domingo, 2 de maio de 2010

Fantasia Lusitana


Ao ver "Fantasia Lusitana", de João Canijo (sou fã absoluta deste homem), confirma-se plenamente o que Eduardo Lourenço, com toda a sabedoria e pelos vistos presciência, escreveu no Labirinto da Saudade: o irrealismo prodigioso com que Portugal se vê ao espelho.
O documentário de Canijo revela como toda a propaganda do Estado Novo, alguma dela até, devo confessar, tristemente divertida ("os nossos mercados são tão bonitos, as belas cebolas, as batatas, suas irmãs, que só esperam pelo seu melhor amigo, o bacalhau", coisas assim), dizia, toda esta propaganda disseminava a imagem do pobrezinho mas honrado Portugal, reduto intocável de paz, felicidade, alegre modéstia, mimosa fé, alheio à guerra, ao holocausto, aos próprios refugiados que invadiam Lisboa - "pois que tudo são coisinhas", como escreveu Garcia de Resende (quer dizer, escreveu mais ou menos isto, não posso garantir que saiba de cor) a propósito da corte portuguesa renascentista. Era o que se passava em Lisboa - tudo eram coisinhas, alegres, frescas, fadistas. Interessantíssimos os relatos de Saint-Exupery e Alfred Doblin, que eu não fazia ideia que tinham passado por Lisboa, mas que estiveram de facto cá em 1940 - ambos falam de como a luz da nossa belíssima cidade (aqui, sem sombra de ironia - Lisboa é efectivamente uma beleza, e ainda bem) acaba por ter um efeito muito mais desconcertante do que apaziguador. Um falso paraíso, uma paz prestes a desmoronar-se, todo um povo que quer com toda a força acreditar, prodigiosa e irrealisticamente, que a guerra está lá longe, que não o afecta.
Algumas imagens do documentário são aterradoras, e isto porque ainda se reconhece tanto do país da altura naquilo que o país é agora (sim, isto é um lugar-comum mais do que comum, bem sei; já quando se lê o Eça se percebe que ainda há tanta coisa igual, blá, blá... mas os lugares-comuns têm uma vantagem, é que normalmente são verdadeiros).
Mas quem sou eu para me queixar. Vamos ter feriado porque o Papa nos vem visitar, e isso para mim é sinal dos tempos, que a liberdade está a passar por aqui. Há que rejubilar.

Sem comentários: