Por um lado, gosto do Natal. Gosto das compras (sim, é verdade), do descanso, dos doces, da descontracção da família, do entusiasmo tão peculiar das crianças nesta altura, das decorações todas, gosto sobretudo que haja pelo menos uma época do ano em que toda a gente sente a obrigação de ser boa, embora ninguém cumpra efectivamente este desiderato da bondade.
Por outro lado, não gosto do Natal. Não gosto porque eu, tal como quase toda a gente, não me torno necessariamente bondosa por esta altura, nem mais espiritual, nem mais nada. Quanto muito, tenho mais consciência da minha maldade e do meu egoísmo e sinto-me mil vezes pior com isso do que nos restantes meses do ano, o que provoca ansiedade e stress, o cabelo e a pele ressentem-se, e a depressão está a um passo. É um fenómeno complicado.
Vê-se mais gente a pedir para a caridade, na rua, durante o Natal. Cancros, crianças abandonadas, drogados, sem-abrigo, há gente a pedir para tudo. E há pedintes. Há os pedintes de Lisboa, que estão sempre em todo o lado, mas que no Natal parecem ainda mais flagrantes, mais incomodativos, mais berrantes. Cortam o coração de forma ainda mais profunda, são mais difíceis de ignorar, a gente pensa "mas como é que é possível viver numa sociedade em que estas coisas se tornaram normais?", e depois viramos as costas e tentamos esquecer. E esquecemos. Eu, pelo menos, esqueço, o que é repugnante mas no entanto verdadeiro.
Não consigo dar uma moeda a um pedinte. Não por ter medo que ele vá gastar tudo em freiras, como dizia João César Monteiro, mas porque considero uma indignidade dar um euro, dois, três, quatro, cinco, o que seja, a outra pessoa, que teve o azar de estar ali, naquela situação. Sinto-me mal, sinto que é ofensivo para a pessoa que eu lhe dê dinheiro. Podia ser eu. Não sou, mas podia ser. Eu tive sorte, a outra pessoa teve azar. E o poder que eu, ou qualquer outra pessoa como eu, acaba por ter numa situação como estas, face a um pedinte, é algo de ilegítimo, de grotesco, de bizarro. Não consigo lidar com esta bizarria grotesca, e por isso nunca dou dinheiro, embora saiba que talvez devesse dar. Prefiro consolar-me numa "dor que não dói" e contribuir para instituições de apoio organizadas. Assim é que se ajuda, não é? Não é a dar dinheiro aos pedintes na rua, não é? Sim, claro que é. Por exemplo, aquela senhora que vejo todos os dias na escada do metro, velhota, de lenço na cabeça, com um pequeno cartão riscanhado a preto, "ajude, bem-haja, etc". O meu euro não lhe faria qualquer diferença. Claro que não. O que é que se compra hoje em dia com um euro, não é?
Não lhe faria qualquer diferença. Não faria.
Por outro lado, não gosto do Natal. Não gosto porque eu, tal como quase toda a gente, não me torno necessariamente bondosa por esta altura, nem mais espiritual, nem mais nada. Quanto muito, tenho mais consciência da minha maldade e do meu egoísmo e sinto-me mil vezes pior com isso do que nos restantes meses do ano, o que provoca ansiedade e stress, o cabelo e a pele ressentem-se, e a depressão está a um passo. É um fenómeno complicado.
Vê-se mais gente a pedir para a caridade, na rua, durante o Natal. Cancros, crianças abandonadas, drogados, sem-abrigo, há gente a pedir para tudo. E há pedintes. Há os pedintes de Lisboa, que estão sempre em todo o lado, mas que no Natal parecem ainda mais flagrantes, mais incomodativos, mais berrantes. Cortam o coração de forma ainda mais profunda, são mais difíceis de ignorar, a gente pensa "mas como é que é possível viver numa sociedade em que estas coisas se tornaram normais?", e depois viramos as costas e tentamos esquecer. E esquecemos. Eu, pelo menos, esqueço, o que é repugnante mas no entanto verdadeiro.
Não consigo dar uma moeda a um pedinte. Não por ter medo que ele vá gastar tudo em freiras, como dizia João César Monteiro, mas porque considero uma indignidade dar um euro, dois, três, quatro, cinco, o que seja, a outra pessoa, que teve o azar de estar ali, naquela situação. Sinto-me mal, sinto que é ofensivo para a pessoa que eu lhe dê dinheiro. Podia ser eu. Não sou, mas podia ser. Eu tive sorte, a outra pessoa teve azar. E o poder que eu, ou qualquer outra pessoa como eu, acaba por ter numa situação como estas, face a um pedinte, é algo de ilegítimo, de grotesco, de bizarro. Não consigo lidar com esta bizarria grotesca, e por isso nunca dou dinheiro, embora saiba que talvez devesse dar. Prefiro consolar-me numa "dor que não dói" e contribuir para instituições de apoio organizadas. Assim é que se ajuda, não é? Não é a dar dinheiro aos pedintes na rua, não é? Sim, claro que é. Por exemplo, aquela senhora que vejo todos os dias na escada do metro, velhota, de lenço na cabeça, com um pequeno cartão riscanhado a preto, "ajude, bem-haja, etc". O meu euro não lhe faria qualquer diferença. Claro que não. O que é que se compra hoje em dia com um euro, não é?
Não lhe faria qualquer diferença. Não faria.
6 comentários:
Eles dependem tanto da sorte como nós. Se nós tivermos a sorte de estarmos a passar por um momemto de contentamento ou distracção, eles também têm sorte!
Quando era pequena li uma peça de teatro "Deus lhe pague". Era uma história destas coisas.
Fui eu que comentei.
Lenor, a mim esta coisa da sorte e do azar faz-me alguma espécie. São tão imponderáveis que é injusto, quase. Ou talvez não, talvez haja uma certa ordem na sorte e em quem a sorte decide bafejar.
Ou talvez tudo isto seja pensamento a mais para esta hora da noite. :)
E a mim fez-me recordar que o Alberto Caeiro escreveu isto:
"Ontem o pregador de verdades dele
Falou outra vez comigo.
Falou do sofrimento das classes que trabalham
(Não do das pessoas que sofrem, que é afinal quem sofre).
Falou da injustiça de uns terem dinheiro,
E de outros terem fome, que não sei se é fome de comer,
Ou se é só fome da sobremesa alheia.
Falou de tudo quanto pudesse fazê-lo zangar-se.
Que feliz deve ser quem pode pensar na infelicidade dos outros!
Que estúpido se não sabe que a infelicidade dos outros é deles.
E não se cura de fora,
Porque sofrer não é ter falta de tinta
Ou o caixote não ter aros de ferro!
Haver injustiça é como haver morte.
Eu nunca daria um passo para alterar
Aquilo a que chamam a injustiça do mundo.
Mil passos que desse para isso
Eram só mil passos.
Aceito a injustiça como aceito uma pedra não ser redonda,
E um sobreiro não ter nascido pinheiro ou carvalho.
Cortei a laranja em duas, e as duas partes não podiam ficar iguais.
Para qual fui injusto — eu, que as vou comer a ambas?"
Rita, é como eu trato as coisas que não prevejo que interferem na minha vida (pelas razões, por exemplo, que o Conde apontou na citação). Trato-as como se eu fosse o mar e tivesse marés. Não sou capaz de dizer que nunca, nem que sempre. Feitios, não é?
Conde-Lírios, desfaço-me em agradecimentos pelo poema belíssimo e que acerta em cheio. Mais valia nem estar aqui o post, o poema diz tudo (é para isso que servem os poemas).
Lenor, parece-me uma atitude muito acertada. Eu é que passo a vida na angústia. Não é muito bom. :)
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