a chover, ou andar de bicicleta, ou ir ao poço dar à manivela para de lá sair água.
Fugir dos cães. Havia sempre tanto cão, quando eu era pequena, e eu sempre convencida que eles me queriam morder.
Ver o Amor de Perdição e a cara pálida, sugada, da Teresa, que repete o nome de Simão. De arrasar, especialmente aos olhos de uma criança.
Ouvir a Balada da Rita do Sérgio Godinho e ficar aflita - mas isto é para mim? Sempre agradeci os conselhos. Deve ser por isso que, ainda hoje, gosto tanto do Sérgio.
Uma vez, estar a brincar com amigos, olhar para o céu e ver umas luzes. Ficámos a pensar que eram ovnis. Fomos a correr dizer aos respectivos pais. Ninguém acreditou em nós. Disseram-nos "agora vamos para casa, vamos tomar banho e beber leite quentinho. Não viram nada ovnis". Foi mesmo isto que nos disseram - beber leite quentinho, tomar banhinho, inho, inho. Não há ovnis. Mas que nós vimos, vimos.
O que é certo é que nunca por nunca voltei a ver ovnis. Já não há luzes nos céu, como cantava o outro (ou seriam estrelas. Sei lá. O que é que interessa).
Pois, e tudo isto era a propósito do Mundial. Para mim, o Mundial é.

5 comentários:

fado alexandrino. disse...

Um post enorme, romântico nostálgico, muito bonito.
Vou concentrar-me só na parte do cinema francês.
Gosto imenso das artistas francesas, os filmes até podem ser mudos basta vê-las.
Esta mais a Binoche e a Bardot (procurar nos cine clubes) mais a Jacqueline Bisset (não é francesa mas devia ser nacionalizada) e claro a Romy que essa sim foi nacionalizada por aquele sortudo, a Isabelle Huppert enfim vou mesmo ser claro, uma mulher que fale francês, se tocar piano ainda melhor, até me faz esquecer o Mundial.
E isso não é nada fácil.

Rita F. disse...

Adoro a Huppert! Adoro, com aquela cara de antipática...
No filme A Pianista, estava de morrer. Não gostei do filme, mas adorei-a a ela.
Pensava que a Bisset era francesa. Desta não gosto tanto, porque apesar de ser gira e classy, nunca a vi a fazer grandes filmes (mas talvez não tenha prestado grande atenção).
Também não sabia que a Romy tinha sido nacionalizada. Para mim, será sempre a Sissi. Pura e simplesmente adoro-a a fazer de Sissi, adoro os filmes, o cabelo, os vestidos, os olhos dela, tudo. Adoro.
Mas quem eu adoro ainda mais é, de facto, a Adjani a fazer de Emily.
Enfim, sou uma pessoa que adora muita coisa.

fado alexandrino. disse...

Rita F.

A Bisset fez, com outros, uma obra admirável, "La nuit américaine" que pode consultar aqui

http://www.imdb.com/title/tt0070460/

Soberbo.

JB disse...

Caríssima, então não é que eu desconhecia a existência desse filme do Techiné? Ainda para mais com essa deusa que é a Isabelle Adjani (e a outra, semi-deusa, ou deusa-cruel, que é a Isabelle Huppert)? Carambas, muito lhe agradeço. Tratarei de «adquirir».
Tenho estado aqui a ler os seus posts que tinha atrasados, e deixe-me dizer-lhe que amei aquele da filosofia e da internet. Lyndo, lyndo.

Rita F. disse...

Vou tentar dar outra chance à Bisset, então... :)

Zé, faz-me um grande favor, arranja o filme e depois diz-me onde o encontraste. Tenho tido uma dificuldade enorme, tanta que deixei de o procurar. Encontrei uma vez na Fnac espanhola, n comprei, e nunca mais voltei a vê-lo (parva). Acho que nem sequer há uma edição inglesa.
De modo que agradeço atenciosamente toda a informação que me puder dispensar relativamente a este assunto. :D