quarta-feira, 8 de julho de 2009

Different Class


A classe social é uma eminência parda, mas verdadeiramente uma eminência, na velha Albion. A sensação que tenho é que toda a gente que vive em Inglaterra sabe exactamente a que classe pertence - upper, middle or working, sendo que nos interstícios há lugar para alguma variação; por exemplo, a working class é distinta de uma outra classe (a chamada "underclass") que não é "working" porque não tem emprego e vive de constantes subsídios estatais; as classes upper, middle e working não gostam deles porque acham que são todos imigrantes que lhes roubam o dinheiro dos impostos. Também há uma outra classe, mais associada à working class, que são os chamados "chavs" (ignoro a etimologia do termo); estes chavs, por sua vez, associam-se a uma outra classe designada por "asbos" (que vem de "anti-social behaviour"). Caracterizam-se por comerem muitas batatas fritas, usarem bonés foleiros a imitar Burberry's, falarem muito alto e meterem medo às classes upper e middle; as raparigas chavs usam muita maquilhagem, unhas de plástico, também falam alto, e andam sempre a engravidar clandestinamente. Em geral, os "chavs" não se dão bem com a "upper class" porque acham que estes últimos falam com um sotaque irritante, de quem tem a mania que é bom; a upper class não gosta dos chavs porque diz não perceber sequer a forma como eles falam; os chavs também não gostam da middle class porque esta tem a mania de ir à universidade e também achar que é boa; a middle class não gosta dos chavs porque, igualmente, não percebe o que eles dizem e têm medo que haja um qualquer que lhes engravide a filha, e depois esta já não pode ir para Oxford nem para Cambridge, ou para uma universidade no resto do país que seja, e vai a família toda escala social abaixo, com uma mãe solteira ali a estragar tudo.
De modo que é complicado. E não há lugar mais priviliegiado para observar o complexo escalonamento social britânico do que determinados eventos-chave, como por exemplo a regata de Henley (ou por outra: a Real Regata de Henley), que é o equivalente às corridas de cavalos de Ascot, mas com barcos. Em primeiro lugar, para ir ver a regata, tem de se ter um "passe" e só se pode entrar com vestido abaixo do joelho, regra que só se aplica às senhoras; os senhores devem ir bem vestidos, de preferência com o blaser do seu clube de remo. As senhoras podem e devem usar aqueles lindíssimos chapéus muito complicados com metros de tecido, e os senhores não podem tirar o casaco, porque não se deve andar em mangas de camisa que nem um moço de estrebaria (que, como todos sabemos, é um emprego muito comum e que paga bem). Acontece que este ano fez um calor imenso e insuportável, de modo que alguém decidiu que os senhores poderiam, excepcionalmente, despir o blaser. Alguns optaram por o fazer, outros acharam que era uma escandaleira, porque desde o século XIX que não é permitido tirar o casaco na Regata de Henley.
E isto é a parte composta e civilizada de Henley, em que, tal como cantava John Lennon em Glass Onion no White Album, se constata " how the other half lives". Mas, uma vez que é possível comprar bilhetes para ir ver a regata, esta é invadida por hordas temíveis de working class, chavs, asbos, que se apressam a tirar a camisa e andar por ali de tronco nu e chinelos, sentando-se na relva a comer fish and chips. É um contraste prodigioso entre esta descontracção e as compostas senhoras de longo vestido e ainda mais longo chapéu. No entanto, quem tiver o passe para a chamada "stewards enclosure", um recanto delimitado por vedações, com grandes pavilhões brancos que protegem do sol e onde não se pode sequer usar telemóvel, vê-se rodeado do grande sentido de classe e civilidade britânicos.
No entanto, quem é estrangeiro, como eu, limita-se a apreciar o bom tempo, os rápidos barcos, os esbeltos remadores, a bonita e verde paisagem rural inglesa, segura de que uma nacionalidade mais confortável, como a portuguesa, permite uma feliz distância das complexidades do classismo. Embora me pareça que Portugal é também um país flagelado por uma enorme e notória estratiticação social - o que ficará, possivelmente, para outro post.

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