sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Os conselhos que Castiglione deixa a você


No século XVI, Baldassare Castiglione escreveu um tratado sobre a figura do cortesão, intitulado, precisamente, Il Cortegiano, onde descrevia em pormenor as qualidades que o verdadeiro aristocrata deveria congregar para que a sua superioridade moral se manifestasse. É claro que a arte da palavra era proeminente; mas, mais do que isso, Castiglione fala da qualidade da "sprezzatura", que as edições críticas anglo-saxónicas têm decidido traduzir por "nonchalance".
A ideia é que as boas maneiras, a cortesia, a linguagem elevada, os gracejos elegantes com as senhoras, devem ser feitos de forma natural, como se o cortesão tivesse nascido com todos estes predicados. Sabe-se que não nasceu, mas a arte e o engenho do gentleman é dominar estas qualidades de tal forma que elas pareçam inatas (embora sejam precisamente o contrário - trabalhadas, aprendidas, dominadas, ensaiadas).
Não posso deixar de me lembrar do velho Castiglione quase todos os dias. As pessoas esforçam-se tanto, tanto, tanto - se não são tias, querem ser tias e lá lhes sai a afectação da voz; se são tias e não querem ser, afectam não a voz, mas um ar de rebeldia descomposto e penoso; se escrevem mal, arranjam um blog e ficam todas contentes com a quantidade de visitas que recebem, compensando os longos anos de erros ortográficos e frases feitas; se escrevem bem, arranjam um blog e ficam orgulhosíssimas quando ninguém percebe o que escrevem ou as referências que para lá enxertam; se são ricas, fingem que são classe média, se são classe média, confortam-se a pensar que isso das classes já não existe, se são pobres, querem ser classe média e compram uma data de plástico na Zara, que é barata mas tem boa clientela, se são poetas, querem ser Fernando Pessoa, se são prosadores, querem ser o Philip Roth, etc, etc.
Tudo isto sem nunca se cansarem e sem nunca perceberem que a sua "agenda" é tão clara aos olhos dos outros que até dá pena. Que estafa, não percebo como é que as pessoas aguentam. A sério que não percebo. Sempre tanto esforço, tanto esforço, tanto cansaço...
Daí que o que faz mais falta a todos nós é a tal "sprezzatura" de que falava Castiglione. Tentemos ser aquilo que não somos, sim. Tentemos ser melhores, com mais dinheiro, mais sucesso, mais amigos. Mas de forma natural, meus caros. Tudo de forma natural.
Um pouquinho de naturalidade. É tudo o que se pede.

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