terça-feira, 21 de julho de 2009

Tempo que passa

Pela primeira vez desde há meses e meses e meses, tantos que nem consigo contar, dou por mim a chegar a casa e - a não ter nada para fazer.
Nada para fazer.
Quando Seinfeld decidiu acabar com a sua muitíssimo bem sucedida e muitíssimo engraçada sit-com, deu uma entrevista. Nessa entrevista, explicou que uma coisa que as pessoas lhe perguntavam muito era "Então agora que já não tem o programa, o que é que faz?". E Seinfeld responde - "Eu digo-vos o que faço. Não faço nada".
Eu, preguiçosa por natureza, sempre percebi este apego ao "nada" de Seinfeld (um homem que desiste da TV para não fazer nada, quando o seu programa de TV era, precisamente, sobre nada), e isto porque eu costumava considerar o meu "nada" como algo extremamente produtivo, em que lia, desenhava, ouvia música, escrevia. Mas depois de tempos infindos habituada a viver sem este "nada", agora que ele reaparece na minha vida, fico sem jeito a olhar. Não sei o que fazer ao tempo livre, da mesma forma que um ex-fumador não sabe o que há-de fazer às mãos. E também não sei o que fazer a esta terrível sensação de ter de aproveitar bem o tempo, tic-tac, tic-tac, não desperdiçar o tempo, o tempo escasseia, ai que vergonha não saber o que fazer ao tempo livre. Mas a verdade é que viver em sociedade é assim, a gente habitua-se ao tempo fragmentado, curto, a correr, compartimentado em horários e gavetas, e quando o tempo salta das gavetas para a nossa vida, ficamos abismados. Eu, pelo menos, fico.
Mas, por favor, não tomem atenção ao que escrevo. Já alguém, nome próprio Chico, apelido Buarque, descreveu tudo isto de forma tão bonita e tão superior à minha:

Vou
Uma vez mais
Correr atrás
De todo o meu tempo perdido
Quem sabe, está guardado
Num relógio escondido por quem
Nem avalia o tempo que tem

Ou
Alguém o achou
Examinou
Julgou um tempo sem sentido
Quem sabe, foi usado
E está arrependido o ladrão
Que andou vivendo com o meu quinhão
Ou dorme num arquivo
Um pedaço de vida, vida
A vida que eu não gozei
Eu não respirei
Eu não existia
Mas eu estava vivo
Vivo, vivo
O tempo escorreu
O tempo era meu
E apenas queria
Haver de volta
Cada minuto que passou sem mim

Sim
Encontro enfim
Iguais a mim
Outras pessoas aturdidas
Descubro que são muitas
As horas dessas vidas que estão
Talvez postas em leilão

São
Mais de um milhão
Uma legião
Um carrilhão de horas vivas
Quem sabe, dobram juntas
As dores coletivas, quiçá
No canto mais pungente que há

Ou dançam numa torre
As nossas sobrevidas
Vidas, vidas
A se encantar
A se combinar
Em vidas futuras
E vão tomando porres
Porres, porres
Morrem de rir
Mas morrem de rir
Naquelas alturas
Pois sabem que não volta jamais
Um tempo que passou


Oh, que belo poema.

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