quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Não tenho tempo para pensar num título

Acabei de ler A Estrada, de Cormac McCarthy. Gostei muito, mas fundamentalmente este livro suscita-me uma série de interrogações, a primeira das quais tem a ver com a escrita em si. A Estrada é um livro muitíssimo bem escrito e, enquanto o lia, pensava constantemente que era uma escrita muito vigorosa, dura, "masculina". Este adjectivo era recorrente - uma escrita masculina. O que é uma escrita masculina? Não sei exactamente explicar, mas sei identificar - Cormac McCarthy, Hemingway (porque será...), Salinger, Bukowski, Faulkner, por exemplo, parecem-me detentores de uma escrita masculina. Já Truman Capote, Fitzgerald, D.H. Lawrence, por exemplo, parecem-me menos masculinos na escrita (mas não necessariamente femininos).
Talvez isto se deva aos temas narrativos. Violência, guerra, toureiros, soldados, guerra, sexo, alcoól , loucura, são tradicionalmente mais presentes em universos masculinos, ao passo que psicologias, universos interiores, sentimentos, infância, são coisas mais "à mulher". Tradicionalmente falando, claro.
Ao pensar nos autores femininos que li, parece-me impensável que escrevessem algo como A Estrada. Mais impensável ainda é um livro como A Estrada apresentar como protagonista uma mulher que tenta sobreviver num mundo hostil e apocalíptico com a filha, ao invés de um homem que se faz acompanhar do filho, como de facto o livro relata.
Porquê? Porque os problemas das mulheres não são, apesar dos tempos modernos em que vivemos, os mesmos dos homens? Porque os universos femininos e masculinos ainda estão divididos pelo muro secular da tradição, que faz os homens herdeiros da tal escrita "vigorosa" e as mulheres herdeiras de uma escrita mais do universo da família, da psicologia, introvertida? Não sei.
A verdade é que a maior parte dos autores que leio são homens, não porque o escolho racionalmente, mas porque calha. Há mais escritores homens disponíveis, a escrever sobre uma quantidade de coisas.
Para despachar porque tenho mesmo de ir fazer o jantar, queria ler mais livros escritos por mulheres que falassem de pessoas a sobreviver num mundo horrível até à náusea, como o Cormac McCarthy, porque acho que as mulheres também poderiam perfeitamente escrever sobre isso, mas não encontro tais livros. Talvez se deva à minha ignorância.
Pronto.

6 comentários:

Woman Once a Bird disse...

Confesso não ser grande adepta dessa escrita. Não pela crueza que revela, ou pelos temos duríssimos, mas pelo que se faz às personagens femininas. Fúteis ou coisificadas. E isso é-me demasiadamente pouco atraente para os ler sem ser por esta óptica. Escrita masculina porque coisificam as "suas" mulheres.

Rita F. disse...

É verdade, concordo. Há muitos escritores que de facto "coisificam" as mulheres, e eu nem percebo bem porquê, se é propositado ou não, ou se pura e simplesmente as mulheres são "coisas" que eles não consideram importantes o suficiente para incluirem nas suas obras.
Por isso mesmo é que gostava de ver mulheres como personagens mais relevantes em certo tipo de ficção (escrita por homens ou mulheres). Como disse no post, tenho muita curiosidade em perceber como seria uma narrativa como A Estrada com uma mãe e uma filha, por exemplo.

Unknown disse...

Experimente ler Rosa Likson para ver se é uma escrita feminina.

A estrada não terá como personagens femininas porque McCarthy é homem.

Ainda a propósito de McCarthy e a figura feminina, aconselho-a a ler Outer Dark, um romance que é a busca de uma mãe pelo filho recém nascido.
Acredito que depressa concluirá que McCarthy, apesar da escrita vigorosa, masculina, não coisifica as mulheres.

Agradeço-lhe o seu tempo

Rita F. disse...

ms, obrigada pelas sugestões. Vou com certeza encontrar tempo para as ler.
Quero, muito seguramente, ler mais coisas de Cormac McCarthy. Ainda quanto à Estrada, apesar de McCarthy ser homem, e de ser claro que o que ali interessa é a relação entre pai e filho, a figura feminina (que existe e é mencionada) pareceu-me um bocadinho a despachar. Mas enfim, suponho que também se podia ter dado o caso de nem sequer aparecer.

JB disse...

Eu gosto é das escritoras que coisificam os homens. São muito mais espectaculares.

Rita F. disse...

Eh, eh, pois são.
Dá lá alguns exemplos, faxavôr.
É que eu só me consigo lembrar da outra que escreveu o Sexo e a Cidade, e duvido que seja escritora. Até duvido que seja mulher. Também duvido que seja homem.
Digamos que é um ser.