Também me interrogo sobre outras coisas importantes, como por exemplo: será que alguma vez existirá uma série de televisão tão absolutamente brilhante como Os Sopranos? Não me parece.
Sendo grande fã desta série, nunca vi, porém, a última temporada até ao fim, de modo que me encontro a colmatar esta lacuna e a ver os episódios todos de enfiada. E pus-me a pensar nisto, se alguma vez as séries de televisão conseguirão ultrapassar a qualidade da escrita e a densidade narrativa dos Sopranos.
O que me fez pensar noutra coisa. Há momentos na vida em que somos atingindos por um meteoro de brilhantismo que nos derreia e nos arrasa. Um filme inesquecível, um livro fundamental, um quadro que nos traz lágrimas aos olhos. E, pelo menos durante algum tempo, não há nada que nos faça esquecer esse meteoro. Estamos soterrados debaixo dele, não conseguimos ler outros livros, ver outros filmes, contemplar outros quadros, dos quais gostemos tanto.
Há coisas que se relacionam connosco de uma forma absolutamente íntima. Por exemplo, para mim, ver A Última Hora, de Spike Lee, foi um meteoro. Sei que o filme é bom, mas não assim tão bom, e no entanto é, até hoje, o filme que mais me afectou. Vi-o todas as semanas até sair de sala. Ainda não fui atingida da mesma forma por nenhum outro filme, mas aguardo esperançosamente que tal aconteça.
Nunca poderei esquecer o momento em que vi uma cópia do David, de Michelangelo, no museu Victoria&Albert. Pensei que era a estátua a sério, feita parva. Olhei para aquelas pernas intermináveis, aquelas mãos enormes, aquele tronco a preparar-se para o ataque, e quase chorei. Nunca vi nada mais magnífico até hoje. E, mesmo sabendo que o que vi foi uma cópia, duvido se o original terá em mim o mesmo efeito (nunca fui a Florença; o que mudou foi que agora já sei que o David está em Florença).
Será que é possível gostarmos de algo de tal forma que nunca voltamos a conseguir gostar genuinamente do resto? Será que há coisas, e talvez até pessoas, que nos afectam de tal maneira que não conseguimos sair debaixo do meteoro? Ficamos ali, a tentar recriar o momento inicial de adoração completa, em que somos atingidos por um raio, um meteoro, o que seja.
Eu gosto de pensar que estes momentos não são irrepetíveis. Que na vida há sempre espaço para meteoros que nos caem em cima da cabeça, e que até podem fazer doer. Mas depois lembro-me de que sou pessimista e já penso de maneira diferente. As dores de cabeça não acontecem assim, do pé para a mão, ou da mão para o pé.
Nota para dizer que, para quem repara em mãos, as do David são algo de absolutamente extraordinário. Que beleza:
Há coisas que se relacionam connosco de uma forma absolutamente íntima. Por exemplo, para mim, ver A Última Hora, de Spike Lee, foi um meteoro. Sei que o filme é bom, mas não assim tão bom, e no entanto é, até hoje, o filme que mais me afectou. Vi-o todas as semanas até sair de sala. Ainda não fui atingida da mesma forma por nenhum outro filme, mas aguardo esperançosamente que tal aconteça.
Nunca poderei esquecer o momento em que vi uma cópia do David, de Michelangelo, no museu Victoria&Albert. Pensei que era a estátua a sério, feita parva. Olhei para aquelas pernas intermináveis, aquelas mãos enormes, aquele tronco a preparar-se para o ataque, e quase chorei. Nunca vi nada mais magnífico até hoje. E, mesmo sabendo que o que vi foi uma cópia, duvido se o original terá em mim o mesmo efeito (nunca fui a Florença; o que mudou foi que agora já sei que o David está em Florença).
Será que é possível gostarmos de algo de tal forma que nunca voltamos a conseguir gostar genuinamente do resto? Será que há coisas, e talvez até pessoas, que nos afectam de tal maneira que não conseguimos sair debaixo do meteoro? Ficamos ali, a tentar recriar o momento inicial de adoração completa, em que somos atingidos por um raio, um meteoro, o que seja.
Eu gosto de pensar que estes momentos não são irrepetíveis. Que na vida há sempre espaço para meteoros que nos caem em cima da cabeça, e que até podem fazer doer. Mas depois lembro-me de que sou pessimista e já penso de maneira diferente. As dores de cabeça não acontecem assim, do pé para a mão, ou da mão para o pé.
Nota para dizer que, para quem repara em mãos, as do David são algo de absolutamente extraordinário. Que beleza:
6 comentários:
Sou um frequentador de dezenas de vezes ao dia do IMDB e um dia decidi que ao pontuar os filmes devia haver um que fornecesse a bitola de referência e que só ele havia de ter 10 pontos.
E escolhi "Once Upon a Time in America" e aguardo por outro que eventualmente lhe possa tirar este lugar de destaque.
Quer isto dizer que aceito, aliás até espero, que um dia apareça um que suplante o outro.
Penso aliás da mesma maneira sobre tudo na vida, no fundo, creio, é a ideia de que mesmo o maravilhoso se pode tornar um pouco menos se outra coisa ainda mais maravilhosa aparecer.
Querida Caetana, há uma série pelo menos igualmente fenomenal - The Wire. Tem melhor pontuação no IMDB que os Sopranos (o que é difícil porque estes já têm 9,5...), e aliás acho que alguns dos produtores e realizadores estiveram nas duas.
Infelizmente o meu fornecedor deixou-me pendurado a meio da segunda temporada, mas estavam a transmiti-la no Mov, no cabo.
Se souber como fazer tem aqui
a séria 2 e a 3 e mesmo a 5 quase de borla.
Olá, Zorzito, há quanto tempo não falamos, sôtor!
Já ouvi falar muito do Wire. Até quero ver, mas tenho alguma preguiça, porque só vi metade de um episódio uma vez e agora tinha de ver tudo de enfiada do princípio.
De qualquer modo, devo dizer-te que acho um feito o Wire ter ultrapassado a pontuação dos Sopranos. Os Sopranos é uma coisa tão bem feita.
Fado Alexandrino, essa atitude de poder haver sempre uma coisa ainda mais maravilhosa parece-me muito certa. A questão é que só sabemos quando chegamos ao fim da linha e olhamos para trás, não é?
Não vi o "Era uma vez na América", mas, tal como o Wire, também ouvi dizer que é excelente. O que vi foi o Once Upon a Time in the West e adorei. O Henry Fonda a fazer de malvado Frank, todo mascarrado com aqueles olhos azuis a faiscar, e o pobre rapaz da harmónica naquela cena com o irmão... que coisa de arrepiar! E a Claudia Cardinale está o máximo, também. É um grande filme, de facto é.
Muito obrigado.
Tenho pena que ainda não tenha visto o último filme de Sergio Leone que assinou algumas das maiores obras de cinema.
Do que fala também ele magnífico a cena em que Claudia Cardinale chega e vê toda a sua futura família morta e onda resolve lutar é excelente e fica na memória. Grande mulher.
O outro é um filme muito triste, mostra como se vão perdendo os amigos mesmo os mais chegados e como um grande amor pode também morrer.
Tem cenas de absoluta antologia, aquela em que ele manda reabrir um restaurante de luxo fechado por época sazonal apenas para jantar com ela não cabe aqui a descrição.
Não perca sob nenhum pretexto.
Já agora se se der ao trabalho de visitar o meu blog verá qual a última obra prima que vi.
Essa obra prima também não vi!
Mas vi outras de que fala, nomeadamente Laranja Mecânica. Concordo, é um filme magnífico. E adoro o actor, o Malcom McDowell, que entra num outro filme dos anos 60 de que também gosto muito, o If.
Perdeu-se um bocado, este actor, nunca mais fez nada de jeito... :(
Enviar um comentário