quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Contra a sinceridade, marchar, marchar

Assim um post à pressa, que tenho uma pilha de papelada aqui mesmo ao pé de mim.
Há uma coisa, acho que talvez já tenha escrito sobre isso, dizia, há uma coisa que eu considero uma daquelas mentiras universais que nos ensinam só porque é bonito, só porque, enfim, as criancinhas ainda têm de crescer com alguns princípios, e que é a sinceridade. Desde quando é que a sinceridade é uma qualidade? Não me parece que seja.
Em primeiro lugar, quando as pessoas me vêm com "olha, desculpa lá a sinceridade", ou "olha, já sabes que eu vou ser muito sincera", este elevado predicado da sinceridade só serve para anunciar, como bem sabemos, que lá vem merda. É o intróito muitíssimo moral que as pessoas gostam de usar para prefaciar uma ofensa, ou algo desagradabilíssimo que já sabem que não vamos gostar de ouvir. Um insulto, portanto ("tu já sabes que eu sou muito sincera - acho que estás a ser parva, acho que és uma besta", etc). Lamento dizer que a sinceridade não atribui elevação moral a ninguém para vir chatear os outros. Não atribui, não.
Em segundo lugar, se desse na cabeça de toda a gente começar a ser "sincera", a sociedade resvalava e esfarelava-se toda, ainda mais do que já está. Todo o convívio humano, toda a base diária que nos permite suportar os outros, assenta em não sermos sinceros. Exemplos:
1.
- Achas que sou boa no meu trabalho?
- Ah, acho que sim... quer dizer, a pessoa tem de estar sempre a fazer um esforço, sempre a estudar, não é, mas sim, acho que sim.
- Ah, obrigada. Então vou continuar, com muita vontade e esforço.
(exemplo de cordialidade, comunicação harmoniosa e, lá está, desonestidade)
2.
- Achas que sou boa no meu trabalho?
- Não, realmente acho que não, acho que és um bocado burra, muito limitada, podes matar-te a estudar que nunca vais perceber isto.
- Minha grande vaca, tens a mania, espera que te vou bater.
(tradução do exemplo anterior em linguagem sincera)

A própria língua está organizada em torno da não-sinceridade. O que é a delicadeza senão uma mentira? O que são as formas de tratamento, o senhor, a senhora, o respeitoso Vossa Excelência, a Sua Majestade, senão metáforas mentirosas que se destinavam/destinam a cumprir um desígnio bem mais importante do que a sinceridade - a harmonia das relações sociais (sim, porque chamar "Sua Majestade" a monarcas como, digamos, D. João III, por exemplo, é realmente uma metáfora mal enjorcada, mas que cumpria o seu propósito)?
Eu sou uma pessoa que é contra a sinceridade. Com a sinceridade, não vamos a lado nenhum. Contra a sinceridade, há que protestar, porque não há interesse em saber o que as pessoas realmente pensam, nem elas, se fossem espertas, teriam qualquer interesse em revelar-nos aquilo que a sua moral sinceridade pensa. A sinceridade é do foro íntimo, é tão íntima como qualquer segredo bem guardado, e é aí que deve ficar - sob pena de ninguém se entender neste pequeno mundo que, já de si, é tão dado à beligerância.

2 comentários:

Anónimo disse...

Sei o q queres dizer.

Apercebes-te contudo que esta explicacao e ou le-se conservadora?

E tb o principio base da Diplomacia.

Teclado belga - qq dia ja n sei escrever c acentuacao correcta...


Bjs,
i.

Rita F. disse...

Eh, eh, eh, isso do teclado belga corrige-se em breve... :)
Talvez seja uma perspectiva conservadora, sim. Talvez eu seja mais conservadora do que aquilo que penso ser, mas a verdade é que me parece que, muitas vezes, a sinceridade é abusiva, no sentido em que é apenas uma desculpa para a má-educação. Esta última, a má-educação, é o princípio do fim. A boa educação, pelo contrário, exige algum tacto, que pode ser identificado com falta de sinceridade, ou até mentira. É triste, de certa forma. Mas, ao mesmo tempo, não é - Deus nos livre da sinceridade. :)