sexta-feira, 6 de novembro de 2009

A elite, esse papão

Uma vez, numa discussão entre "amigos" sobre o Processo de Bolonha, fui instada a dar a minha opinião; disse que as universidades deviam promover o saber pelo saber. Respondeu-me um "amigo": "a tua perspectiva é elitista e estúpida". Eu, que não sou pessoa de levar desaforo para casa, como dizem os nossos companheiros brasileiros, encetei uma bulha e criou-se ali um escarcéu. Mas no fim tudo se resolveu.
Aquilo que me irrita profundamente é evocar-se "elitismo" e "elite" como se fossem coisas nefastas para o país, quando o problema deste país, de qualquer país, é o não ter elite de qualquer espécie. O que me parece é que, quando as pessoas despendem o seu latim a vilipendiar o elitismo e a elite, é na verdade em algo semelhante à plutocracia que estão a pensar. O problema resolve-se muito facilmente com um objecto, que deveria ser de uso diário, designado comummente por "dicionário".
As elites, um grupo de pessoas de excelência, que são superiores pelo mérito e pela qualidade intelectual ou técnica que detêm (não pelo poder, pelo dinheiro ou pelas cunhas) - sublinho a palavra mérito - são essenciais. Qualquer país precisa de alguém que estabeleça padrões educacionais, culturais, civilizacionais, até. E nem todos estão em condições para o fazer, pura e simplesmente. Temos todos os mesmos direitos, somos todos seres humanos dignos e respeitáveis, mas há pessoas que, pura e simplesmente, são melhores do que nós. E estas pessoas, esta tão odiada "elite", seriam aqueles que, ao invés de nivelar por baixo, como se costuma dizer, estabeleceriam padrões de exigência tais que o nível estaria sempre nos píncaros.
Não é o que se passa neste jardim à beira-mar plantado, da mesma forma que não é o que se passa nos outros países europeus que conheço minimamente (não são assim muitos, digo já). Políticos, intelectuais, escritores, a "inteligência" em geral, foi para o estrangeiro, ou vive na semi-obscuridade. Quem alcança relevância mediática ou profissional é, na maior parte dos casos, ou mediano, ou pura e simplesmente medíocre. E isto é aceite por todos porque se pensa, erradamente, deturpadamente, que a democracia é isto, quando nunca ninguém disse que a democracia é o poder da mediocridade. E o que se devia dizer é que este ódio às elites e a recompensa outorgada aos medíocres é a derrocada de qualquer futuro.
A hegemonia da mediocridade está bem à vista, tendo chegado já há muito às escolas e, até, à única instituição onde nunca poderia ter chegado, com consequências desastrosas - a universidade.
Por isso, aquilo que eu desejo para 2010 é que este país consiga ter uma elite digna desse nome.

2 comentários:

Zorze disse...

Já que se fala de Bolonha, vou aqui ser elitista.
Bolonha criou um sistema onde pintos de aviário que não têm objectivamente tempo para amadurecer as ideias que lhes são transmitidas ficam no mercado de trabalho em igualdade de circunstâncias com uma educação pré-bolonha.
Nesse sentido, pré-bolonha devia ser uma elite, mas infelizmente não é.
Os 4 ou 5 anos que se investiam numa licenciatura valem tanto como os 3 ou 4 de agora. E os 2 anos de mestrado valem tanto como o 1 ano e uma tese mal enjorcada de agora.

Lá está, nivelou-se por baixo.

Qualquer dia até o programa Novas Oportunidades dá equivalência a frequência universitária...

Rita F. disse...

Zorze, concordo. No dia em que as universidades deixam de ter qualquer papel na criação de uma elite, deixam de gerar conhecimento, deixam de garantir a excelência, é para esquecer. E esse dia já chegou.
A queda das universidades é grave porque é também a queda da exigência, da qualidade. É o mercado que vai criar a exigência, a responsabilidade, a competência? Acho que já tivemos mais provas do que aquelas que seriam desejáveis para perceber que a "mão invisível" dos mercados devia mas era estar quieta.