domingo, 30 de novembro de 2008
O optimismo é piroso
sábado, 29 de novembro de 2008
Envelhecer aos fins de semana custa (ou como o frio e a chuva toldam a nossa capacidade de escrever algo que faça sentido)
quinta-feira, 27 de novembro de 2008
(outra) Gaja que faz o meu estilo: Charlotte Gainsbourg
quarta-feira, 26 de novembro de 2008
Nota mental 2: com o Corto Maltese não resulta, mas e com Marlon Brando...?
Dura vita sed vita
Memórias de uma menina bem impressionada
El Greco é para adultos, é o que eu defendo.
terça-feira, 25 de novembro de 2008
Vã glória de mandar: uma análise (mais ou menos) linguística
- Não estou aqui a ver nenhum anexo A1234567899668654687/F.
Eu fico perplexa, pois não percebo o que é que eu tenho a ver com aquilo que o funcionário consegue ou não ver. Normalmente digo:
- Ah, não? Ah... que pena.
Mas o funcionário volta a insistir na sua falta de visão, talvez para eu ter ainda mais piedade, e suspira ainda mais fundo, dando à voz algumas entoações irritadas, para eu me compadecer mesmo dele:
- Pois não, não estou a ver não. É que não estou mesmo a ver.
E depois fica a olhar para mim, com ar zangado. Depois de alguns minutos, eu percebo finalmente que o que ele está a tentar fazer é avisar-me, de forma delicadíssima, de forma muitíssimo indirecta, como quem se compraz em apontar ao cidadão aquilo que ele fez mal (o que eu sei que não pode ser verdade), que eu não entreguei o papel que devia ter entregado, e que a culpa é toda minha de ele estar tão zangado. E decido arriscar:
- Então... quer dizer que vou ter de voltar cá... com o tal A123457857075086770764067/F?
- Pois com certeza! Pois com certeza!
- Então não posso preencher num instante agora? É que não fazia ideia e...
E agora, triunfante no esplendor de todo o seu poder, diz-me o funcionário/a:
-NÃO. NÃO PODE.
Também gosto da atitude pedagógica dos portugueses quando mandam. Uma vez, no meu local de trabalho, perdi o cartão de identificação e tive de ir tratar do assunto com o senhor dos cartões. Expliquei-lhe que precisava de um cartão novo porque tinha perdido o meu, e responde-me o senhor:
-Então mas acha que eu lhe posso dar um cartão assim sem mais nem menos? (aqui está, método socrático no seu melhor - fazendo perguntas para a pessoa responder é a melhor forma de aprender!)
- Sim, eu trabalho aqui e... e portanto, acho que preciso de um cartão novo... não é?
- Ah pois, mas não. Isto há métodos. Eu tenho de seguir métodos. Sente-se aqui que vai ter de abrir um processo novo para ter cartão, não vê que isto há métodos!
E, neste saudável exercício de diálogo platónico, lá fiquei eu, mais uma vez preenchendo papelada, seguindo os "métodos" impostos pelo senhor dos cartões, cujo rigor profissional impedia de me dar um cartão provisório do pé para a mão para eu poder sair do parque de estacionamento.
segunda-feira, 24 de novembro de 2008
(outra) Gaja que faz o meu estilo
Adiante. Num filme que pelos vistos foi mal amado pelo público, mas que eu não acho muito mau, e ao qual até acho piada, que é o Melga, o Jim Carrey faz uma imitação suprema e de morrer a rir da Grace Slick a cantar aquela que é provavelmente a sua canção mais conhecida - Somebody to Love (mas tem mais graça se já conhecermos bem o original):
Lin-dooo. Grace, pede desculpa por essa coisa do Starship e voltamos a ser amigas. Mas continuo a adorar o teu cabelo. Sou uma fraca.
sábado, 22 de novembro de 2008
Em que demonstro porque é que não sou a Virginia Woolf,e/ou James Joyce e/ou restantes modernistas
sexta-feira, 21 de novembro de 2008
Gajas que fazem o meu estilo
quinta-feira, 20 de novembro de 2008
Politécnicos e universidades: não podemos ser todos amigos?
Reininho tinha uma aura um tanto ou quanto original, escrevia letras engraçadas (lembro-me de ser muito pequena e ouvir o "Efectivamente" com uma amiga da escola porque era a tal música do "adoro as pulgas dos cães"; ríamo-nos sempre perdidamente com isto, sendo que o resto da letra nos passava um tanto ou quanto ao lado), tinha piada, boa apresentação e era meio irreverente - noutro dia, encontrei na Bertrand um livro com excertos de entrevistas com Reininho, nos idos anos 80, e ele dizia coisas como "quero ser reformado" ou "quero escrever música para reformados", algo deste género, assim como "quero escrever para o Marco Paulo". Era calculadamente cool - e isto num país em que as bandas ainda não tentavam, de forma tão deliberada, apresentarem-se como cópias formatadas de bandas britânicas e americanas, todas com roupa da moda, cabelo desfeito em cor e gel, de boca prontíssima para o inglês (já toda a gente percebeu que falam muito bem em estrangeiro, petizada, portanto agora já se podem calar, obrigadíssima) e para tiradas retumbantes como "queremos agradecer este querido EMA"; quando as ouço é que penso mesmo "faz-me impressão o trabalho, oh oh, que se tem em ser superficial" - de modo que, cantando e falando só em português, o que chegava e sobrava, Rui Reininho conseguia ter um ar algo rebelde e diletante que lhe ficava mesmo bem, e que a mim me encantava.
Almas penadas
Nunca me revejo naquilo que escrevi no passado. Leio e releio os textos e encontro sempre algo de que não gosto, ou algo que, muitas vezes, acho terrivelmente piroso, e este confronto com a falta de qualidade daquilo que escrevemos é duro. É quase alienante – releio os mesmos textos muitas vezes e é-me difícil acreditar que a pessoa que eu hoje sou escreveu aquilo há apenas três meses atrás, de modo que a minha identidade parece transfigurar-se numa espécie de alma penada que reside em palavras antigas que pus no papel e que agora voltam para me assombrar, vindas de algum lugar alheio a que eu, seguramente, não pertenço. E volto a lembrar-me do meu doce Bernardim: “de mim me sou feito alheio”.
Mas este lugar alheio é pura ilusão - ele existe, mas não é alheio. Este lugar alheio, onde escrevi textos tão maus que me envergonham, sou eu, é a minha casa. E por isso é que escrever é, por vezes, uma actividade tão dolorosa. O espelho mais revelador que podemos ter daquilo que somos. O confronto penoso com o eu como se fosse o outro, mas não é o outro, sou mesmo eu. Que confusão.
Tudo isto poderia fazer-me perguntar porque é que ainda tento escrever o que quer que seja, mas para isto o meu “eu”, ou talvez o “eu” que é o “outro” (simplifiquemos: “qualquer coisa de intermédio”) tem uma resposta: como o meu plano é endireitar a minha vida, estou à espera do dia em que vou olhar para o espelho e vou mesmo, mesmo gostar do que lá está, sem reservas de qualquer espécie.
quarta-feira, 19 de novembro de 2008
O país do "você"
Making of Eric, The Presbyter
terça-feira, 18 de novembro de 2008
Como ando a ler muito Pessoa, lembro-me de que seria bom que eu fosse tão interessante por fora como sou por dentro.
segunda-feira, 17 de novembro de 2008
Mestres
A mim parece-me que sim:
- Não quero que matem Phillis e Elijah. Do Abner não sei o que pensar, sempre foi louco... e os loucos são sagrados, porque pensam de olhos abertos.
- Tudo isto me parece um disparate!
- Sim, tens razão!...É uma loucura, mas temos de fazer de conta que é uma coisa muito séria...é uma velha tradição índia, respeitar os disparates!
"Estranjas"
Silvia Plath e Ted Hughes.
Bertha Manson e Mr Rochester.
Penélope e Ulisses.
Ariane e Teseu.
Medeia e Jasão.
O que estas mulheres têm em comum é fácil de perceber - todas elas foram abandonadas, de forma mais ou menos óbvia, pelos maridos (Penélope é talvez um caso à parte, pois o marido só queria voltar para casa e não o deixavam, mas enfim). Lembrei-me disto nem sei porquê, talvez por de vez em quando pensar no belo Wide Sargasso Sea, de Jean Rhys, que resgata a figura da pobre Bertha Manson. Esta última, personagem de Jane Eyre, e antes da obra de Jean Rhys, resumira-se a um empecilho desnorteado impedindo a felicidade da frágil Jane com o seu bígamo Mr Rochester. Fechada no sótão por ser louca desvairada, a pobre Bertha não tem outro remédio senão tentar reclamar o marido, que agora se prepara para casar com a doce Jane, através de desvarios, grunhidos e actos piromaníacos. Em Wide Sargasso Sea, Jean Rhys dá a Bertha uma vida anterior ao casamento, uma personalidade, anseios e medos, isto é, faz-lhe justiça. Ao ler Jane Eyre (e li mesmo muitas vezes), nunca me lembrei da vida desta Bertha, sempre pensei que era uma doida parva a empatar o Mr Rochester e a fazer a minha pobre Jane infeliz, e foi preciso ler Wide Sargasso Sea para começar a olhar para o tal Mr Rochester com outros olhos e pensar que este, afinal, antes de ter pedido Jane em casamento, devia talvez ter-se lembrado de que já tinha outra mulher convenientemente trancada no sótão com as suas loucuras.
A história de Medeia, por seu lado, é a mais terrível, a mais insuperável, e provavelmente aquela com quem não se pode deixar de simpatizar, ainda que tenhamos imensa pena dos filhos sacrificados. No entanto, quem tem de aguentar não só o marido que a troca por uma princesazinha qualquer mais nova, como o exílio que lhe é imposto, como também ainda ouvir, do próprio Jasão, que muita sorte teve ela, Medeia, em ter casado com ele e ter ido morar para a Grécia, ela que era uma estrangeira bárbara vinda das profundezas do Terceiro Mundo, tem com certeza mais do que motivos para se indignar. Não admira que Medeia tenha dado em doida e exercido a sua vingança da forma mais retumbante possível, e não deixa de ser curioso este olhar reprovador e duro que recai sobre as mulheres como “seres estrangeiros” – Medeia e Bertha (crioula das Índias Ocidentais que segue o marido para Inglaterra), por exemplo, são duas estrangeiras que o pagaram caro. Cleópatra, que neste caso não foi abandonada, mas antes envolvida em grande tragédia por gostar de Marco António, também era constantemente vilipendiada em Roma por ser uma bruxa egípcia.
O que custa nas histórias destas mulheres abandonadas, principalmente aquelas da vida real, é o facto de ilustrarem a escassez de opções que assolou, durante séculos, as mulheres que permaneceram sós, repudiadas por um qualquer marido. E muitas delas, mesmo assim, enfrentavam as misérias e “davam a volta por cima”, para usar uma alegre expressão dos dias de hoje (como bem representa Hester Prynne de The Scarlet Letter, que até foi escrito por um homem). As suas histórias não deixam, porém, de impressionar. Catarina de Aragão fechou-se num convento e morreu para o mundo, e esta sim é que provavelmente se terá dado por felizarda ao ouvir dos destinos bem mais duros das outras esposas (e respectivos pescoços) de Henrique VIII. Octávia ficou a tratar dos filhos até morrer, e ainda por cima parece que um deles morreu e que lhe despedaçou o coração de vez (para ser sincera, li isto na Wikipedia, portanto tanto pode ser verdade como mentira). O caso de Silvia Plath é ainda mais cruel, quanto a mim. Também de coração estilhaçado ao ver-se abandonada por Ted Hughes, poeta que na altura aliava o sucesso literário ao sucesso entre as mulheres, Silvia Plath suicidou-se, mas o que aqui impressiona é que, neste caso, estamos a falar de alguém brilhante, inteligente, que escreveu uma poesia vigorosa, estranha, bela, e que era igualmente magnífica na prosa – a “Bíblia dos Sonhos”, colecção de contos de Silvia, é provavelmente o melhor livro de contos que já li, ou pelo menos aquele de que mais gosto. Uma pessoa que, ao que me parece, deveria ter muitas razões para viver. Mas os caminhos tortuosos da mente humana são, de facto, insondáveis.
E é isto, hoje deu-me para pensar sobre a condição feminina. Gosto de viver no século XXI, apesar de tudo o que ainda há para fazer relativamente à condição das mulheres no mundo, e gosto de saber que, se não tenho o talento de Silvia Plath, pelo menos tenho uma compensação, que é a de viver como quero (ou quase, aquele problema da assimetria...)
domingo, 16 de novembro de 2008
sexta-feira, 14 de novembro de 2008
Não bata mais no ceguinho, Tolstoi (ou por outra, na marrequinha)
"A história passada da vida de Ivan Ilitch fora a mais simples e vulgar e por isso a mais horrível"
(pontos de exclamação, pontos de exclamação, pontos de exclamação, que eu detesto, mas que aqui são precisos)
Quer dizer, uma pessoa a querer endireitar-se, a precisar de força e de estímulo, e depois fica a pensar nisto. Vai ser tudo muito mais difícil do que eu pensava (e as minhas previsões já eram suficientemente pessimistas).
Quem nasce torto, tarde ou nunca se endireita?
quinta-feira, 13 de novembro de 2008
Bernardim aos molhos
Antre mim mesmo e mim
não sei que s'alevantou,
que tão meu imigo sou.
Uns tempos com grand'engano
vivi eu mesmo comigo,
agora no mor perigo
se me descobre o mor dano.
Caro custa um desengano,
e pois m'e não matou
quão caro que me custou
De mim me sou feito alheio
antr'o cuidado e cuidado
está um mal derramado,
que por mal grande me veio
Nova dor, novo receio
foi este que me tomou
assi me tem, assi estou.
Tu é que me compreendes, Bernardim.
Anita vai à Fnac
quarta-feira, 12 de novembro de 2008
Nota mental: não apaixonar por Corto Maltese
terça-feira, 11 de novembro de 2008
Pochlosta
Ultimamente, tenho-me interessado por aquele pochlost que, tendo a forma e conteúdo de pochlost, acaba por não o ser verdadeiramente, ou por outra – é-o, mas encerra também em si a sua própria redenção.
Explico-me melhor. Recentemente, tive não uma, mas duas amigas que olharam para mim com esgares de nojo, reacção que nunca tinha antes provocado em nenhum dos meus amigos (e, esperançosamente, em nenhum ser humano, mas quanto a isto nunca se sabe). Uma das amigas teve esta reacção desagradável por eu lhe ter dito que gostava muito de ouvir o November Rain dos Guns’N’Roses. Outra querida amiga (que permanece uma grande amiga, felizmente), além do esgar de nojo, revirou os olhos e exclamou “o quê?!...ai meu Deus” (e este “ai meu Deus” proferido quase num murmúrio, como normalmente fazemos para indicar que está tudo perdido e nada resta senão desprezo), e tudo isto porque lhe disse que gostava muito do Pó de Arroz do Carlos Paião. E pergunta-me ela, ainda com levíssima esperança de salvação: “mas gostas só desta canção, ou gostas de outras dele?”. Ao que eu respondo que gosto de outras, da Cinderela, do Playback, deste modo conseguindo vários “meu Deus” cada vez mais murmurados. Se elas soubessem o mais encerra o meu ipod tinham, então, um verdadeiro ataque, mas a culpa não é minha – peço desculpa, mas melhor do que Kylie Minogue e Madonna para combater o tédio das passadeiras e bicicletas do ginásio não há; se houver, alguém por favor que me informe.
Admito perfeitamente que November Rain e Pó de Arroz sejam pochlost. Mas são pochlost bom, se é que isto existe. Na minha opinião, parece-me que pode existir. Há certas coisas que são, sem dúvida nenhuma, “falsamente atraentes” e, pior, “falsamente inteligentes”, que é, quanto a mim, o mais hediondo crime, ainda por cima ampliado por, normalmente, as pessoas irem atrás destas coisas verdadeiramente “malignas” sem perceberem a malvadez, a torpeza da falsa inteligência ou da falsa emoção. Os escritores da chamada Geração X, as pobrezas de espírito de Richard Bach ou Nicholas Sparks, por exemplo, que depois dão filmes ainda mais insuportáveis (filmes que eu nunca vi, nem nunca hei de ver, e que, contrariamente ao que se costuma dizer, sei muito bem que não preciso de ver para saber que não prestam) – e isto é apresentado como um “elevado nível de arte”, “o valor mais alto da emoção”. E há mais exemplos - a música que ouvimos 10 vezes (Kylie, Madonna) e de que depois nos fartamos, porque não há ali nada que dê para mais, ao contrário dos Beatles, do Tom Waits, do Leonard Cohen, por exemplo, que ouvimos 20 vezes e há sempre coisas novas a descobrir; os livros que nos encantam quando lemos pela primeira vez e que se esboroam à segunda leitura, porque afinal não estão assim tão bem escritos, porque afinal não têm nenhuma verdade que nos mude a vida, como por exemplo (na minha experiência pessoal), Isabel Allende e quejandos (o realismo fantástico sul americano já não me atrai, aconteceu, o coração muda, é mesmo assim); os filmes que nos sentimos na obrigação de gostar, ou que à partida até gostamos, mas que depois percebemos que o que oferecem não é mais do que uma pretensão desmedida que arruína tudo, como por exemplo (lamento muito, mas vou voltar a insistir neste ponto, ainda por cima sendo este um exemplo perfeito do filme aparentemente “profundo e belo” “lambido todo pela crítica, pelo público”) “Aquele querido mês de Agosto”, etc., etc.
Há, no entanto, no meio deste pochlost todo, algumas coisas que se salvam. Não deixam de ser falsamente atraentes (embora tenham o mérito de não tentar ser inteligentes, e portanto não são falsamente inteligentes porque pura e simplesmente não são inteligentes), mas há nestas coisas algum rasgo que qualidade, de originalidade, que as redime. Não consigo pôr o dedo na ferida e indicar o que é, exactamente, que redime estas coisas, mas algo como November Rain e Pó de Arroz têm-no, quanto a mim. Talvez seja o valor sentimental, a reminiscência da infância e da adolescência, partilhados por toda uma geração, que salva este pochlost menos mau. É o tal “pochlost” benigno. Ou talvez não. Existirá pochlost benigno? Existirá pochlost inofensivo, como eu penso que o November Rain e o Pó de Arroz são?
Talvez a “pochlosta” seja eu e tenha agora mesmo acabado de me desmascarar.
Wil-ly escrevia só para mim (2)
Discurso de Marco António após a morte de César, em Julius Caesar,acto III, cena 2:
Friends, Romans, countrymen, lend me your ears;
I come to bury Caesar, not to praise him.
The evil that men do lives after them;
The good is oft interred with their bones;
So let it be with Ceasar. The noble Brutus
Hath told you Caesar was ambitious:
If it were so, it was a grievous fault,
And grievoulsy hath Caesar answer'd it.
Here, under leave of Brutus and the rest -
For Brutus is an honourable man;
So are they all, all honourable men -
Come I to speak in Caesar's funeral,
He was my friend, faithful and just to me:
But Brutus says he was ambitious;
And Brutus is an honourable man.
He hath brought many captives home to Rome,
Whose ransoms did the general coffers fill:
Did this in Caesar seem ambitious?
When that the poor have cried, Caesar hath wept:
Ambition should be made of sterner stuff:
Yet Brutus says he was ambitious
And Brutus is an honourable man.
You all did see that on the Lupercal
I thrice presented him a kingly crown,
Which he did thrice refused: was this ambition?
Yet Brutus says he was ambitious;
And, sure, he is an honourable man.
I speak not to disprove what Brutus spoke,
But here I am to speak what I do know.
You all did love him once, not without cause:
What cause withholds you then, to mourn for him?
O judgement! thou art fled to brutish beasts,
And men have lost their reason. Bear with me;
My heart is in the coffin there with Caesar,
And I must pause till it come back to me.
(... pausa também do leitor, para absover tanta beleza e para recuperar o coração, que perdeu por solidariedade a Marco António)
Agora sim: políticos deste país, é pôr aqui os olhos. É pôr aqui os olhos. Queriam vocês. Nem o "Yes we can" se compara. E foi tudo escrito para mim.
Escrevia só para mim, uma peça sem fim e eu olhava, olhava... Willy escrevia só para mim
If it were damnable, he (Angelo) being so wise, why would he for the momentary trick be perdurably fined? O Isabel –
Ao que Isabella, mal acreditando no que ouve, retorque:
What says my brother?
E é agora que Claudio se limita a responder, de forma simples e breve:
Death is a fearful thing.
Está aqui tudo dito. Claudio é um homem que vai morrer e que não olhará a meios para salvar a vida porque o medo da morte é mais forte do que a honra, a bravura, a dignidade. Se a sua sobrevivência depender de a irmã prescindir da sua bem resguardada pureza, então seja. Este death is a fearful thing encantou-me desde a primeira leitura por o ter achado, desde logo, tão surpreendentemente humano. Será talvez apenas um pormenor em Medida por Medida, e certamente em toda a vasta obra de Shakespeare, mas para mim é um grande traço de humanidade, é a literatura que retrata verdadeiramente pessoas, não personagens.
Assim, a grandeza desmedida de Shakespeare é algo que tenho dificuldade em conceber. É algo que me faz ler as suas peças e ficar de boca aberta a pensar como foi possível, o que aliás, não é nada de novo. Sou eu e o resto do mundo.
Por isso é que há textos que resistem ao tempo e outros que sucumbem. Os que resistem parecem sempre novos, e dão-nos sempre a sensação de sermos os primeiros a descobri-los, ainda que saibamos que há milhares de pessoas que pensaram o mesmo, ou quase o mesmo, quando os leram.
Death is a fearful thing – gosto de pensar que fui eu, e apenas eu, com a ajuda de Shakespeare, que evidentemente a escreveu só para mim, a descobrir o segredo desta frase.
sábado, 8 de novembro de 2008
De mim me sou feito alheio
Assim, se me perguntam de onde sou, devo responder, então, que sou da cidade onde nasci? É que a cidade onde nasci já não é de onde eu sou porque já não vivo lá, não vivo lá há mesmo muitos anos, não tenho amigos nem vizinhos nem uma cara vagamente conhecida a quem dirigir um cumprimento seguido de meio sorriso, lá. Tenho família na cidade onde nasci, é certo, mas família tenho em tantos sítios diferentes que ter ou não ter familiares em determinada localidade não pode, com certeza, ser critério para determinar de onde somos. Além disso, “meus familiares são por serem meus familiares, e mais nada”.
Devo dizer que sou do sítio onde trabalho e onde acabo por passar a maior parte dos meus dias? Não, porque se é certo que a minha presença física é exigida em determinada localidade, não é aí que vive o meu espírito nem é aí que eu gosto de estar. Não é daí que eu sou.
De onde sou, então?!
Talvez as pessoas não precisem de ser de um sítio em particular. Sempre que leio Fernando Pessoa, detenho-me num poema em particular: “viajar, perder países, ser outro constantemente, por a alma não ter raízes…”.Uma alma sem raízes não tem lugar. Um lugar físico, uma aldeia, uma vila, uma cidade, quero dizer. Mas uma alma sem raízes, mesmo sem lugar, é de algum lado. É talvez daquilo que gosta, daquilo que a faz continuar, seja lá o que isto quer dizer.
É de poemas como este, de Fernando Pessoa. É de Bernardim Ribeiro: “entre mim mesmo e mim, não sei o que se alevantou…”
És tu e eu, Bernardim, se te posso tratar por tu (“é o Bernardim, nós chamamos-lhe assim” – havia uns desenhos animados com esta canção, só que o nome do pequeno herói era Robin, não Bernardim; no entanto, prefiro “Bernardim”, porque é um nome muito musical e presta-se a qualquer lenga-lenga: “Bernardim, Bernardim aos molhos, por causa de ti, choram os meus olhos; ai Bernardim, quem te disse a ti que a flor do monte era o alecrim!”, e por aí fora; é mesmo um nome muito musical e alegre, ainda que Bernardim Ribeiro não tenha escrito coisas muito alegres – escreveu-as belíssimas, é o que interessa). Compreendo-te muito bem, Bernardim. Às vezes, a nossa vida não parece bem que é a nossa, não é, Bernardim? Parece de outra pessoa, não é, Bernardim? Já não tenho mais frases em que se justifique usar o teu nome, Bernardim, para grande pena minha, Bernardim, mas se alguém me compreende és tu, Bernardim.
Concluindo (e convém que, a bem da coesão textual, se proceda aqui a uma pequena conclusão): não sou de lugar nenhum, e talvez por isso seja bom contar com o apoio de poemas como o que deu título a este post e que foi escrito pelo doce Bernardim Ribeiro (que provavelmente também não era de lugar nenhum; aliás, muitos dizem que ele nem sequer existiu, que era apenas um alter-ego de Sá de Miranda, o que é situação bem mais grave; entre sentir que não se é de lado nenhum e pura e simplesmente não existir, sempre prefiro a primeira).
sexta-feira, 7 de novembro de 2008
Quando eu morrer
Quanto a mim, não há nada que supere uma frase destas no leito da morte (e, pensando bem, fora dele muito provavelmente também não).
Uma professora minha, muito dada a sentenças pouco interessantes, informou a turma inteira da sua opinião relativamente à morte de William Blake, dizendo que não concebia melhor maneira de morrer do que estar na cama a trabalhar e de repente fechar os olhos (pelos vistos, foi assim que Blake morreu, segundo a tal professora). Provavelmente, “trabalhar” quereria dizer, no vocabulário muito pouco imaginativo e definitivamente pouco sonhador desta professora, “fazer poemas e desenhar”, que era o que Blake fazia ao produzir os seus belíssimos livros iluminados. Blake morreu a criar, diria eu, não propriamente a “trabalhar”, mas enfim, há que ser solidário para com as limitações semânticas das pessoas. Se é verdade que vislumbro algum encanto nesta morte, continuo a afirmar que não supera a morte de Hegel. A morte de Hegel consegue ser muito melhor, porque fundamentalmente este filósofo disse à realidade que não queria saber dela para nada e que o seu sistema filosófico, a sua criação intelectual sólida, circular e inexpugnável, era superior e autónoma. Há que admirar a confiança demonstrada por Hegel na sua própria criação intelectual. Eu, pelo menos, admiro, porque se é certo que a última palavra foi da realidade (afinal de contas, Hegel acabou mesmo por morrer), o Hegel, pelo menos, não se curvou sob o peso terrível das coisas que não podemos mudar.
Quando crescer, quero morrer como o Hegel.
Romances ingleses que davam grandes filmes portugueses: O Monte dos Vendavais
In just seven days, I can make you a man, ou: androginia
Naguib Mahfouz, Akhenaton, o Rei Herege
Como se vê aqui pela fotografia, as incomensuráveis e magníficas estátuas de Akhenaton que podemos apreciar no Museu do Cairo são tudo menos repugnantes. A face do Faraó mantém aquele meio sorriso enigmático, comum à forma como todos os Faraós do Egipto foram normalmente representados, mas difere destes últimos pelos lábios grossos e a cara notoriamente afilada. Nas mãos, cruzadas sobre o peito, segura os costumeiros ceptros, mas o ventre e as ancas, ao contrário dos firmes traços masculinos dos Faraós anteriores (e dos que se seguiram) são rotundos, protuberantes, roliços até, como os de uma jovem mulher em idade fértil. Esteticamente (e não só), o reinado de Akhenaton foi uma revolução, ou uma heresia, ou um atraso, dependendo das perspectivas, devido a esta fusão inaudita do masculino e do feminino, e do novo resultado que isso trazia na representação do Faraó (e, pelos vistos, no governo da nação também). Esta foi a demonstração mais óbvia que tive dos resultados esteticamente tão interessantes que a androginia pode ter.
Ao ouvir a “Lola” dos Kinks voltei a pensar nesta questão da androginia. A Lola parece mesmo ser daquelas mulheres muito macho, ou então um travesti. E o senhor que canta a canção gosta da Lola talvez por não ser, nas suas próprias palavras, o homem mais masculino do mundo. Talvez algo semelhante à inesquecível figura enleada de Tim Curry no Rocky Horror Picture Show, nitidamente um homem mas carregado de maquilhagem berrante e a pavonear-se em corpete, meias de liga e umas pernas do tamanho do mundo, elegantemente alcandoradas em garridos saltos vertiginosos:
Ao ler o livro de Mafhouz, percebemos que Akhenaton era efeminado porque, ao invés da guerra, preferia o amor. Qualquer semelhança com Jesus Cristo não é, como parece claro, pura coincidência. Já Vénus era a deusa do amor e Marte o deus da guerra. No entanto, juntar tudo num só, como Akhenaton, e se possível com a exuberância irrepreensível de Tim Curry, resulta e bem.