Dantes, o meu sonho era ser apátrida. Achava uma coisa linda, isso de não ter país. Julgava, até, ser sinónimo de liberdade total.
Hoje em dia, já não penso da mesma maneira. Em primeiro lugar, percebi que, quer queiramos quer não, o país onde crescemos será sempre parte de nós. Mesmo que não nos identifiquemos com ninguém, mesmo que os hábitos, as tradições, os costumes, sejam, aos nossos olhos, bafientos e estúpidos, mesmo que toda a gente seja muito religiosa e nós não, mesmo que haja muito conversadorismo por todo o lado e nós gostemos de pensar que somos super liberais e modernaças, mesmo que, que, que e que, o nosso país é aquilo que nos informa. Pode ser só um ponto de partida, mas está lá. É impossível crescer num país e não ser desse país.
Tenho amigos que dizem já não conseguir viver no país de origem. Dizem que vão lá de férias e que se irritam com tudo - toda a gente é bisbilhoteira, toda a gente se amontoa à porta do metro em vez de deixar as pessoas sair primeiro, ninguém sabe fazer fila para comprar bilhete, etc. e tal. Mas no entanto, quando voltam ao país onde vivem, são sempre, irremediavelmente, estrangeiros.
Ser estrangeiro é, de facto, uma liberdade. Mas é tão cansativo, depois de um certo tempo. Em Portugal, as pessoas gostam de apregoar que sentem "estrangeiras", como se isso fosse uma vantagem, um ponto a mais na sua personalidade. Eu começo a achar que é "mas é" triste. Estou como o Nietzshe - o super-homem é aquele que prova a sua fidelidade à terra, sem andar por aí a pensar no mundo possível depois da morte. Eu gostava de aceitar o meu país, sem andar por aí a pensar que sou estrangeira. É mais fácil sentirmo-nos estrangeiros - podemos sempre dizer que o que se passa em Portugal não tem nada a ver connosco, já que, assim como assim, nós nem nunca nos sentimos muito portugueses, isto é tudo uma miséria, etc.
E é. É tudo uma miséria, mas não deixa de ser a nossa miséria. Daí eu encetar todos os esforços para ser e para me sentir, verdadeiramente, portuguesa, não obstante o título piroso em inglês deste post. E porém, é muito difícil e espinhoso, isto de aceitar a "portugalidade", os camões, os aviões e os gago-coutinhos, coitadinhos...
Talvez a melhor resposta a isto tude seja mesmo aquela que deu Mário Henrique Leiria: "sabem que mais? Vou da peida."
No entanto, antes de o fazer, deixo aqui um poema que eu, dantes, quando queria ser apátrida, adorava. Ainda gosto deste poema, mas já não consigo partilhar daquilo que diz com a convicção anterior. Ainda bem.
A Portugal - Jorge de Sena
Esta é a ditosa pátria minha amada. Não.
Nem é ditosa, porque o não merece.
Nem minha amada, porque é só madrasta.
Nem pátria minha, porque eu não mereço
A pouca sorte de nascido nela.
Nada me prende ou liga a uma baixeza tanta
quanto esse arroto de passadas glórias.
Amigos meus mais caros tenho nela,
saudosamente nela, mas amigos são
por serem meus amigos, e mais nada.
Torpe dejecto de romano império;
babugem de invasões; salsugem porca
de esgoto atlântico; irrisória face
de lama, de cobiça, e de vileza,
de mesquinhez, de fatua ignorância;
terra de escravos, cu pró ar ouvindo
ranger no nevoeiro a nau do Encoberto;
terra de funcionários e de prostitutas,
devotos todos do milagre, castos
nas horas vagas de doença oculta;
terra de heróis a peso de ouro e sangue,
e santos com balcão de secos e molhados
no fundo da virtude; terra triste
à luz do sol calada, arrebicada, pulha,
cheia de afáveis para os estrangeiros
que deixam moedas e transportam pulgas,
oh pulgas lusitanas, pela Europa;
terra de monumentos em que o povo
assina a merda o seu anonimato;
terra-museu em que se vive ainda,
com porcos pela rua, em casas celtiberas;
terra de poetas tão sentimentais
que o cheiro de um sovaco os põe em transe;
terra de pedras esburgadas, secas
como esses sentimentos de oito séculos
de roubos e patrões, barões ou condes;
ó terra de ninguém, ninguém, ninguém:
eu te pertenço. És cabra, és badalhoca,
és mais que cachorra pelo cio,
és peste e fome e guerra e dor de coração.
Eu te pertenço mas seres minha, não
Nem é ditosa, porque o não merece.
Nem minha amada, porque é só madrasta.
Nem pátria minha, porque eu não mereço
A pouca sorte de nascido nela.
Nada me prende ou liga a uma baixeza tanta
quanto esse arroto de passadas glórias.
Amigos meus mais caros tenho nela,
saudosamente nela, mas amigos são
por serem meus amigos, e mais nada.
Torpe dejecto de romano império;
babugem de invasões; salsugem porca
de esgoto atlântico; irrisória face
de lama, de cobiça, e de vileza,
de mesquinhez, de fatua ignorância;
terra de escravos, cu pró ar ouvindo
ranger no nevoeiro a nau do Encoberto;
terra de funcionários e de prostitutas,
devotos todos do milagre, castos
nas horas vagas de doença oculta;
terra de heróis a peso de ouro e sangue,
e santos com balcão de secos e molhados
no fundo da virtude; terra triste
à luz do sol calada, arrebicada, pulha,
cheia de afáveis para os estrangeiros
que deixam moedas e transportam pulgas,
oh pulgas lusitanas, pela Europa;
terra de monumentos em que o povo
assina a merda o seu anonimato;
terra-museu em que se vive ainda,
com porcos pela rua, em casas celtiberas;
terra de poetas tão sentimentais
que o cheiro de um sovaco os põe em transe;
terra de pedras esburgadas, secas
como esses sentimentos de oito séculos
de roubos e patrões, barões ou condes;
ó terra de ninguém, ninguém, ninguém:
eu te pertenço. És cabra, és badalhoca,
és mais que cachorra pelo cio,
és peste e fome e guerra e dor de coração.
Eu te pertenço mas seres minha, não
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