domingo, 2 de maio de 2010

Henry Chinaski

Quando aparecia a feira na cidade, toda a gente lá ia. Era um acontecimento.
Eu gostava da feira porque era a única altura do ano em que se podia comprar pão doce, fresquinho e com uma camada de açúcar por cima. No resto do ano, nenhuma padaria o vendia.
A juventude gostava de se concentrar na pista de carrinhos de choque. Os rapazes vinham do frango assado ao jantar, fim de tarde na feira, e exibiam ali a destreza automobilística, já que ninguém os deixava tirar a carta. As raparigas usavam gel no cabelo, vestiam fatos de sair e agrupavam-se ao pé da pista, a lançar olhares ansiosos aos condutores, na esperança de que eles as convidassem para encontrões e solavancos de encontro a outros carrinhos. Às vezes, funcionava, e a noite acabava por detrás de um qualquer pavilhão, já com os carrinhos bem esquecidos e com a mente concentrada noutros choques bem diferentes; outras vezes, não funcionava, e lá voltavam as raparigas para casa, em bando, o gel no cabelo que afinal não fizera diferença nenhuma, mais valia nem terem posto nada. Se era Carnaval, ainda levavam com um balão de água em cima, ouviam os rapazes que o tinham lançado a fugir e a rir, e chegavam a casa como verdadeiras gatas pingadas.
Para mim, a noite acabava sempre a vomitar, que pão doce e rodopios de carrinhos de choque me davam mais que voltas ao pobre estômago. O gel no cabelo não adianta nada quando se sofre do estômago, e portanto nunca me incomodei com isso. A feira também costumava vender calendários com fotografias de pessoas famosas, a Marilyn, o Elvis, o James Dean. Uma vez, encontrei um conjunto de calendários com os Beatles e comprei logo, muito satisfeita com o meu achado. Nessa noite, senti que o vomitanço tinha compensado.
Nas outras noites, nem por isso. Não me querendo comparar, percebo perfeitamente Henry Chinaski. Além disso, não gosto de feiras, nem nunca gostei.

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