Uma vez, há muitos anos, era eu pequena, decidi que seria uma boa ideia pensar na vida e nas pessoas com quem podemos, ou não, contar. Decidi contar os amigos que tinha - amigos verdadeiros, aqueles com quem eu podia brincar a tarde toda e a quem fazia confidências. Não se tratava aqui de tomar em consideração rapazes com quem só se conversava se se tivesse um carrinho ou berlindes, nada disso. De modo que me pus a contar e cheguei à conclusão de que tinha 10 amigos verdadeiros. Pareceu-me muito pouco e comecei a chorar (era muito sensível, nessa altura. Também era um bocadinho parva).
Chorei de tal forma que atraí a atenção da minha mãe. A minha mãe não achou o meu problema nada de outro mundo - disse que 10 amigos era perfeitamente normal, 10 era um bom número , pior seria se não tivesse amigos nenhuns e que, assim como assim, "nunca se tem muitos amigos".
Na altura, achei que esta verdade era uma coisa terrível. Nunca se tem muitos amigos, como? Então mas a ideia não era crescer e viver como as pessoas da telenovela, que vivem no Brasil e têm piscina e bebem sumo de maracujá ao pequeno-almoço e vão para a piscina com muitos e muitos amigos e estão sempre a conhecer gente nova, e além do sumo de maracujá também comem bolo ao pequeno-almoço? Nunca se tem muitos amigos, como?, se eu queria que a minha vida fosse assim como a novela, de preferência no Brasil e tudo, e fundamentalmene com bolo ao pequeno-almoço?
Foi difícil habituar-me a esta ideia (a de que nunca se tem muitos amigos; quanto à ideia do bolo ao pequeno-almoço, enfim, ultrapassar a barreira dos trinta dá-nos certas liberdades, como a de decidirmos o que ingerir de manhã, seja bolo, seja croissant, seja apenas leitinho com Ovomaltine), continuando, foi difícil habituar-me, mas talvez tenha sido devido a esta afirmação sábia da minha mãe que me habituei, desde muito cedo, a distinguir entre "amigos" e "conhecidos". Estes últimos vão e vêm como os autocarros, e se com alguns até podemos partilhar momentos mais especiais, o que se verifica é que a entidade dos "conhecidos" é algo de muito efémero. São pessoas que estão na nossa vida num momento e, estranhamente, no outro dia já se fora embora. Mas destas pessoas, há sempre em grande quantidade.
Os amigos são bichos mais complexos, mais difíceis de agarrar, mais complicados de manter na nossa vida. Por isso é que eles nunca são muitos. É como o tigre de Bengala (aquele que é muito raro, acho eu). Quando se apanha um, é tão precioso que temos de o manter numa jaula, não vão eles querer ir-se embora, como fazem os "conhecidos". Em troca, damos carinho, amor, atenção, telefonemas, às vezes até comida para os fazermos esquecer de que os aprisionámos. Por exemplo, a minha amiga Alexandra tem uma Bimby, e se ela algum dia quiser que eu nunca mais saia da jaula, é só fazer aquele bolo de chocolate com açúcar em pó por cima, meio desfeito, molhadinho por dentro, que aparece no livro de receitas da já mencionada Bimby. É a maneira de me ter para sempre.
Sim, os amigos são coisas bem mais complicadas. Deles, há sempre em pouca quantidade, e é bom que assim seja. As jaulas são coisas caras, há que fazer manutenção, limpar, cuidar, prestar atenção. Cabem lá muitos amigos, mas não muitos.
Quanto aos conhecidos, esses andam sempre por aí a pulular. Disfrutemos deles, pois, antes de voltarmos à nossa jaula.
Chorei de tal forma que atraí a atenção da minha mãe. A minha mãe não achou o meu problema nada de outro mundo - disse que 10 amigos era perfeitamente normal, 10 era um bom número , pior seria se não tivesse amigos nenhuns e que, assim como assim, "nunca se tem muitos amigos".
Na altura, achei que esta verdade era uma coisa terrível. Nunca se tem muitos amigos, como? Então mas a ideia não era crescer e viver como as pessoas da telenovela, que vivem no Brasil e têm piscina e bebem sumo de maracujá ao pequeno-almoço e vão para a piscina com muitos e muitos amigos e estão sempre a conhecer gente nova, e além do sumo de maracujá também comem bolo ao pequeno-almoço? Nunca se tem muitos amigos, como?, se eu queria que a minha vida fosse assim como a novela, de preferência no Brasil e tudo, e fundamentalmene com bolo ao pequeno-almoço?
Foi difícil habituar-me a esta ideia (a de que nunca se tem muitos amigos; quanto à ideia do bolo ao pequeno-almoço, enfim, ultrapassar a barreira dos trinta dá-nos certas liberdades, como a de decidirmos o que ingerir de manhã, seja bolo, seja croissant, seja apenas leitinho com Ovomaltine), continuando, foi difícil habituar-me, mas talvez tenha sido devido a esta afirmação sábia da minha mãe que me habituei, desde muito cedo, a distinguir entre "amigos" e "conhecidos". Estes últimos vão e vêm como os autocarros, e se com alguns até podemos partilhar momentos mais especiais, o que se verifica é que a entidade dos "conhecidos" é algo de muito efémero. São pessoas que estão na nossa vida num momento e, estranhamente, no outro dia já se fora embora. Mas destas pessoas, há sempre em grande quantidade.
Os amigos são bichos mais complexos, mais difíceis de agarrar, mais complicados de manter na nossa vida. Por isso é que eles nunca são muitos. É como o tigre de Bengala (aquele que é muito raro, acho eu). Quando se apanha um, é tão precioso que temos de o manter numa jaula, não vão eles querer ir-se embora, como fazem os "conhecidos". Em troca, damos carinho, amor, atenção, telefonemas, às vezes até comida para os fazermos esquecer de que os aprisionámos. Por exemplo, a minha amiga Alexandra tem uma Bimby, e se ela algum dia quiser que eu nunca mais saia da jaula, é só fazer aquele bolo de chocolate com açúcar em pó por cima, meio desfeito, molhadinho por dentro, que aparece no livro de receitas da já mencionada Bimby. É a maneira de me ter para sempre.
Sim, os amigos são coisas bem mais complicadas. Deles, há sempre em pouca quantidade, e é bom que assim seja. As jaulas são coisas caras, há que fazer manutenção, limpar, cuidar, prestar atenção. Cabem lá muitos amigos, mas não muitos.
Quanto aos conhecidos, esses andam sempre por aí a pulular. Disfrutemos deles, pois, antes de voltarmos à nossa jaula.
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